Enquadramento e premissas da investigação Num bairro social do concelho da Amadora, habitado por famílias realojadas de várias zonas de barracas do concelho, realizámos uma pesquisa com o objectivo de responder à seguinte questão: por que razões se podem encontrar, numa população globalmente desfavorecida em termos socioeconómicos, jovens em situações sociais, escolares e profissionais tão diversas? Uns que abandonam o sistema de ensino assim que terminam a escolaridade obrigatória, ou até antes, que têm dificuldades em entrar no mercado de trabalho e que, uma vez a trabalhar, vão alternando empregos precários e desemprego; e outros que prosseguem a escolaridade até ao fim do secundário, ou mesmo para a universidade, transitam de forma mais tranquila para o mercado de trabalho e conseguem situações de maior estabilidade e integração profissional? Resultados Identificámos para vinte jovens entrevistados três tipos de caminhos: de vulnerabilidade social, de mobilidade ascendente e de encruzilhada entre os dois primeiros. Foi um dispositivo analítico para melhorar a legibilidade sociológica de percursos que, captados ao nível individual, são sempre singulares. Fernando Luís Machado Enquadramento institucional Metodologia
Os que encontrámos em caminhos de vulnerabilidade social têm os horizontes mais fechados. O espaço para a inversão de marcha e para encontrar, a tempo, outro caminho é reduzido, especialmente para os mais velhos, fracamente escolarizados, em permanente risco de desemprego, com poucas qualificações profissionais, com filhos a cargo. Os mais novos têm todas essas desvantagens, mas têm mais tempo e isso pode contar. Ainda podem voltar à escola, seguir outras alternativas de formação e, com isso, verem as suas oportunidades melhorar.
Os que encontrámos em caminhos de mobilidade ascendente têm na escolaridade que já atingiram, e se prevê que aumentem, o instrumento dessa mobilidade e o melhor trunfo para o futuro. Mais escolaridade significa sempre mais oportunidades e isso é particularmente verdade em meios como este. Nessa medida, há alguma irreversibilidade nos seus percursos. Estarão sempre melhor do que os anteriores.
Mas são percursos difíceis e longos. As duas universitárias que entrevistámos têm 28 e 30 anos e estão ainda no início dos cursos. É uma mobilidade ascendente tardia, que carece de consolidação. Num dos casos, a bolsa atribuída pela universidade é absolutamente decisiva para que a jovem continue a estudar. De outra forma, não estaria lá. São jovens que esticaram ao máximo o seu campo de possibilidades, e não têm o suporte confortável de uma família disposta a financiar pacientemente uma mudança de planos ou o prolongamento dos estudos para lá do tempo, como acontece nos meios de classe média e alta.
Os que estão numa encruzilhada podem, por definição, enveredar por qualquer dos caminhos precedentes. Quando foram entrevistados não estavam claramente nem num nem noutro. Ou pela escolaridade obtida ou por estarem inseridos profissionalmente em lugares mais estáveis, mesmo com menor escolaridade, não os podemos considerar socialmente tão vulneráveis como os jovens do primeiro grupo. Mas também não os podemos incluir no segundo grupo. Pode acontecer que interrompam a escolaridade ou que os empregos que têm não se revelem assim tão promissores ou que qualquer outra circunstância biográfica os atinja negativamente. Os caminhos destes jovens fazem-se na família, na escola, no grupo de pares e no mercado de trabalho. Cada um desses meios tem efeitos próprios, positivos e negativos, na transição para a vida adulta.
Na esfera familiar encontrámos dois factores influentes. Um é o das normas e regras educativas dos mais novos, que em certos casos são favoráveis à sua boa integração escolar e noutros não, o que faz muita diferença. Outro factor é a ocorrência de eventos críticos, como as perdas de pai ou mãe e a maternidade ou paternidade precoce. Esses eventos, especialmente os últimos, têm impactos negativos nos percursos dos jovens.
Na esfera escolar identificámos outro par de factores. O primeiro é o sentido dos resultados escolares. A “política” de reprovação precoce e massiva, em vez da progressão sustentada, é contraproducente porque empurra muitos alunos para fora da escola, só com a escolaridade obrigatória ou menos, e compromete seriamente o seu futuro. O segundo factor é o tipo de ambiente social dentro dos estabelecimentos de ensino. Impossível aprender quando a instituição deixa que se instale o absentismo, a indisciplina dentro e fora das aulas, a violência física e psicológica entre alunos e, ocasionalmente, contra professores e funcionários.
Os grupos de pares constituem uma referência insubstituível na socialização de crianças e jovens. Mas também podem ter um efeito contrário, anómico, quando puxam para fora da escola e empurram para actividades de risco e ilícitas. O próprio pode resistir a essa pressão dos pares para nivelar por baixo, embora não seja fácil. Mas a família, e mesmo a escola, têm uma palavra a dizer.
O que acontece no mercado de trabalho, por fim, depende directamente do capital escolar adquirido. À espera das fracas qualificações estão os trabalhos desqualificados, precários, mal pagos, o que reforça a vulnerabilidade social dos jovens em causa. Os empregos de melhor qualidade só estão ao alcance dos que vêm mais preparados de trás, em termos escolares e sociais. Não sendo comum no que aos jovens diz respeito, o mercado de trabalho também pode, no entanto, qualificar e integrar, colmatando défices anteriores. O trajecto de cada jovem é sempre uma combinação particular dos efeitos positivos e negativos que vêm destes quatro lados, efeitos que podem alinhar-se no mesmo sentido ou não. O meio social em que estão inseridos os jovens cujas histórias contámos impõe muitos constrangimentos, mas não exclui todas as oportunidades. Para eles não está tudo em aberto, mas também não está tudo fechado.
Alexandre Silva
Estes dados resultam de um projecto de investigação realizado no CIES-ISCTE a pedido e com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, que, conjuntamente com a Câmara Municipal da Amadora, desenvolve um importante projecto de intervenção no Bairro do Casal da Boba com o objectivo de promover socialmente as muitas crianças e jovens que ali residem. A equipa de investigação foi constituída por Fernando Luís Machado, que coordenou o projecto, e Alexandre Silva.
Entre Setembro de 2007 e Junho de 2008, fizemos entrevistas semi-directivas em profundidade a 20 jovens de perfis sociais diferentes. Assegurámos quatro critérios de representatividade qualitativa: a) jovens de ambos os sexos; b) mais velhos e mais novos; c) jovens de origem africana e de origem portuguesa; d) diversidade de percursos escolares e de inserção profissional. A todos pedimos que relatassem detalhadamente as suas trajectórias de vida, com especial incidência na experiência escolar, profissional e familiar. Reconstituímos os seus percursos e para cada um elaborámos um retrato sociológico e um esquema biográfico que serviram de base à análise.
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
21/05/2009
Jovens de Casal da Boba: entre a exclusão e a integração
Esta investigação identificou, entre os jovens de um bairro social no concelho da Amadora, três modalidades de transição para a vida adulta: trajectórias de vulnerabilidade social, trajectórias de mobilidade ascendente e trajectórias na encruzilhada. Os aspectos envolvidos na construção destas três trajectórias são múltiplos e resultam de factores familiares, escolares, laborais e relativos aos grupos de pares. Certos eventos críticos, como as perdas familiares ou a parentalidade precoce, têm uma influência importante.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário