Anabela Fino
A administração da Autoeuropa, cavalgando a crise, pretende impor aos seus trabalhadores novas e mais penosas condições de trabalho. Como forma de pressão agita-se o fantasma da temida deslocalização, hipótese logo displicentemente afastada por um providencial «se» que coloca em cima dos trabalhadores o peso da sobrevivência de uma indústria dita vital para o País.
Deixemos de lado, por agora, o facto de uma significativa fatia da economia nacional estar refém desta e de outras empresas que a qualquer momento podem decidir mudar-se com armas e bagagens (equipamentos, mais-valias, benesses recebidas do erário público, etc., etc.) para lugares mais atraentes (o termo em voga é «competitivos») onde os lucros crescem na razão directa do aumento da exploração. Façamos de conta que nada disto tem importância e atentemos nas «garantias» da Autoeuropa de permanecer em Portugal por largos anos: segundo a administração, a empresa está para lavar e durar cá pela santa terrinha desde que se mantenha competitiva e vá conquistando alguns dos novos modelos que a empresa-mãe da Volkswagen lance no mercado. Perguntar a quem cabe tamanha responsabilidade é puro exercício de retórica, pois ninguém ignora que só existe uma resposta para esta questão: aos trabalhadores. Mas não se pense que para isso basta que trabalhem bem, com profissionalismo e responsabilidade. Nada mais errado. O que é preciso, diz a experiência de todos os dias, é que para além de excelentes sejam igualmente «competitivos», ou seja, mão-de-obra a baixo custo, isto é, baratos.
Até há pouco tempo parecia não haver razão de queixa na Autoeuropa. Após alguns sobressaltos no passado, que foram ultrapassados com cedências dos trabalhadores, a situação estava estabilizada: a média salarial, diz-se, situa-se nos 1000 euros e os encargos com o pessoal representam 5% dos custos de produção. Um luxo. Mais, um luxo impensável em tempos de «crise», pelo que há que ser ainda mais «competitivo» e passar a trabalhar de borla ao sábado. Os trabalhadores, imagine-se o desplante, não aceitam. A questão assumiu logo dimensões de escândalo nacional, com o patrão da Sonae, Belmiro de Azevedo, a considerar que ter emprego deve ser considerado uma benção, pelo que os trabalhadores da Autoeuropa são uma «gente estranha» que ao invés de trabalhar dobrado a preço singelo ainda contesta, sem perceber que «não há emprego para quem quer estar a passar os fins-de-semana com os pés na água».
Dado o mote, outros vieram ajudar à festa, como o jurista Pedro Lomba, que em artigo no Diário Económico de terça-feira, 26, aponta o dedo ao PCP e ao BE acusando-os de interferir na Autoeuropa e de porem «quais abutres, lenha na fogueira». E isto numa empresa que «só está em Portugal em grande parte por causa das preocupações sociais» (sic).
Com patrões saudosos do sol-a-sol, para quem mil euros até dão para ir a banhos, e juristas rendidos à responsabilidade social da Volkswagen e agoniados com a existência de partidos, a «gente estranha» só tem mesmo uma alternativa – ir à luta.
Avante - 28.05.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
28/05/2009
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