À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

10/07/2011

Travemos o desastre!

Carvalho da Silva

Para onde caminha o país? Qual a fundamentação e eficácia das políticas que nos estão a ser impostas? O primeiro-ministro (PM), no discurso de apresentação do programa do Governo na Assembleia da República, disse que "as actuais circunstâncias exigem capacidade de antecipação e agilidade na acção" e, no seguimento dessa afirmação, anunciou "medidas de antecipação e de prevenção capazes de inverter este ciclo e de contribuir para restaurar a confiança na nossa economia". Nesse contexto fez o anúncio do corte "equivalente a 50 por cento do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional".
Nesta semana, a agência de rating Moody"s "notou" a dívida pública de Portugal como lixo, seguindo-se posições idênticas sobre as Regiões Autónomas, diversos municípios e empresas públicas. De imediato, o PM afirmou que "é o chamado murro no estômago" e o Governo, pela voz do ministro das Finanças, afirmou que "a Moody"s não teve em conta o imposto extraordinário" que o Governo anunciou.
Estes governantes sabem, tão bem quanto qualquer português informado, que a chantagem e o roubo que vêm sendo feitos sobre o povo português (como sobre o grego, o espanhol e outros) não pára com cedências atrás de cedências. Os sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo, agora designados por medidas de "antecipação e agilidade na acção" são, afinal, brutais sacrifícios que apenas aprofundam o empobrecimento do país. Claro que o "filme" vai continuar e os grandes capitalistas internacionais e nacionais estão a enriquecer.
Observem-se alguns efeitos desta chantagem: i) os defensores da inevitabilidade da aplicação das receitas da troika, FMI/UE/BCE, aí estão a dizer que a posição da Moody"s é excessiva e que o caminho a seguir é aplicar-se rigorosamente aquele programa; ii) os responsáveis da União Europeia dizem que agora é de mais e que vão reagir, mas ao mesmo tempo reclamam que se apliquem escrupulosamente os programas de austeridade que estão a destruir o Estado social e o projecto europeu; iii) os patrões sem escrúpulos reforçam o seu argumentário neoliberal e, em nome da aplicação do programa da troika, vão insistir no ataque aos direitos no trabalho, na redução da retribuição do trabalho e na instabilidade da Segurança Social; iv) os capitalistas portugueses e estrangeiros que se "preparam" para as privatizações esfregam as mãos de satisfação pois, com esta posição da Moody"s, o preço de saldo baixa ainda mais; v) entretanto os portugueses pagam juros mais elevados, a recessão económica e o desemprego agravam-se e a dívida aumenta.
É chocante ouvir portugueses com grande responsabilidade em instituições de prestígio dizerem aos portugueses que o corte no 13.º mês "é justo porque não atinge os mais desfavorecidos". O dr. José Silva Lopes lembrou, nesta semana, que apenas vão ser atingidas as pessoas que apresentam rendimentos englobados para efeitos de IRS, ou seja, mais de metade da riqueza produzida, que é apropriada apenas por uns quantos milhares de portugueses, não contribuirá com um cêntimo para o "sacrifício necessário". Então onde estão a razão e a justiça?
Razão tem o prof. José Reis quando afirma que "a culpa europeia e nacional" destas chantagens é de "quem entregou tudo aos mercados e a essas agências, inclusive o financiamento dos estados e das necessidades colectivas". Diz ele, muito bem, que o "nosso sacrifício" (imposto extraordinário) foi levado "numa bandeja de ouro a estas agências".
Claro que o Governo vai prosseguir nas suas políticas desastrosas! E o presidente da República vai continuar a repetir a necessidade de sujeição "aos mercados" e às "suas instituições"?
Neste momento em que se misturam denúncias genuínas do papel subversivo das agências de rating e dos "mercados", com lágrimas de crocodilo sobre a matéria, é preciso dizer basta, dizer ao comum dos portugueses e das portuguesas "acordai": Vós não sois os responsáveis pelos bloqueios em que o país se encontra; o fundamental dos sacrifícios que Vos estão a ser impostos são injustos e ignóbeis.
Há caminhos alternativos e temos de partir com determinação para a sua construção e afirmação.

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=1902376&opiniao=Carvalho%20da%20Silva

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