Portugal é um dos quatro países que mais exportam o vírus da sida revela um estudo científico que será publicado hoje na revista "Retrovirology". O país aparece ao lado de Espanha, Grécia e Sérvia na lista negra das principais fontes de contágio no espaço europeu.
Ricardo Camacho, investigador português que participou neste estudo científico internacional, afirma que o projecto "analisa as detecções do VIH nos diversos países" e verifica o seguinte: os 18 estados analisados importam e exportam o vírus. Mas há estados que exportam mais, enquanto outros exportam menos: "Portugal importa e exporta."
O cenário agrava-se quando, no mesmo estudo, o Luxemburgo surge como o país com maior incidência de infecções por via externa. Os investigadores sugerem que a taxa de incidência no país estará directamente relacionada com o facto de 13% da população ser constituída por imigrantes portugueses.
Esta leitura não é nova. Em 2004, Jean-Claude Schmit, médico do serviço de doenças infecto-contagiosas do Centro Hospitalar do Luxemburgo, garantia que a infecção pelo vírus da sida entre a comunidade portuguesa, naquele país, era três a cinco vezes a superior à do resto da população. A nova investigação, que mapeou pela primeira vez a evolução do subtipo B do vírus da imunodeficiência humana (VIH), confirma as suspeitas: Portugal está de facto na origem de muitas infecções no espaço europeu, tendo ainda como foco secundário os emigrantes portugueses na Áustria.
"Além de ser um país turístico, Portugal tem uma longa história de migrações. Por outro lado, temos de olhar para trás, e perceber que as campanhas de prevenção não têm conseguido controlar a propagação", justifica Ricardo Camacho, que é investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.
O grego Dimitrios Paraskevis, coordenador do estudo, sugere que "destinos turísticos como Portugal, Grécia e Espanha espalham provavelmente o VIH às pessoas que os visitam durante as férias".
Por esse mesmo motivo, apela o investigador, "os programas de prevenção nacionais não devem apenas ter como alvo as populações locais, mas também emigrantes, viajantes e turistas - que são as principais fontes e alvos do VIH".
Para Luís Mendão, do Grupo Português de Activistas sobre os Tratamentos do VIH/SIDA (GAT), estes resultados "são o preço a pagar por se ter ignorado o problema nos anos 90". "Portugal, infelizmente, tem todas as epidemias concentradas. Temos uma grande incidência entre homossexuais, toxicodependentes e provavelmente temos também uma epidemia concentrada entre os descendentes africanos, que já nasceram em Portugal e na prostituição." Mas, se é uma "conjuntura especial", as "respostas não podem ser exclusivamente nacionais", adianta. "A Europa tem aqui um grave problema: num mundo de fronteiras abertas são precisas soluções concertadas."
O projecto agora divulgado partiu de uma análise filogenética molecular, que permite detectar a evolução do vírus conforme se vai mutando por transferência, ou dentro do próprio organismo. Do projecto patrocinado pela Comissão Europeia resulta um mapa com os principais caminhos de propagação do subtipo B do VIH-1, o mais comum no espaço europeu, em 17 países da UE e Israel.
A Polónia é o país onde as infecções por via externa têm menos relevância. A Grécia é o país com mais focos de contágio, com ligação directa a países como Bélgica, Alemanha, Noruega, Holanda, ou Reino Unido - países entre os que mais "importam o VIH", revela o estudo.
Segundo os especialistas contactados pelo i, mais do que alertar turistas e imigrantes, importa melhorar a triagem dos portadores do vírus e estudar, por exemplo, a existência num país de um subtipo pouco comum na Europa, o G. "Nunca foi estudado a fundo, não sabemos quais são os principais grupos de risco."
A sensibilização continua a ter um problema. Durante vários anos, Ricardo Camacho respondia a dúvidas de pessoas que recorrem diariamente ao site informativo Aidsportugal.com. "Como é possível, ao fim de 25 anos, as pessoas não saberem onde dirigir-se? Há aqui um aspecto comportamental que precisa de ser avaliado para uma melhor resposta", sublinha.
Margarida Martins, presidente da Abraço, reitera: "Apesar da enorme taxa de incidência - 280 casos por cada milhão de habitantes, em 2004 - não há abertura, não há prevenção nenhuma, há medo de distribuir preservativos na escola."
ionline - 20.05.09
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