Pedro Carvalho
A última semana foi dominada mediaticamente pela descida da notação de Portugal efectuada pela Agência Moody´s, um corte de «quatro níveis» colocando a dívida nacional na categoria de «lixo», a que se seguiu um «coro» de protestos e indignação, não só ao nível interno, mas também ao nível de responsáveis políticos de outros estados-membros da União Europeia e das próprias instâncias comunitárias, designadamente em diversas declarações do presidente da Comissão Europeia (Durão Barroso), do presidente do Conselho Europeu (Rompuy) e do ainda presidente do Banco Central Europeu (Trichet).
E foram muitos os responsáveis políticos do PSD, PS e CDS-PP e muitos mais comentadores de serviço da opinião publicada e mediatizada, nomeadamente economistas, a vir pôr em causa a credibilidade e seriedade das notações dadas pelas agências de notação de risco, a afirmar que estas estão subordinadas a interesses privados e outros mais geoestratégicos, nomeadamente de ligação ao capital financeiro dos Estados Unidos, apercebendo-se no fundo, sem chamarem as coisas pelos verdadeiros nomes, das rivalidades interimperialistas, da guerra muito mais que cambial entre as zonas de influência do dólar e do euro. E a indignação chegou tão «alto» que por breves momentos até o Afonso Henriques tomou conta do site da Moody´s, por cortesia dos hackers nacionais.
E Portugal e a Europa ficaram cheios de «cristão-novos», e os federalistas mais convictos, omitidos pela supremacia alemã, tornaram ao sonho da unificação política da Europa, uma moeda, um Estado, um governo económico, ao mesmo tempo que se avançava com necessidades de códigos de conduta e se retomava a velha proposta de agência de notação de risco europeia, discurso aliás repetido em cada episódio de crise financeira e sempre conveniente para depois da onda tudo ficar na mesma, pois na era do imperialismo o capital financeiro reina supremo com a colaboração e rendição dos estados, de acordo com a sua dimensão e papel no sistema capitalista mundial. E as agências de notação de risco são instrumentos preciosos ao serviço da exploração e da manutenção do «reinado» financeiro.
Este discurso foi o mesmo, com as matizes necessárias de um e de outro lado do Atlântico, quando as agências de notação de risco deram a notação máxima (o famoso AAA) a empresas que faliram por fraudes, contabilidades criativas ou problemas de solvabilidade, como foi os casos dos escândalos da Enron em 2001, da Parmalat em 2003 ou queda da Lehman Brothers em 2008. Foi o mesmo discurso quando estas agências deram notação AAA a créditos que valiam «lixo», ajudando nas operações a estruturar veículos de dívida (os famosos CDO), ou melhor dizendo, de encobrimento de riscos de crédito, que teve na origem visível a denominada crise do sub-prime em 2007, notações enganadoras que levaram a que inúmeros fundos de pensões tivessem perdas de milhares de milhões de euros/dólares afectando milhares de pensionistas.
Em Portugal, foram os mesmos responsáveis que com tom de (falsa) surpresa mostraram indignação, pois para além de terem dito «mata», com o memorando da troika, disseram logo esfola, antecipando as medidas de austeridade acordadas e até propondo novas medidas, algumas ao arrepio das promessas eleitorais, com mais privatizações e o «saque» ao subsídio de Natal, quando a aplicação do PEC I, II e III, já tinha no fundo «saqueado» de facto o subsídio de férias. Os mesmos, que não indo mais longe que o início do ano, tinham um outro discurso, acrítico ao comportamento das agências e dos credores externos, pois viam nas notações destas agências uma forma de justificar os planos de austeridade – os PECs e as medidas que vieram a ser contempladas do memorando da troika. E agora são os mesmos que em nome do orgulho nacional, já lançam o discurso que temos que mostrar a essas agências que vamos cumprir o acordo, pedindo mais sacrifícios, mais austeridade, aos mesmos de sempre, quem trabalha, expropriando para continuar a pagar aos credores, aos «jogadores» do casino financeiro, ao mesmo tempo que se continua a injectar milhares de milhões na banca. Quer seja em Portugal ou na Grécia, os empréstimos da FMI/UE, serviram para pagar juros e «engordar» bancos.
Mas o que são estas agências de notação de risco de crédito? São agências que servem e se servem da progressiva financeirização da economia, do capital. Assumem o seu papel, na desregulamentação sempre em crescendo dos mercados financeiros, na criação de instrumentos financeiros complexos e na liberalização do capital desde o início da década de 80 do século passado. Assumem o seu papel na explosão do crédito que hoje alimenta artificialmente o sistema capitalista mundial, sempre expropriando a sua periferia. Agências que servem também a hegemonia americana, do dólar, obviamente com o conluio da tríade (Japão e Alemanha), avaliando sempre bem a dívida e os activos das empresas norte-americanas, não tivessem as duas principais agências – a Moody's e a Standard&Poor's, a sua base nos Estados Unidos. Estas agências, de natureza privada, nomeadamente as «três irmãs» – Moody's, Standard&Poor's e a Fitch, controlam 95% do mercado mundial de notação de risco e estão espalhadas por todo o mundo, com uma activa política de fusões&aquisições, que promoveu a concentração e centralização do capital neste sector, que levou ao oligopólio existente.
Estas agências vivem da credibilidade concedida pelos próprios estados e organizações internacionais, que lhes concederam um papel fundamental na validação da emissão de dívida, com consequências na respectiva remuneração – os juros. Estados que por instrumentos legais protegem estas agências de ser responsabilizadas legalmente pelas consequências das notações que emitem.
Estas agências servem os interesses dos seus accionistas, maioritariamente sociedades financeiras e fundos de investimento e de arbitragem, que especulam também à conta das notações que executam, que ganham com a baixa dos mercados financeiros e apostam no incumprimento da dívida. De acordo com a bolsa de Nova Iorque, os accionistas de dimensão relevante que são fundos representam 67% do total no caso da Moody´s e 61% no caso da Standard&Poors. 12% de cada uma delas está nas mãos do denominado Capital World Investors, parte do Capital Group, um fundo discreto que gere activos financeiros no valor superior a 740 mil milhões de euros, ou seja quase cinco vezes o PIB português, com participações em empresas e activos de quase 40 países e obviamente investindo centenas de milhões de euros em dívida soberana. Este tipo fundos tem uma influência nas políticas empresariais das suas participadas e muito vezes de rapina, vendendo áreas de negócio para gerar fluxos de caixa, para investimentos.
Estas agências vivem das notações que vendem aos seus clientes e dos serviços conexos de consultadoria, na emissão ou estruturação de emissão de dívidas, ou seja, na aquisição destes serviços, está no fundo a comprar-se notação que se quer! Este risco moral junta-se a estratégias agressivas de obtenção de quota de mercado. A influência das notações pode prejudicar severamente uma entidade emissora de dívida, o que leva a cenários de dar notações baixa a entidades não clientes, sobre a chantagem de se o forem terão as notações que querem.
Estas são as agências do capital, que estão onde está a dívida, estão onde está o FMI, sempre pondo a austeridade não só ao serviço da centralização da mais-valias existentes mas na contínua exploração do trabalho. Ao mesmo tempo instrumento e retrato do capitalismo contemporâneo, onde há muito o circuito do capital está reduzido ao dinheiro a gerar mais dinheiro, com o capital de natureza cada vez mais fictícia.
http://www.avante.pt/pt/1963/argumentos/115413/
Sem comentários:
Enviar um comentário