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17/05/2009

O império hipotecado

Mark Engler - escritor de Nova Iorque, é analista de política externa de Foreign Policy in Focus

O editor do Wall Street Journal , Max Boot, questionou a ideia de Pat Buchanan de que os EUA deveriam ser “uma república, não um império”. “Esta análise é exactamente retrógrada”, escreveu Boot. “O ataque de 11 de Setembro foi o resultado de uma insuficiente ambição e envolvimento americanos; a solução é ser mais expansivo nas nossas metas e mais afirmativo na sua implementação.” E acrescentou, “territórios problemáticos clamam hoje por sábia administração estrangeira, outrora providenciada por senhores ingleses em calças de golfe e capacetes coloniais.”

Custa a crer que estes sentimentos, marcas de água do primeiro período de George Bush fossem importantes na nossa história recente. O debate de que foram alvo parecem hoje estranhos e longínquos. Desde então o mundo experimentou uma catastrófica ocupação do Iraque e os votantes arredaram a vanguarda republicana do “Guerra ao terror”. Defensores abertos do imperialismo encontraram boas razões para se recolherem nos seus roupeiros.

E isto naturalmente para não falar da explosão da bolha imobiliária, da queda de Lehman, e do fim da era dos fundos de investimento.

Com o desemprego em ascensão e Wall Street envergonhada, entrámos num período de declínio económico suficientemente grave para trazer sérias perguntas acerca da viabilidade do poder dos EUA. Hoje, o assunto do dia é: até que ponto a crise económica afecta o nosso papel no mundo? Ou, mais simples, o império americano enfrenta a execução da hipoteca?

A resposta envolve mais do que objecções sobre a semântica do domínio americano. Por junto, as questões resultantes da vaidade imperial da administração Bush e o descrédito do fundamentalismo da desregulação dos mercados que medraram sob a administração Clinton criaram novas possibilidades de remodelação da ordem global nos anos Obama.

Esticado para além dos limites?

A teoria do declínio imperial que se tornou standard nas duas décadas passadas é conhecida como “levar longe demais” ou “esticar demais”. O historiador Paul Kennedy descreve o conceito no seu livro de 1988, “Ascensão e Queda dos Grandes Poderes”. Kennedy argumenta que historicamente os poderes dominantes do mundo auto-destruíram-se ao envolverem-se em aventuras que drenaram as suas forças e esgotaram as suas finanças. A sua análise, implicando que os EUA poderiam seguir os padrões dos impérios do passado teve grande influência. A expressão “imperial overstretch” depressa ganhou lugar na discussão política dominante.

Na época os conservadores americanos fumegavam. Argumentavam que o professor Inglês era um profeta do Juízo Final, que não apreciava o inigualável poder da América. Quando a URSS entrou em colapso e a economia americana se elevou nos anos 90 eles consideraram-se ilibados. Contudo, parece que poderá ainda ser Kennedy a dar a última gargalhada.

Hoje o custo da postura militar global da América pode ser mais importante que nunca. Mesmo sob a presidência de Barack Obama – cuja administração propôs cortes em algumas armas caras e antigas – os EUA gastarão para cima de 500 mil biliões de dólares por ano para financiar as forças armadas e manter a “Base Mundial”. Isto é o que o autor e analista politico Chalmers Johnson chama a “rede de campos de repouso do ultramar”, raramente referidos pelos cidadãos em casa, mas que é alvo de amarga indignação em muitas partes do mundo. Os EUA têm oficialmente 737 bases em todo o mundo, custando mais de 127 biliões de dólares e cobrindo pelo menos 687.347 hectares em 130 países. “ ...pode-se avaliar a expansão do imperialismo contando as suas colónias”, escreveu Johnson no seu livro Nemesis: Os Últimos Dias da Republica Americana. “A versão americana da colónia é a base militar.”

Johnson explica,” O propósito de todas estas bases é “demonstrar força”, ou a manter a hegemonia militar americana em todo o mundo. Elas facilitam o nosso “policiamento” do mundo e é suposto garantirem que mais nenhuma nação, amiga ou hostil, nos pode desafiar militarmente.” Desde o fim da Guerra-Fria que manter esse poder único tem sido a chave da política de defesa dos EUA.

Agora devemos perguntar: Pode esta hegemonia ser mantida de forma plausível? Objectivamente o Presidente Bush provocou um mais severo esgotamento do império ocupando múltiplos países e criando a necessidade de mais tropas que as que podiam ser recrutadas. Realçando este dilema, Kennedy argumentou numa entrevista em 2006,” Os generais americanos deveriam dizer definitivamente que a América está “super-esticada”.

Mas, ainda mais significativo, Bush aumentou os custos políticos e económicos do império provocando mau estar e resistência aos EUA por todo o mundo. O aspecto chave do “esticanço” imperial é que ele deve ser medido com relatividade. Não depende apenas de factores objectivos como a dimensão do militar americano, mas também de quanto outros actores internacionais escolhem responder às exigências da política externa da América. Ironicamente, como os neoconservadores defensores do “império globalizado” da administração Bush sobrecarregaram o poderio americano, acabaram por demonstrar a sua impotência. No Iraque e no Afeganistão, os EUA foram incapazes de criar a estabilidade ou acabar com a insurreição. Tal como no Vietnam, o fiasco no Médio Oriente encorajou a oposição. Os neocons sonharam com um Iraque aliado e uma plataforma para o poder americano no Médio Oriente. Ao contrário, o país é agora um símbolo da fraqueza das super-potências.

A resistência democrática também determina os limites relativos do império. Entre os nossos aliados, os ataques ao multilateralismo das administrações Bush, “connosco ou contra nós”, reduziram a vontade de outros poderes de tomarem parte nas aventuras ultramarinas da América. Membros da comunidade internacional desgostosos com o falhanço do imperialismo em criar uma segurança real, foram progressivamente recusando ir mais além. Isto deixou os EUA políticamente isolados e incapazes de se movimentar, com a tarefa de, isolados, policiarem o mundo - uma modesta perspectiva mesmo numa administração notoriamente carente de modéstia.

Um dólar flutuante

Obama pode ser capaz de inverter alguns dos estragos diplomáticos dos anos Bush, mas a sua administração enfrenta problemas próprios. A projecção da força global não requer apenas uma enorme soma de capital político; ao mais alto nível exige um tesouro financeiro. Muitos pensariam que, nas aflições da crise financeira, a América estaria destinada a uma bancarrota imperial.

Os EUA, acostumados nestes últimos 15 anos a um grande défice corrente, tem estado claramente a viver para além dos seus recursos. Enquanto a bolha económica se expandia, o governo confiava a investidores estrangeiros a sua excessiva despesa militar. E ao nível do consumo as famílias viviam à conta dos seus cartões de crédito e hipotecavam o valor das suas casas para manter o consumo.

Era uma situação insustentável, e muitos países não o teriam admitido para se manter. O Fundo Monetário Internacional (FMI) teria vedado este obsceno desgoverno económico e avisado os credores a não investirem num país assim, a não ser que o governo prometesse fazer reformas que saneassem a situação. Mesmo sem a influência institucional, o livro da economia previne sobre isso, vendo nesses sinais de fraqueza económica, que os investidores sairiam do pais assustados, que as suas contas diminuiriam, que os consumidores nunca mais poderiam comprar produtos estrangeiros e a economia seria submetida a uma necessária e dolorosa “correcção”. A severa privação e o declínio dos padrões de vida teriam logicamente incitado um país a pesar bem os custos dos envolvimentos com o estrangeiro.

Agora que a crise nos atingiu, pareceria que estávamos atrasados para o cálculo dos custos imperiais. No entanto, o estado dos mercados não é o único factor em jogo. Tal como na esfera política, a habilidade de os EUA sobreviverem economicamente como hegemónicos depende em grande parte de até quanto outros aceitem, tolerem ou resistam à presente ordem.

O que torna os EUA diferentes do outros países? Como super-potência política e maior economia mundial, os dólares americanos servem de moeda de reserva para o resto do mundo. Países estrangeiros mantêm as suas reservas monetárias em dólares porque estão convictos que eles são mais confiáveis que qualquer outra alternativa. Enquanto outras nações quiserem manter o seu dinheiro convertido em dólares, os EUA podem financiar os seus enormes défices.

Ironicamente, um efeito da crise até ao momento tem sido manter a elevada procura do dólar. A lógica é simples. Numa economia caótica, muitos investidores consideram os títulos do tesouro americanos o único investimento seguro para o seu dinheiro, mesmo com as baixas taxas de juro. Mas isto não dura sempre. Vozes de descontentamento já chegam dos maiores investidores. Tal como outros líderes reunidos em Londres na recente cimeira dos G20, Zhou Xiaochuan, o governador do Banco Central Chinês, apelou à criação de uma “moeda reserva supra-nacional”, em substituição do dólar.

Economistas progressistas como Paul Krugman e Dean Baker debateram o significado desta ultima posição da China e é duvidoso que um abandono imediato do dólar esteja para breve. Mas quando outros países decidirem mudar as estratégias económicas e voltar a uma nova moeda de reserva, isso poderá ser o fim da linha para os desígnios imperiais norte-americanos. Washington precisa apenas consultar Londres acerca da gravidade deste problema. Como observaram muitos historiadores, o desmoronar do Império Britânico veio no seguimento de este ter deixado escapar a libra esterlina como moeda universal.

A promessa e perigos da multipolaridade

Mesmo que os EUA se abriguem da crise com a sua economia mais ou menos intacta, muitos analistas políticos acreditam que o seu poder nos próximos anos irá diminuir, pelo menos em comparação com o de outros países. A “multipolaridade” tornou-se o slogan do dia. Numa nova ordem mundial multipolar, não haverá mais uma única superpotência. A América terá que funcionar dentro de uma constelação com outros negociadores do poder.

Ainda antes da crise financeira, fontes dos serviços secretos do governo previram um significativo realinhamento internacional nas próximas duas décadas. No início de 2005, o National Inteligence Council elaborou um relatório de 119 páginas intitulado Desenhando o Futuro Global. Como relata Slate o documento argumenta que no ano 2020 “ Os EUA permanecerão “um importante formatador da ordem internacional” – provavelmente o único mais poderoso pais - mas a sua posição relativa sairá desgastada”. Os novos ”poderes arrivistas” – não apenas a China e a Índia, mas também o Brasil, Indonésia, e talvez outros -, irão acelerar esta erosão e prosseguirão estratégias concebidas para excluir e isolar os EUA, “ com vista a forçar-nos a jogar de acordo com a suas regras.”

Está-se a veirficar-se que estas previsões eram bem fundamentadas. De acordo com o London Independent, a cimeira dos G 20 pôs em evidência uma versão de uma ordem multipolar: foi “uma cimeira que mostrou um novo balanceamento de poder”. Aí “ a voz dos EUA era, embora influente, uma entre outras... por inclinação ou por necessidade, os EUA pós-Bush parecem ver o seu lugar no mundo um pouco diferentemente: menos excepcionalismo americano, maior procura de consensos. Nos G20 a presença da China, Índia e Indonésia, entre outros países, dá uma ideia de uma futura ordem mundial”. Destacando-se entre as outras nações, “a China fez a sua tímida aparição como poder ascendente.”

Acesos debates surgiram acerca das implicações desta alteração multipolar. Alguns comentadores preocuparam-se porque, de forma semelhante à ascensão do fascismo, um colapso económico global poderia levar ao poder movimentos reaccionários e xenófobos em muitos países. Ainda nos anos Bush, conservadores defensores do Império como o historiador de Harvard Niall Ferguson, espalharam o medo com as perspectivas do fim do unipolar. “Se os EUA retraem a sua hegemonia global, os seus críticos, aqui e no estrangeiro, devem pretender que eles estão caminhando para uma nova era de harmonia multipolar, ou mesmo um regresso ao bom velho balanço do poder”, escreveu ele em Política Externa. “infelizmente, a alternativa a um super-poder unipolar não é um utopia multilateral, mas o pesadelo anárquico de uma nova Idade das Trevas”. O historiador avisava para “impérios em decadência. Revivalismos religiosos. Anarquia incipiente. Um regresso às cidades fortificadas. Estas são as experiências da Idade das Trevas que um mundo sem um hiper-poder pode rapidamente encontrar a reviver. “

Naturalmente que aqueles que mais lamentam a perda do “hiper-poder” são os mesmos que encorajaram a invasão do Iraque. E infelizmente, na sua postura como hegemonia global, os EUA suportaram governos repressivos e anti-democráticos, pelo menos sempre que ela os contrariava. Ainda há uma quantidade de receios justificados pelos multipolaristas: o declínio imperial não garante progresso. Certamente outros poderes em ascensão terão que ser sujeitos ao mesmo nível de escrutínio público e criticismo democrático como os Golias passados.

Apesar da rejeição de ambos os modelos da globalização, corporativo e imperial, poder não ser suficiente para criar uma nova ordem global justa, ela é necessária. A actual crise económica global, significará sofrimento real para os trabalhadores e para as comunidades economicamente vulneráveis pelo mundo fora, e para os que mais sofreram durante a Grande Recessão. Mas também há esperança nestes tempos de crise. A dupla falta de legitimação do império e do fundamentalismo de mercado, criou mais espaço do que nunca para alternativas globais desde o fim da Guerra-Fria. Este é um momento para difundir visões económicas emergindo de baixo. E é uma oportunidade para os EUA apresentarem um visão das relação internacionais mais humilde, mais igualitária e mais democrática do que aquela que foi, em nome da liberdade, inicialmente prosseguida.

Um poder suave?

Quaisquer que sejam os problemas, os Estados Unidos não irão desaparecer. Previsões de colapso, da esquerda à direita, imaginam o declínio imperial como um processo mais pré-determinado e fixo do que ele é na realidade. A fraqueza económica dos EUA, mesmo a saída do dólar da cena mundial, não significa que a América se torne irrelevante, num rápido e dramático gesto. Num futuro previsível, os EUA serão por muito tempo a maior economia mundial e o seu poderio militar minguará tanto quanto emergir o dos rivais. Até num ambiente multipolar, os EUA poderão manter um status de “primeiro entre iguais” durante décadas.

Mais urgente então, do que saber durante quanto tempo os EUA serão um Império, é a questão de como Washington lidará com a transição para uma situação na qual a sua relativa dominância tenha diminuído. Visto que os contornos deste declínio são altamente variáveis, as decisões de política externa da administração Obama são bastante relevantes.

Um perigo corrente é o de que Obama, ao mesmo tempo que rejeita o unilateralismo grosseiro da administração Bush e suspende o punho duro do poder americano, regresse a uma forma suave de poder imperial. Com Bill Clinton, os EUA usaram instituição multilaterais como o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio como instrumentos primários da sua política externa. Assessorados por economistas de fato e gravata em lugar de tropa na reserva, estes corpos exerceram considerável controlo sobre povos estrangeiros.

As instituições financeiras internacionais forçaram os países em desenvolvimento a cumprir com as prescrições do “ Consenso de Washington” para poderem receber apoio económico. Estas políticas fundamentalistas de mercado beneficiaram a elite corporativa, enquanto aumentaram desigualdades e produziram um crescimento muito limitado nos países onde foram implementados. Os mercados desregulados das corporações globalizadas também provaram “tendência de crise”, produzindo choques sistémicos variados, desde a crise financeira da Ásia em 1998 e 1999, ao colapso económico da Argentina em 2001, até à presente crise que começou com o colapso do sector imobiliário americano.

Durante os anos Bush o poder do FMI e do Banco Mundial diminuiu dramaticamente, em parte devido aos desacreditados efeitos das crises anteriores, em parte por causa do desinteresse dos administradores de Bush em investirem em estruturas multilaterais. A Casa Branca de Bush com a sua tendência para o unilateralismo duro, não só não apreciava as vantagens dos instrumentos imperiais preferidos de Clinton, como por vezes os desprezava. O jornalista Inglês e colunista do Guardian, George Monbiot, descreveu esta situação como “o paradoxo do esquecimento no pensamento dos neocons”. Ele escreveu numa coluna em 2005 que os operacionais de Bush para a política externa querem enterrar a velha ordem multilateral e substitui-la por uma nova ordem, americana. Começaram a perceber que o sistema “multilateral” é de facto a projecção do unilateralismo americano, inteligentemente empacotado para garantir das outras nações suficiente quietude para evitar o seu combate. Tal como os seus opositores, os neocons começaram a compreender como Roosevelt e Truman cozinharam bem a ordem internacional. Estão a procurar substituir o sistema hegemónico já provado e efectivo, por outro não testado e instável, porque outras nações o poderiam combater. Qualquer pessoa que acredite na justiça global deveria desejar-lhes sorte.

Para os críticos do FMI e do Banco Mundial ver estes corganismos diminuírem seria já um sinal de progresso. Mas agora parece que o trabalho de desmantelamento da ordem hegemónica passada está longe de acabado. O sistema de Breton Woods pode ser mais tolerado e efectivo do que Monbiot teria adivinhado.

Os suspeitos do costume

O declínio económico global está hoje a dar um novo fôlego a algumas instituições que tudo fizeram criar a crise. Os críticos receiam que a administração Obama, ainda que de uma forma subtil, possa usar essas instituições para reafirmar a hegemonia dos EUA. Ao fazê-lo, Obama quer, sem dúvida, parecer progressista em comparação com Bush. Mas o apelo estaria errado se as instituições multilaterais que ele reanima mantivessem as práticas antigas.

Na cimeira dos G20, os líderes prometeram solenemente canalizar mais de 750 mil milhões de dólares através do FMI, para manter países em desenvolvimento, triplicando os recursos institucionais. Tal como o London Independent descreve ”se todos honrarem os seus compromissos, as instituições que pareciam na fronteira da redundância apenas há uns anos, poderão brevemente encontrar-se inundadas de novo dinheiro e novas responsabilidades... A era Bush de desprezo pelas Nações Unidas e outros fóruns multilaterais é coisa do passado. Pelo menos por agora.”

Uma interpretação positiva destes acontecimentos poderia sustentar que as pessoas e as instituições mudam com as condições políticas. “O Larry Summers de 2009 não é o Larry Summers de 1999,” segue o argumento – afirmando que o anterior Secretario do Tesouro, um líder corporativo globalista nos anos Clinton, ajudará a avançar mais uma agenda económica progressista, de acordo com as circunstâncias alteradas que permitiram que ele se tornasse o director de Obama para o Conselho Económico Nacional. O FMI pode, de maneira optimista, submeter-se a um renascimento semelhante. Ainda que o Fundo tenha, no passado, agravado a crise financeira asiática, fazendo os países cortar nas despesas e eliminar as regulações económicas, será agora compelido a refazer-se como instituição que proporcione estimular o consumo e distribuir presentes Keynesianos aos necessitados.

Esta perspectiva pode não ser inteiramente ingénua. Adiantando-se á cimeira do G20, o Primeiro Ministro Gordon Brown delineou explicitamente uma ruptura com práticas anteriores. “Muitas vezes,” admitiu ele, “as nossas respostas às crises anteriores foram inadequadas ou mal direccionadas, promovendo ortodoxias económicas que nós próprios não seguimos e que condenaram os mais pobres a uma aprofundada crise de pobreza.” Brown veio posteriormente à cimeira declarar redondamente, “o Consenso de Washington acabou”.

O New York Times relatou as correspondentes alterações no FMI.

Já há sinais de mudança. No final do mês passado, o FMI anunciou uma reformulação dos seus critérios de empréstimos, dando menos ênfase à avaliação da capacidade dos devedores em encontrar “critérios estruturais de desempenho”, o jargão do Fundo, para medidas tais como os cortes nos gastos e aumentos dos impostos. Apoiantes do FMI dizem que o Fundo tirou lições da experiência de trabalho com os países asiáticos depois da crise financeira regional de 1998, e que está hoje em posição de oferecer crédito sem endurecer as condições.

Há, no entanto, muitas razões para suspeitar. O hábito do FMI de impor condições prejudiciais é uma dura e velha história. Os créditos negociados no ano passado com países como a Hungria, a Letónia, a Roménia e o Paquistão, deram aos países credores o poder de fixar as taxas de juro, reduzir os salários e as regalias dos trabalhadores por conta de outrém, de certo modo impediu os governos centrais de injectar dinheiro nas suas economias – exactamente o contrário do que qualquer real plano de estimulo poderia exigir.

O abraço dos G20 ao WTO foi do mesmo modo problemático. A despeito da história destas instituições na promoção da desregulação neoliberal, os lideres dos G20 foram cometidos da tarefa de avançar com negociações paradas.

Comentando a declaração final da cimeira, o advogado de negócios Lori Wallach, director do Public Citizen’s Global Trade Watch, argumenta que “uma página do comunicado identifica “ falhas maiores ... na regulação financeira e supervisão como causas fundamentais da crise” ... enquanto que na página seguinte reafirma o compromisso dos lideres para concluírem as negociações de Dhoa Round da WTO , que requer a posterior desregulação das finanças.”

As contínuas falhas das instituições financeiras internacionais relacionam-se com as suas calamitosas e não democráticas estruturas. No FMI, as reformas dos anos recentes permitiram aberturas para o aumento do poder de voto dos países em desenvolvimento. No entanto, os EUA, com quatro vezes mais votos que a China, e com direito de veto isolado, está seguro na sua posição. Há poucos indícios de que quer o Departamento do Tesouro dos EUA quer as instituições financeiras internacionais sejam capazes de fomentar o desenvolvimento de uma verdadeira globalização democrática.

Primeiro não cause dano

Um passo chave no movimento para uma política externa pós-imperial poderia ser abandonar a ideia de que os EUA estão a dar o seu melhor quando intervêm, militar e economicamente. A Casa Branca de Obama está certa à rejeição do militarismo da administração Bush. Mas ao criar algo diferente deveria ter a consciência de que primeiro não causará danos. Ressuscitar uma versão da globalização corporativa sob o disfarce de um retorno ao multilateralismo poderia violar esta orientação.

Como considera alternativas, a administração Obama deveria reconhecer que alguns dos mais democráticos processos no mundo tiveram lugar na América Latina, que experimentou recentemente uma forma de indiferença benigna. Embora esta seja uma região tradicionalmente olhada como quintal imperial dos EUA, foi também muitas vezes negligenciada nos anos Bush, quando Washington estava focado nos seus compromissos no Médio Oriente. As consequências foram prometedoras.

Na década passada, os votantes na América Latina têm atacado de forma persistente no Primeiro Ministro Brown pela sua percepção da disfunção do Consenso de Washington. País atrás de país, eles têm eleito novos lideres, com mandatos para romper com as instituições financeiras internacionais e prosseguir novas políticas económicas. Como resultado, mesmo antes da crise actual, países como a Bolívia, que tem uma das mais pobres populações do hemisfério, têm vindo a descobrir caminhos mais igualitários para distribuir a riqueza - e meios mais democráticos de envolver as populações indígenas, historicamente marginalizadas do processo politico. Países como a Argentina, que sofreram tremendamente sob o neoliberalismo de Washington, trabalham para desenvolver alternativas, estruturas regionais financeiras que permitam uma maior independência.

Admitindo que essas experiências progridam, uma atenção interna da administração Obama sobre as medidas a tomar quanto às implicações domésticas da crise económica poderia ser bem-vinda. Nesse caso, enquanto que a “ainda sem rival” economia americana é culturalmente rica e a sua rede mundial de bases militares continuar a qualificá-la como um poder imperial – ou enquanto, numa linguagem mais apurada, descreve o seu espaço dentro de um sistema multipolar emergente – ficará aberto o debate. Mas estaremos tanto mais próximos quando administradores externos “iluminados” e “auto-confiantes” forem afastados definitivamente.
ODiario.info - 17.05.09

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