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21/05/2009

Chrysler – o grande embuste

Martha Grevatt

Numa atmosfera de medo e intimidação, os trabalhadores das diferentes fábricas da Chrysler representados pelo sindicato United Auto Workers (UAW) votaram quatro contra um, em 29 de Abril, a favor da aceitação de grandes concessões. Se não votassem, disseram-lhes, a empresa declararia bancarrota. Um voto favorável significaria a segurança de emprego e a protecção das pensões através de uma nova aliança com a companhia automobilística italiana Fiat.

Menos de 24 horas depois da contagem dos votos, a Chrysler atraiçoou os trabalhadores e apresentou o seu pedido de bancarrota ao abrigo do Art.º 11. A 4 de Maio, quase todos os trabalhadores da Chrysler nos EUA foram colocados em regime de lay-off, à espera que a «cirurgia» da bancarrota transforme a Chrysler LLC numa mais ajustada e cruel «New (Nova) Chrysler».
Depois de ter dito aos trabalhadores que o seu sacrifício garantiria a segurança de emprego, a Chrysler informou o juiz da bancarrota em Nova Iorque, Arthur J. Gonzáles, da intenção de encerrar oito das suas fábricas até final de 2010. Já se sabia do plano para encerrar quatro delas, mas os trabalhadores das fábricas de Wisconsin, Michigan, Missouri e Ohio foram apanhados de surpresa por estas unidades estarem agora classificadas como «maus activos» e serem postas à venda. Cerca de 88 por cento dos efectivos da fábrica de Twinsburg (TSP), no Ohio, votou a favor das concessões. Nem sequer imaginavam o que estava para lhes suceder.
As alterações aos contratos incluíam uma carta estipulando que as partes discutiriam o «estado e os planos de produção a longo prazo para a fábrica de Twinsburg» e que a empresa se comprometia a «estudar esses planos de forma a viabilizar a TSP». O documento manifestava ainda apreço pelo «contínuo apoio do UAW na elaboração de um plano viável a longo prazo para a TSP».
As fábricas Sterling Heights Assembly, Kenosha Engine e St. Louis North Assembly, tal como a TSP, estavam abrangidas por uma moratória contra o encerramento, que não foi rescindida. Mas enquanto a Chrysler agradecia aos trabalhadores, a 30 de Abril, por terem votado a favor do novo contrato, na prática estava já a tratar de o destruir recorrendo à declaração de bancarrota.
Até ao último momento, os membros do UAW e o público em geral acreditaram ser possível evitar a bancarrota. A Chrysler, a Fiat, o UAW, a Auto Task Force, o Tesouro dos EUA, o governo do Canadá e quase todos os credores das dívidas da Chrysler tinham anunciado estar de acordo com os planos para a New Chrysler.
Os credores eram o último impedimento, mas no último minuto a JPMorgan Chase, a Morgan Stanley, Citigroup, Goldman Sachs e vários outros fiadores de fundos de alto risco (hedge funds) concordaram em aceitar o pagamento de 2,2 mil milhões de dólares em dinheiro vivo para cancelar a dívida de 6,9 mil milhões de dólares de empréstimos. Isto representa na verdade o dobro do valor que os empréstimos teriam no mercado, pois actualmente valem apenas 15 cêntimos do dólar.
No entanto, este acordo que duplicaria o valor dos investimentos foi recusado por três fundos de alto risco – Oppenheimer, Stairway Captil e Perella Weinberg. A dívida da Chrysler que eles detêm representa uma parte muito pequena da sua diversificada carteira e provavelmente não vai além de umas escassas centenas de milhões de dólares.
Como pode a sua postura recalcitrante, sendo tão repugnante como é, tornar inevitável a bancarrota? Por que é que a Auto Task Force, liderada pelos ex-banqueiros investidores Steve Rattner e Ron Bloom, não prolongou o período de 30 dias que inicialmente foi dado à Chrysler para desenvolver uma reestruturação mais agressiva? Podia ter insistido com a Chrysler para que adoptasse a mesma postura de «pegar ou largar» que os três fundos de alto risco adoptaram com o UAW e a Canadian Auto Workers (CAW, Trabalhadores de Automóveis do Canadá).
A CAW entregou 19 dólares por hora em concessões depois da Chrysler ter ameaçado sair do Canadá.
Também o Tesouro, em vez de aplicar o seu poder financeiro e político para minorar a atitude da empresa, adoptou a mesma linha dura face ao sindicato. Foi o Tesouro que ditou a extensão da estrutura de salário desigual (dois terços) acordado em 2007, congelando o salário «de entrada» em 14 dólares por hora até 2015, ou seja metade do salário normal negociado pelo sindicato.

Apoiar o capital e sacrificar os trabalhadores

A classe capitalista no seu todo está claramente de acordo com este mais recente roubo de salários e benefícios alcançados pelo sindicato e apostada em ter uma indústria automóvel mais pequena nos EUA. Durante meses, em Washington e na Wall Street, ouviu-se exigir a bancarrota – tanto por Democratas como por Republicanos.
O objectivo declarado da venda das oito fábricas é conseguir capital para pagar aos grandes bancos e às companhias financeiras. Os bancos, que optaram por entregar uma parte dos empréstimos da Chrysler a tubarões prestamistas como o Oppenheimer, receberam cerca de 100 mil milhões de dólares através da caução do governo. Mas milhares de trabalhadores ficaram desempregados ou serão forçados a reformar-se para que a JPMorgan Chase e companhia recebam outros milhares de milhões de dólares.
O objectivo dos empréstimos era financiar a anterior reestruturação, que em menos de dois anos reduziu em cerca de 50 por cento a força laboral da Chrysler, deixando apenas 27 000 trabalhadores do UAW na empresa.
Entretanto, a comunicação social dominante divulgou histórias sobre o «bom acordo» obtido pelo UAW. Este mito está a ser construído em torno dos 55 por cento de acções que a Associação Beneficiária Voluntária de Empregados (VEBA, na sigla inglesa) terá na nova companhia. A VEBA, administrada pelo UAW, concordou em 2007 financiar os benefícios médicos dos reformados. Quer isto dizer que o UAW é agora dono de uma maioria de acções na empresa com que está a negociar? Que tem a possibilidade de controlar a corporação, agora que é accionista com direito a voto?
De forma nenhuma. A VEBA será dirigida por um administrador que nomeará apenas um membro para a direcção da Nova Chrysler. O Tesouro nomeará três membros, a Fiat outros três, um será nomeado pelo governo canadiano e outro pelo financiador, que terão todos acções mais pequenas na VEBA. Mas as acções da VEBA são todas sem direito de voto, e à medida que os investimentos da Fiat na Nova Chrysler forem aumentando, as da VEBA diminuirão.

Ceder direitos a troco de promessas

O que os órgãos de comunicação social não dizem é que a própria existência da VEBA é em si mesma uma grande concessão por parte dos trabalhadores. O que levou a Chrysler (e também a Ford e a General Motors) a instalar o fundo foi a vontade de eliminar os «custos de gestão», a compensação dada aos reformados que já não podem continuar a ser explorados. Com a VEBA, as empresas tinham de pagar uma parte, mas ficariam livres de futuros gastos de gestão. Tratou-se de uma grande vitória para as empresas e de um risco para o sindicato.
Como condição para o financiamento do ano passado, o Tesouro obrigou o sindicato a aceitar uma segunda concessão. Metade da VEBA teria agora de se pagar com acções da companhia. O valor das acções pode baixar, pondo em risco os benefícios de saúde que os trabalhadores conquistaram ao trabalhar tantos anos em linhas de montagem. A VEBA ainda nem sequer está a funcionar e os reformados já perderam o seu seguro para o dentista e para oftalmologia.
Os membros do sindicato não estão a receber nada em troca deste acordo desfavorável. Renunciaram ao pagamento de feriados, aos períodos de descanso durante a jornada de trabalho, ao pagamento de horas extraordinárias, ao diferencial da inflação, aos subsídios que em tempos foram uma cedência feita à empresa em vez dos aumentos anuais de salário, às compensações para os trabalhadores despedidos, entre outras cedências.
As centenas de milhões de dólares em concessões representam uma transferência de riqueza da classe trabalhadora para os capitalistas. Acresce que os trabalhadores da indústria automóvel estão, a partir de agora e até ao fim do próximo contrato, em Setembro de 2015, proibidos de fazer greve.
Em troca de todas estas cedências os trabalhadores receberam a promessa de que a aliança com a Fiat «poderia resultar em aumentos da produção na linha de montagem e de comboios de alta velocidade» e que não haveria «nenhuma liquidação do plano de pensões que abrange empregados e reformados representados pelo sindicato UAW». A primeira promessa desfez-se com os recentes anúncios de encerramento das fábricas. A segunda, dirigida a uma preocupação legítima, poderá vir a revelar-se falsa se o governo isentar a empresa em bancarrota do pagamento do fundo de pensões.
Em vez de mobilizar os seus membros para protestarem contra este ultraje aos trabalhadores, o presidente do UAW Internacional, Ron Gettelfinger, tornou-se de facto num aliado da companhia, da administração Obama e dos credores. Faz de conta que há uma frente unida empenhada na sobrevivência da Chrysler e em torná-la «competitiva», que só tem de ultrapassar o obstáculo de uns insignificantes fundos de risco.
Gettelfinger é a voz do dono. Desde que Ronald Reagan destruiu o sindicato dos controladores aéreos, tem havido um esforço implacável para baixar o preço da força de trabalho, o que resultou no sofrimento dos trabalhadores e das suas famílias. A única forma de prevenir mais sofrimento de massas é com a luta de massas.
Os trabalhadores da indústria automóvel deviam estar a preparar protestos massivos contra os despedimentos, o encerramento de fábricas e as cedências. Os seus aliados naturais, os verdadeiros accionistas que realmente se interessam por estas questões, são milhões.
Trabalham em empresas de componentes de automóveis onde todas as semanas se anuncia mais uma falência. Trabalham na indústria da borracha, do aço, do vidro, dos plásticos, nos serviços públicos, na construção, nas vendas a retalho, nos serviços de restauração e no governo – porque a indústria automóvel afecta toda a economia. Vivem em comunidades que antes eram florescentes e que agora estão feridas pelo desemprego, que já ultrapassa os 10 por cento.
Só um amplo movimento das classes trabalhadoras pode deter os ataques do capitalismo.
Avante - 21.05.09

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