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21/01/2010

Os trabalhadores e o povo que paguem: Submarinos e Defesa Nacional

Luís Amaro

Voltou-se a falar recentemente dos famigerados submarinos. Entretanto, um candidato ao poleiro e frequentador assíduo, em tempo de eleições, de feiras e mercados, chora baba e ranho: - Não fui só eu, não fui só eu, foram também outros... Na verdade, afinal havia outro.

Portugal tem a 3.ª maior Zona Económica Exclusiva da UE e a 11.ª no mundo tendo apresentado recentemente o seu alargamento para mais 1,2 milhões de km2
Como é óbvio tamanha imensidão necessita de patrulhamento aéreo e naval, a fim de preservar as nossas águas de predadores de outros países o que só pode ser feito através de navios da Marinha, os quais, com mais de quarenta anos e com limitações orçamentais que afectam a sua operacionalidade – como tem sido várias vezes denunciado por profissionais da Marinha – se revelam incapazes de cumprir com eficácia.
O bom senso e a defesa dos interesses nacionais impunham que se apetrechasse a Marinha com os meios necessários e nada foi feito; fizeram ouvidos de mercador.
A menos que se argumente com a construção do NRP Viana do Castelo que não vai para os Açores segundo o comandante da Zona Marítima dos Açores, construção essa decidida em 2000 para ser entregue em 2004 e até hoje, nada. Para quem se auto intitula de gestores de rigor...
Outra hipótese é de se estarem nas tintas para a defesa do património nacional, o que bem calhando é o caso; deixaram de patrulhar, ou reduziram a sua área, as águas açorianas (com a argumentação de que há directivas da CEE nesse sentido, o que é falso) e que levou a Federação das Pescas dos Açores a levar o Estado a tribunal pelos prejuízos causados, dando-lhe este razão e exigindo o pagamento de uma indemnização aos pescadores.
Entretanto perseguem pequenos armadores de barcos de boca aberta, em S. Miguel, obrigando-os a ir pescar para lá das três milhas (5,5 km) com redes de sete braças (12,8 metros.) o que é, para além do mais, um absurdo.
Eis senão quando, apareceu o outro.
O governo de António Guterres teve a «brilhante» ideia de comprar submarinos, provavelmente para se safarem de morrer afogados tal não era a água que estavam a meter.
Os submarinos são uma arma eminentemente dissuasora e sendo Portugal um país sem problemas fronteiriços e sem quorum com quem quer que seja, não se vislumbra quem queremos dissuadir.
É legítima, portanto, a interrogação:
- Submarinos para quê?
A resposta encontra-se nas suas características tecnológicas e capacidades operacionais.
Enquanto o velho submarino NRP «Barracuda» tem uma capacidade de algumas horas de imersão e um raio de acção que cobre uma pequena parte do Atlântico Norte até ao Golfo da Guiné, o novo «brinquedo» com 45 dias de capacidade de imersão e operacional até 300 metros de profundidade, cobre todo o Mediterrâneo, o Atlântico Norte e Sul, todo o Oceano Índico, o Golfo Pérsico e vai quase até às costas da Índia.
Estas características dão-nos parte da resposta: estes vasos vão servir, única e exclusivamente, a estratégia belicista da Nato no mundo e não contribuem em nada para a defesa nacional.
O argumento de que fazemos parte da Nato e portanto temos que assumir os compromissos é tão falacioso como todos os outros que foram evocados para justificar a bárbara decisão. Ser membro da Nato – que Portugal em cumprimento das promessas de Abril não deveria fazer parte, mas adiante – não quer dizer que não se possa dizer «não», como o fez o General de Gaule, homem de direita, quando nos anos sessenta retirou a França da aliança militar.
Mas de Gaulle tinha coragem, palavra e qualidade que não faz parte do léxico gramatical e humano de quem tem estado no poder em Portugal nas últimas três décadas.
E fazer parte da Nato também não obriga a gastar verbas exorbitantes para agradar ao Tio Sam; em 2006 Portugal gastava 2,1% do seu PIB em despesas militares e 2% em 2007, enquanto a Espanha gastou 1,2 % do seu PIB em cada um desses dois anos.
Esta «brincadeira» vai fazer, por si só, aumentar o défice orçamental para 2010 de 0,6%, mas isso não incomoda o que mora em S. Bento; o argumento do controlo do défice serve para diminuir os salários reais, recusar aumentos decentes do salário mínimo nacional e das reformas, mas quando se trata de agradar e obedecer ao dictat do imperialismo americano manda-se o défice às urtigas...
Os submarinos vão fazer um jeitão à Nato; para além da sua integração permanente na Standing NATO Response Force Maritime Group 1, seguramente vão ser utilizados nas novas agressões projectadas pelos USA em direcção ao continente africano de que fizeram parte as recentes manobras navais (11 a 16 de Julho passado) nas costas do Marrocos, designadas por MEDSHARK/Majestic Eagle 04, em que Portugal participou com o submarino Barracuda, cinco F-16 e um P-3P, segundo a Nato Strike Force Public Affairs.
E os trabalhadores e o povo que paguem.
Como nas novelas policiais aqui também se pode dizer – descobre quem é o beneficiado pelo crime e encontrarás o criminoso.

A saga num só episódio

Foi o Governo de António Guterres que avançou com a proposta da compra de submarinos; primeiramente, segundo consta por sugestão do primeiro-ministro, seria a aquisição aos britânicos de vasos em segunda mão; depois, respondendo ao apelo de alguns falcões da Marinha, decidiu-se pela compra não de dois submarinos, mas de três, voltando aos dois previstos inicialmente tudo assente na resolução 14/98 do Conselho de Ministros de 30 de Janeiro.
O concurso público foi lançado e o processo continuou, sem sobressaltos, com o Governo PSD/CDS e depois com o Governo PS/Sócrates o que quer dizer que os dois governos são uma e a mesma coisa.
Assim, foi o acólito António Guterres que assinou a autorização da compra desta terrível máquina de agressão.
Neste aspecto o polítiqueiro das feiras e mercados tem razão: não foi ele que começou a negociata, foi o PS – que se dê o seu a seu dono.
Depois, já no Governo PS/Sócrates, a questão da compra de equipamento militar criou fricções entre Luís Amado anterior ministro da Defesa e o seu sucessor Severiano Teixeira (outro boy do Clube Georgetown University) quando este afirmou publicamente não estar de acordo com a compra dos submarinos assinada pelo ministro da Defesa do CDS e homologada pelo anterior ministro da Defesa socialista e depois ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiro, Luís Amado.
Não se pense que esta posição de Severiano tinha a ver com alguma contenção orçamental, não; de facto era sua intenção, segundo consta, a aquisição de outros equipamentos apesar das dificuldades orçamentais, o que acabou por fazer ao adjudicar a estaleiros holandeses duas fragatas.
A compra de armas é sempre um aspecto sensível da governação – pudera, com tanto mel no pote todos querem lambuzar os dedos, como foi demonstrado com a prisão, na época, de homens ligados à Marinha e acusados de corrupção.
Depois de todo este desaguisado entre os dois socialistas foi resolvido com a troca de posições dos seus homens; Luís Amado impõe a saída de Rui Neves da Comissão das Contrapartidas – comissão chave em toda esta engrenagem.
Esta figura, Rui Neves, que tinha substituído um homem da confiança do ministro da Defesa CDS, terminou o contrato da compra dos submarinos já praticamente negociado pelo democrata-cristão Rui Pena, ministro da Defesa de Guterres e sócio do PSD José Luís Arnault – como se vê, mais uma vez, está tudo em família.

Argumentos

Existem argumentos justificativos para tudo e há mesmo quem consiga justificar os crimes mais hediondos.
Há aqueles com que não estamos de acordo mas marcam alguns pontos para a análise; há os que estamos frontalmente contra; depois há os argumentos manipuladores dos factos, os patetas, os bacocos e por aí fora.
Nesta questão dos submarinos apareceu um argumento justificativo que é digno de entrar nos anais do disparate, do absurdo, do ridículo.
Foi o caso da argumentação apresentada por Dieter Dellinguer, membro fundador do PS, deputado pelo PS na primeira legislatura e presumível entendido em questões navais pois é redactor da Revista da Marinha.
Depois de afirmar que estes «nossos» submarinos vão assustar toda a gente incluindo «os submarinos nucleares americanos da classe Los Angeles e Virgínia», que «nenhuma Marinha estaria à vontade nos nossos mares insulares, sabendo da presença deste terrível e invisível inimigo», continua na sua verborreia belicista – «Os U209 são verdadeiros guerrilheiros do mar, terríveis por poderem atacar submarinos, navios de superfície e mesmo alvos terrestres» e vai mesmo mais longe ao afirmar que «a nação jurídica tem todo o direito de travar combate seja contra quem for no seu território ou no mar adjacente e o direito internacional não o pode impedir».
Mas o prato forte argumentativo deste soldadinho de chumbo é o seguinte: a justificação primeira da compra dos submarinos é «impedir o apoio marítimo a uma tentativa independentista da Madeira e dos Açores» provocando esta afirmação até a chacota dos reaccionários ianques da FLA açoriana.
Não é hábito fazer profissão de fé sobre a veracidade dos factos que descrevo, mas neste caso o esclarecimento sobre a fonte é absolutamente necessário, não vá o(a) amigo(a) leitor(a) pensar que caiu alguma linha na composição ou de gralha tipográfica se tratasse, tal não é o quilate dos disparates.
Estas afirmações do «perito» naval foram publicadas em 10 de Abril passado no «Fórum de militantes e simpatizantes socialistas das freguesias do Lumiar, Ameixoeira e Charneca, em Lisboa» e já tinham sido publicadas na Revista da Marinha (n.º 824).
Nem todos os dirigentes do PS têm a opinião do acima citado: Almeida Santos, ex-presidente da Assembleia da República e actual presidente do PS disse, em Outubro último, em Alenquer, que «não precisamos de submarinos para nada, precisamos é... de armas»; posição ligeiramente diferente teve Jaime Gama, actual Presidente da AR, ao levar a esposa à Alemanha para ser ela a madrinha do Tridente o primeiro dos submarinos deitados à água (este fascínio do actual presidente da AR pelos «barcos que andam debaixo de água» deve ter a ver com a característica que Mário Soares lhe apontou, já faz anos de que, cito, «Jaime Gama é um peixe de águas profundas».
Mas existem outros argumentos que pretendem justificar a colossal despesa tais como: temos uma escola de homens dos subs que não se pode perder; são um meio óptimo de desembarque e recolha de elementos infiltrados, este argumento foi apresentado por alguém que desempenhou os mais altos cargos na instituição militar, e provavelmente viu muitos filmes do James Bond – digo eu; os submarinos são a arma dos pobres (outra de calibre); as vantagens das contrapartidas – ah, as célebres contrapartidas que é onde está o pote do mel – e por último a protecção da Zona Económica Exclusiva.
Nenhum destes argumentos tem ponta por onde se lhe pegue, como já se viu quando mais acima demonstrámos quem são, de facto os interessados – o imperialismo americano e o seu aparelho bélico, a NATO.
No entanto e em benefício do aprofundamento da questão que pode interessar a alguns dos nossos leitores e leitoras sempre digo que a desmontagem daqueles argumentos foi feita por um antigo chefe do Estado-Maior do Exército na Revista Militar (n.º 2429/30) e que eu, no que é alusiva ao caso, subscrevo inteiramente.

Os custos

Os custos iniciais eram de 769,3 milhões de euros mas mesmo antes da entrega estes custos já derraparam 63,6 milhões fazendo um total de 832,9 milhões de euros que, adicionando os juros, ficará em 1048 milhões de euros.
Mas não se ficam por aqui os gastos.
Só em Agosto de 2008 o Ministério da Defesa abriu seis concursos públicos relacionados com a compra dos submarinos entre eles a remodelação de infraestruturas no Alfeite no valor de 9,55 milhões de euros, e dragagens no canal do Alfeite que têm que ser periódicas; uma previsão conservadora dos gastos aponta para 1500 milhões de euros, fora as despesas de manutenção e as de reparação que, segundo parece, não estão contempladas no contrato, o que não se pode confirmar visto o contrato ter «desaparecido»...
Não é inverosímil crer que esta negociata dos submarinos está por detrás das tentativas de privatização do Arsenal do Alfeite. Voltemos aos custos. A verba que já está a ser despendida e que vai totalizar 1,5 mil milhões de euros dava para:
- Duas novas pontes Vasco da Gama (foi orçada em 897 milhões de euros), ou:
- 18 novos hospitais totalmente equipados com 60 camas e três salas cirúrgicas cada, mais dois hospitais com 789 camas cada, tudo num total de 1474 milhões de euros ou, para quem gosta de futebol:
- Dois novos estádios da Luz e dois de Alvalade XXI e, no sentido de ajudar Carlos Queiroz visto que a selecção vai mal, sobrava ainda dinheiro para comprar (11) Cristianos Ronaldos ao Real Madrid.
Será/é este o preço que quem trabalha vai pagar, pela aventura belicista dos talentosos e impolutos governantes do PS, PSD e CDS.

A negociação

As negociações foram conduzidas só no sentido de favorecer a GSC (German Submarine Consortium). Esta empresa vendeu dois submarinos do mesmo tipo à Grécia e à Itália que serão construídos total ou parcialmente nesses países; sendo do conhecimento público as capacidades tecnológicas e humanas da indústria naval nacional, porque não se negociou uma solução como a da Grécia e a da Itália?
Até as próprias baterias ficarão dependentes de uma empresa grega como denunciou em Lisboa o presidente da Autosil.
Sendo este submarino (Tipo 214) tão extraordinário e provocando mesmo arrepios na espinha aos americanos, segundo a opinião do abalizado Dieter acima citado, porque é que a própria Alemanha não tem nenhum ao seu serviço?
Não será elucidativo que quem comprou submarinos deste tipo foram a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Indonésia, Venezuela, Turquia, Grécia, Peru, África do Sul e agora Portugal, mais parecendo o negócio da venda de frigoríficos em regiões de África onde, não havendo electricidade, podem ser usados para guardar os chinelos?
Apesar de haver disparidade de valores sobre o preço pelo qual a GSC vendeu, em 2006, três submarinos do mesmo tipo à África do Sul (tipo 209/1400) no valor de 193 milhões de euros cada, enquanto os nossos – «nossos» salvo seja que eu não tenho nada a ver com isso – custam para cima de 500 milhões cada (um acréscimo de 172%!).
Alguém é capaz de explicar isto?

Triste epílogo

Donald Rumsfeld, secretário da Defesa de Bush, amigo e fornecedor de armas a Saddam Hussein primeiro e depois principal obreiro da destruição e ocupação do Iraque para que as multinacionais se locupletassem com o petróleo iraquiano, e entusiasta defensor do direito divino que os Estados Unidos têm para raptar, torturar e assassinar quem quer que seja que se oponha aos desígnios do imperialismo, a coberto da luta antiterrorista, veio a Portugal.
Numa cerimónia reservada (pudera!) este energúmeno condecorou o que foi ministro da Defesa – o tal das feiras – por «serviços públicos distintos» (leia-se, entre outras coisas, a compra dos submarinos) sendo «a primeira vez que um ministro da Defesa português recebe a medalha raramente atribuída a estrangeiros», segundo a Lusa.
O condecorado, sedento de protagonismo e exalando vaidades, exultou; os portugueses, não!
___________


Fontes:
- Revista da Marinha.
- Fórum socialista das freguesias do Lumiar...
- SIPRY Yearbook, Estocolmo.
- Nato Strike Force Public Affairs.
- FAO- Zona Económica Exclusiva.
- Revista Militar (n.º 2429/30).
- Ministério da Saúde.
- German Submarine Consortium (documentação vária).
- SCOPA – Comissão do Parlamento Sul-Africano para investigação da corrupção na compra de submarinos.
- US Defense Departement (Pentágono).
- Comunicação social vária.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=32214&area=19

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