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21/06/2010

Associações de apoio a doentes sofrem com menos donativos

Com mais pedidos de ajuda e menos dinheiro, as associações só podem sobreviver com novas fontes de receita ou cortes na actividade.

Os responsáveis pelas associações que se dedicam às pessoas que são afectadas pela doença, de uma forma directa ou indirecta, dizem que "a corda na garganta" está cada vez mais apertada e há projectos e actividades que podem ser adiados ou cortados. Desde as conhecidas, como a Sol, a Abraço ou a Acreditar, às mais pequenas, como a Associação Nacional de Esclerose Múltipla, passando por maiores como a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, todas sofrem com o mesmo mal: menos dinheiro. No território sem fins lucrativos e de quem depende dos outros, há quem pense em novas formas de ir buscar verbas, desde a venda de artigos em supermercados até fundos europeus, mas há também quem olhe para o plano de actividades a pensar no que se pode cortar.

Na Acreditar - Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, Margarida Cruz não esconde as dificuldades em gerir um projecto que apenas tem dez por cento do orçamento garantido pela Segurança Social. Porém, como se exige a uma optimista, destaca primeiro um lado positivo. É que se, nas contas totais, os donativos sofreram uma quebra preocupante, houve quem - consciente dos tempos difíceis - até aumentasse a sua contribuição solidária com a instituição. Essa generosidade partiu, explica, "de um grupo pequeno de empresas que são parceiros da Acreditar há já muitos anos". De resto, nos contributos de particulares, Margarida Cruz sente "uma alteração muito grande". "Em Abril tínhamos um défice de 60 mil euros. Isto não é habitual", refere a responsável que está nesta instituição desde 2002.

Em resumo, nota, as coisas já estavam mal mas agora estão pior. Exemplos: todos os anos por esta altura a Acreditar já tem apoio para 10 dos 12 quartos da casa de Lisboa. São 12 mil euros cada quarto. Este ano, só seis estão financiados. O que está em risco? "Queríamos lançar este ano o projecto de arquitectura para construir uma casa no Porto. É de não conseguir isso que temos mais medo", responde. Este ano, a Acreditar vai apoiar-se numa "almofadinha reservada para cenários de tempestade", mas está também a preparar candidaturas a fundos internacionais. Margarida Cruz aproveita ainda para deixar um apelo a quem, apesar de tudo, quer ajudar: "Às vezes, tão importante como dinheiro é a prestação de um serviço."

Quem já parece conhecer esta troca de dinheiro por serviços é o próprio Ministério da Saúde, um dos grandes "patrocinadores" destas associações. Gardete Correira, da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, revela que a contribuição do Estado ainda está a ser negociada, mas a solução poderá passar por uma garantia de prestação de serviços e actividades pagas, em vez da atribuição da habitual verba (15 por cento do orçamento até há dois anos). O responsável pela instituição com 11 mil sócios prefere não falar de valores no negócio com o Estado, mas admite que os apoios das empresas caíram cerca de 30 por cento e a contribuição de particulares reduziu-se a metade. "Procuramos não colocar em risco nenhuma actividade", conclui.

Cortar? "Onde?"

"Terrível, a situação é terrível", responde João Casais, presidente da Associação Nacional de Esclerose Múltipla, com 800 associados. Como uma grande parte das associações de doentes, este grupo com um orçamento de cem mil euros conta com um significativo apoio vindo de um laboratório farmacêutico. "Sofremos uma redução de 80 por cento neste apoio", lamenta o responsável, acrescentando que se encontra agora a negociar a alternativa: um aumento da contribuição da Segurança Social. Por outro lado, João Casais nota que a estratégia é "concorrer a vários projectos". Tudo para manter o objectivo deste ano: avançar com o lar residencial para doentes com esclerose múltipla em Vila Nova de Gaia.

Na Abraço, Margarida Martins também está preocupada. É preciso manter a funcionar o gabinete de medicina dentária onde trabalham 30 médicos voluntários "que o Estado deixou de apoiar" e reabrir o refeitório fechado há um ano, diz. "Estamos com a corda da garganta", admite a responsável por uma associação com um orçamento de mais de dois milhões de euros (cerca de metade garantido pelo Estado). Sobre as contas da Abraço, Paula Pelicarpo revela que no último ano se registou um desvio de 19 por cento (470 mil euros) entre o valor orçamentado e a receita efectiva. "Transitámos de 2009 para 2010 com resultado negativo acumulado de 177 mil euros", diz, somando os danos dos últimos anos críticos. Cortar? "Onde?", devolve a responsável, que conclui: "Ou conseguimos alternativas de financiamento, ou cortamos na despesa, ou seja, nos projectos sem apoio."

Na Sol, Associação de Apoio às Crianças Infectadas pelo Vírus da Sida e seus familiares, Teresa d"Almeida resume: "Sempre vivemos mal, agora pior." A responsável diz ser vítima da fama da casa que leva muita gente a presumir que já há ali apoio que chegue. "As pessoas pensam que a Sol está bem e as crianças estão bem. Não é verdade. Toda a gente pensa que toda a gente se lembra da Sol e assim vamos ficando para trás", nota.

A casa na Calçada da Tapada, em Alcantara, está velha, reclama Teresa d"Almeida, olhando para o espaço concebido para acolher dez crianças onde hoje se mimam 22. Coincidência ou não, na véspera do dia em que o PÚBLICO a contactou, tinham rebentado os canos da casa da Sol. Enquanto apoios continuam, mas estão mais pequenos, Teresa espera o resultado de um série de produtos que serão comercializados nos supermercados. "Até hoje a Sol não tem nenhuma dívida mas temos posto muito dinheiro nosso. Não vamos pôr mais", avisa, admitindo também rever os apoios da associação e manter apenas a resposta aos que "precisam mesmo".
http://publico.pt/Sociedade/associacoes-de-apoio-a-doentes-sofrem-com-menos-donativos_1442861

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