Carlos Cipriano
Os presidentes da Refer, da CP e de pelo menos mais uma sociedade pública de transportes terão pago com o cartão de crédito da empresa os almoços de 50 gestores públicos daquele ramo, a 23 de Outubro, durante uma homenagem à então secretária de Estado dos Transportes, a socialista Ana Paula Vitorino.
O almoço de apoio e de despedida à governante foi no Hotel Altis Belém, em Lisboa, e juntou meia centena de administradores da CP, Refer, Carris, Metro de Lisboa, Administração do Porto de Lisboa e STCP, bem como de algumas empresas detidas pela CP e Refer, os quais se quotizaram entre si com um montante de 40 euros do seu próprio bolso para oferecer a Ana Paula Vitorino uma gargantilha de ouro de cerca de 2000 euros.
Após a refeição e os discursos da praxe, para que a festa não ficasse demasiado cara, todos os convidados viram os seus almoços pagos pela CP, a Refer e uma terceira empresa.
O PÚBLICO contactou a CP e a Refer - tendo insistido quase diariamente durante duas semanas - para esclarecer esta situação, mas não obteve resposta. Foi ainda perguntado às duas empresas se o referido almoço foi considerado uma sessão de trabalho ou seminário, ou seja, se foi considerado um almoço em exercício de funções, e pedidos a convocatória e relatório do evento, mas nada foi respondido.
A CP e a Refer tiveram prejuízos em 2008, respectivamente, de 190 milhões e 181 milhões de euros.
No sector dos transportes este tipo de almoço de homenagem é inédito porque o normal é os mesmos acontecerem depois de os governantes terem saído. Ora este aconteceu numa altura de indefinição em que a composição do Governo não era ainda conhecida e não se sabia se a secretária de Estado se manteria no cargo, havendo então rumores de que poderia ser ministra.
Contactada pelo PÚBLICO, Ana Paula Vitorino disse que "alguém que estava ali perto pagou o almoço por mim. Entendo que isso é normal, uma vez que tinha sido convidada". Quanto ao facto de as empresas terem pago os almoços de toda a gente, a ex-secretária de Estado dos Transportes disse não saber, mas que se recorda "de ver várias pessoas à saída a pagar a sua conta". Durante o seu mandato, Ana Paula Vitorino foi considerada uma das pessoas com melhor conhecimento da área dos transportes a ocupar a secretaria de Estado do sector, mas a sua actuação não foi consensual, tendo sido criticada por vários administradores a excessiva intromissão na gestão directa das empresas públicas que tutelava. Na hora da despedida, porém, tudo isso foi esquecido e durante os discursos houve gestores que agradeceram à homenageada o facto de terem sido nomeados para os cargos que desempenham.
"Perderam a vergonha"
Sem respostas das empresas, é impossível a juristas serem taxativos sobre a legalidade do acto, mas Maria José Morgado, procuradora-geral adjunta e especialista em temas de corrupção, notou ontem, sem querer comentar o caso concreto, que "deontologicamente, em tese geral, os cartões das empresas não servem para pagar almoços de despedida".
Também instado pelo PÚBLICO, o empresário Henrique Neto, ex-deputado do PS, foi lapidar na resposta: "As pessoas perderam a vergonha." Considerando a situação "irregular" e "nada normal", o empresário diz que o pagamento com os cartões da empresa "até pode ser legal, mas legítimo não é com certeza". Tanto por parte dos empresários, que se quotizaram para pagar a gargantilha ("mas a que propósito?!?", questiona-se), como por parte da ex-secretária de Estado.
Público.pt - 16.11.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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