Na têxtil Cunha & Alves, em Raimonda, Paços de Ferreira, humilha-se, insulta-se, ameaça-se e castiga-se operários. A Autoridade para as Condições de Trabalho diz que pode haver violações de direitos.
Alice (nome fictício) sabia o que era ser trancada na fábrica, que tem cerca de 100 operários, pela patroa e obrigada a trabalhar horas extraordinárias sem receber por isso, ser chamada de "velha" ou ver-se na contingência de ter de "comer às escondidas, com o lanche no bolso". Em Março último, ficou a saber, ainda, que tudo isto estava longe de ser o limite: acabou emparedada "numa ponta da fábrica".
Há sete meses sem ver o dinheiro do trabalho extra, Alice reclamou-o à administração, que recusou pagar-lhe e ainda lhe retirou o transporte. "Não me deixaram entrar na fábrica no dia seguinte, mas o sindicato pôs-me lá dentro", conta. Novo contra-ataque da Cunha & Alves: ordem firme para emparedar Alice num "sítio isolado". Assim permaneceu a mulher, "desde o dia 11 até 20 de Março" - garantiu a própria, ao JN -, proibida de usar sequer os sanitários. Alice tem 47 anos. Acatou tudo. "Cumpri as ordens todas, para poder reclamar os meus direitos", justifica, plácida.
O relato é seco: "Estava lá de castigo, parada, sem poder trabalhar. Puseram caixas a tapar-me, para não olhar para lado nenhum. Não me deixavam falar com ninguém nem ir à casa de banho". A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) de Penafiel testemunhou a situação a 17 de Março, mas Alice permaneceu assim por mais três dias. Até ser despedida por denunciar o caso ao Sindicato Têxtil do Porto, que solicitou a inspecção.
"A repressão é muita", refere o sindicalista Carlos José. "É uma fábrica de escravidão", irrompe a única funcionária dispensada, há dois meses, por "dificuldades de encomendas", argumento invocado pela Cunha & Alves na carta de despedimento - note-se que a confecção produz apenas para a marca Zara, detida pelo gigante espanhol Inditex, e labora em períodos extra para cumprir os pedidos.
Fernanda e Andreia (nomes fictícios) foram maltratadas e injuriadas desde que assumiram funções de delegadas sindicais, em Março. Rescindiram em Abril, alegando maus-tratos. "Depois da eleição, na véspera da reunião, ela (a proprietária da Cunha & Alves) mandou dizer que, se fossemos, nos tirava o transporte, horas de actividade sindical, subsídio de alimentação e prémio. No dia seguinte, tirou-nos o transporte", conta Fernanda. O intolerável aconteceu a 20 de Abril, quando ambas foram chamadas para actividade sindical. "Insultou-nos do pior, ameaçou que nos batia, empurrou-nos porta fora e atirou-nos uma panela de água", narra a ex-trabalhadora.
J.N. - 20.05.09
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