A dificuldade maior para entender este nosso país é que não há um Brasil: o Brasil é três.
Há o Brasil de 50 milhões de pessoas, com uma renda per capita comparável à dos países europeus de nível médio. Este país é dono de 323 milhões de hectares de terras aráveis, detentor das maiores reservas de água potável do planeta; de enormes reservas de gás combustível e de petróleo; da quarta província mineral e do décimo parque industrial do mundo. Para explorar essa riqueza, dispõe de uma força de trabalho versátil, disciplinada e dócil. A parte superior desse contingente populacional (o 1% de brasileiros, 2 milhões de pessoas) tem uma renda mensal de 20.000 dólares, que declina gradualmente até patamares de 1.500, 2000 dólares mensais – um conjunto de 50 milhões de gente endinheirada.
Este Brasil vai muito bem, obrigado. Se melhorar, piora.
O Brasil nº. 2 tem cerca de uns 120 milhões de pessoas e uma boa parte desse total não vai indo de todo mal. Ou melhor: não percebe que está recebendo uma educação insuficiente, cuidados de saúde precários, aposentadorias aviltadas, e que, amanhã, vai pagar tudo isso. Mas, hoje, o gasto que faz com o dinheiro que está recebendo é suficiente para ajudar a diminuir o impacto da crise econômica em nosso país.
O problema grave dessa porção majoritária da Nação é a alienação, no que esta tem de empobrecimento intelectual e de corrosão do caráter. O pavor de ser rebaixado ao andar térreo impede que esse enorme contingente populacional se solidarize com os marginalizados do consumo e da cidadania. Por isso, esse enorme contingente populacional constitui uma força conservadora e, em algumas situações, até mesmo reacionária.
O Brasil nº. 3 é onde uns 60 milhões de brasileiras e brasileiros amargam uma vida de frustrações e de miséria.
Este Brasil vai de mal a pior. Porém, não se dá muito conta disso, porque está recebendo um subsídio mensal do governo e, com essa quantia, engana a fome.
Uma das seqüelas perversas da sua pobreza é a cadeia de corrupção a que ela dá origem: começa quando o narcotráfico contrata o menino para fazer entrega de droga e culmina nos mais altos estratos da pirâmide social e nos escalões superiores do Estado.
Os problemas desse Brasil fraturado não são apenas a carência material dos mais pobres e o sofrimento que tal carência carreta, mas a impossibilidade de coesão social, sem a qual nenhum aglomerado humano consegue superar a barbárie e transformar-se em uma Nação civilizada.
Portanto, quem nasceu no Brasil nº. 1 carrega consigo um problema moral: a difícil opção entre o desfrutar irresponsável do seu status financeiro e social, e o arriscar carreira, status e até mais, a fim de construir com os outros dois Brasis uma Nação, autônoma, justa, solidária, capaz de partilhar da luta por uma Humanidade livre da dominação capitalista.
Dessa opção depende o valor moral de cada um dos milhões que vivem bem.
Correio da Cidadania - 28.09.09
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