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16/11/2009

"DESEQUILÍBRIOS GLOBAIS CONTRA DESIGUALDADES INTERNAS (COMPREENDENDO A ECONOMIA MUNDIAL)

James Petras

Introdução

As crises profundas e continuadas dos principais países capitalistas, especialmente nos Estados Unidos, provocou um debate sobre as causas, consequências e políticas apropriadas para as resolverem.

O debate revelou uma divisão profunda sobre as causas e os remédios, com os políticos, economistas e articulistas anglo-franco-americanos (AFA) de um lado e a correspondente outra parte asiática-germânica (AG) do outro lado. Em termos gerais, os porta-vozes dos AFA põem as culpas das crises nos factores externos, ou, mais especificamente, apontam o dedo aos excedentes positivos no comércio, sectores dinâmicos de exportação e ritmos elevados de investimento em sectores produtivos, e níveis baixos de consumo nos países AG, como a causa dos «desequilíbrios», ou «desequilíbrio», na economia mundial.

Em contraste, os países AG rejeitam a justificação de práticas externas prejudiciais. Põem em destaque os «desequilíbrios» internos no interior dos países AFA, que enfraqueceram as suas posições internacionais, comerciais e financeiras.

Neste artigo, vou argumentar que ambas as políticas económicas internas e as estratégias de construção de impérios externos dos países AFA, têm sido a força motriz para os desequilíbrios globais. As diferenças estruturais entre as duas regiões e as diferenças de estrutura de classe e configurações económicas em cada bloco, impedem qualquer solução fácil e imediata. Pelo contrário, no futuro previsível é provável que o conflito entre potências dinâmicas emergentes de exportação e o bloco ocidental em declínio se intensifique, levando a maiores conflitos comerciais e a possíveis confrontos militares.

As acusações da AFA contra os «desequilíbrios» comerciais da China reúne comércio com o ocidente com as relações de Beijing com o resto do mundo. A China tem comércio equilibrado ou mesmo défices de comércio com países asiáticos, africanos, do Médio Oriente e da América Latina. Além disso, os países AFA têm desequilíbrios de comércio com outras regiões, incluindo o Médio Oriente e a Alemanha. Mesmo que os países AFA reduzam importações da China, é mais do que provável que outros países asiáticos tomem o seu lugar, incluindo Vietname, Coreia do Sul, Taiwan, Bangladesh e Índia. Os défices comerciais resultantes da AFA ficariam na mesma.

Os países AFA culpam a moeda «subvalorizada» da China e reclamam que as autoridades de Beijing manipulam as taxas de câmbio para baixar o preço das exportações e vencer os concorrentes (nomeadamente produtores no interior das AFA). Contudo, a moeda da China tem sido reavaliada consistentemente para cima dos 20% nos últimos cinco anos e, apesar disso, AFA continua a apresentar défices, sugerindo que os produtores nacionais ainda não são capazes de competir com os fabricantes chineses. Mais recentemente, autores na AFA, queixaram-se das taxas baixas dos juros apresentadas pelo governo chinês como um «subsídio» aos exportadores. Contudo, as taxas de juro na AFA estão a zero por cento ou mesmo negativas, isto é, são em vão. Todavia, AFA concederam para cima de 1,5 milhão de milhões em fundos de apoio, e para cima de 1,3 mil milhões para despesas estimulantes - um subsídio cinco vezes superior ao pacote de estímulos da China, sem terem melhorado a sua balança comercial. O que é revelador, dadas as afectações sectoriais, do apoio em cada regime - subsídios - pacotes de estímulos, é que a China recuperou completamente e tem um crescimento de 8% em meados de 2009, enquanto AFA continua a chafurdar em território negativo e continua também com défices comerciais. Isto aponta à centralidade dos factores internos, nomeadamente aos sectores económicos que recebem subsídios de Estado e à forma como os investem, e que têm como resultado que as suas decisões afectem as balanças comerciais.

AFA acusa a China dos baixos salários, da exploração dos trabalhadores, e que isso é a razão dos desequilíbrios comerciais. Contudo, uma percentagem crescente das exportações da China é baseada em avanços tecnológicos e não em mão-de-obra barata. Isto é devido à emergência na Ásia de concorrentes com baixos custos de salários.

AFA queixa-se que a China enfatiza a sua estratégia de “exportações” à custa de produzir para o mercado interno. Todavia, quase metade das exportações da China para os Estados Unidos é realizada a partir de multinacionais americanas que investiram, subcontrataram e co-produziram com as suas homólogas chinesas. Por outras palavras, a política interna americana, a desregulamentação do fluxo de capitais, facilitou o movimento dos fabricantes americanos no exterior, o que resultou num declínio da produção local, num aumento das importações e em maiores défices comerciais.

Causas internas dos défices comerciais (e Economia Mundial Desequilibrada)

A correlação mais evidente e interessante com o crescimento dos desequilíbrios comerciais da AFA é o crescimento e domínio do sector financeiro. A financeirização das economias das AFA e o papel dominante dos directores executivos da Wall Street nas posições económicas estratégicas do Estado é transparente para as massas e até tem sido reconhecida pela maioria dos economistas privados e professores universitários. Os défices comerciais aumentaram na proporção directa do crescimento do poder económico e político do sector financeiro. Em grande parte, isto foi devido à transferência do capital do fabrico para os serviços financeiros, o que conduziu à redução dos investimentos nas inovações e em estratégias de gestão competitivas nos sectores produtivos. Os altos salários, bónus e retornos rápidos no sector financeiro atraíam a maioria dos auto-denominados "melhores e mais inteligentes". Os formados em MBA multiplicaram, enquanto os formados em escolas de engenharia avançada diminuíram. Desapareceram os programas de formação para trabalhadores especializados enquanto cresceu o recrutamento para vendas a retalho de baixa especialização.

O problema era que os serviços financeiros não faziam, não podiam substituir os ganhos do exterior que antes aumentavam através de vendas dos produtos fabricados. Em último lugar, nos mercados financeiros altamente regulados da China, Japão, Índia e no resto da Ásia, onde os bancos estão subordinados à expansão da produção - nomeadamente indústrias financeiras dirigidas por funcionários do Estado. O domínio do capital financeiro e os sectores relacionados do imobiliário e dos seguros conduziram a uma estrutura de classe altamente polarizada: onde presidiam banqueiros de investimentos bilionários e milionários e um exército de trabalhadores de serviços com baixos salários (empregados do retalho, da limpeza, varredores, etc) imigrantes e trabalhadores não-sindicalizados que ocupavam o fundo da escala. Presentemente, as desigualdades no rendimento nos Estados Unidos excedem as de qualquer outro país capitalista "avançado". As desigualdades em Manhattan excedem as de Guatemala. A crescente concentração de riqueza é acompanhada pela redução, nas últimas três décadas, dos ordenados médios. Em resultado disso, o poder de compra dos trabalhadores americanos foi reduzido, dessa forma reduzindo também a procura de bens de qualidade produzidos localmente. O resultado, é a compra de têxteis baratos de importação, sapatos e outros artigos. Passa a haver um declínio nas poupanças e no investimento interno na produção, o que leva a um abaixamento na competitividade. Para além disso, a concorrência entre prestamistas financeiros faz aumentar dispêndios no consumidor e maior endividamento individual, numa altura em que os peritos em produção declinavam por não haver investimento.

A maior parte das empresas produtoras transformaram-se em empresas financeiras, canalizando fundos de investimento em sectores não recebendo câmbios estrangeiros. Pior que tudo, em busca de lucros mais elevados, os produtores transformaram-se em vendedores comerciais, encerrando fábricas e subcontratando produção à China e a outros países asiáticos, e importando produtos finais para os Estados Unidos, assim criando os desequilíbrios comerciais. A recolocação, em larga escala, das multinacionais americanas no estrangeiro, agravou ainda mais os desequilíbrios comerciais.

O papel principal do Estado na criação de desequilíbrios internos, conduzindo a um desequilíbrio global, é o resultado da tomada do Estado pelo sector financeiro e da desregularização dos mercados financeiros. O resultado foi a promoção a longo termo de uma política económica, onde o banco central (Reserva Federal) e o Ministério das Finanças, encorajavam mais o crescimentos dos sectores financeiro, imobiliário e seguros do que o do sector produtivo. A estratégia financeira foi justificada por um grande exército de professores e publicistas que falavam na "pós-indústria", ou na economia de "serviço", ou de "informação", como uma "etapa superior",em vez de uma perversamente desequilibrada, insustentável e injusta economia.

A supremacia financeira coincidiu com a crescente militarização da política estrangeira dos Estados Unidos. A expansão económica dos Estados Unidos no estrangeiro foi eclipsada gradualmente pela crescente dependência nas intervenções militares e na construção de bases militares em centenas de locais. A financeirização enfraqueceu a capacidade produtiva dos exportadores americanos para captar mercados, os políticos americanos aumentaram a dependência na supremacia do poder militar. A canalização de biliões para as despesas militares esgotaram os recursos em esforços para aumentar a competitividade da indústria civil americana e foi um factor importante no seu declínio nos mercados de exportação. Os resultados finais da militarização foram perdas nos proveitos das exportações e no crescimento dos défices comerciais.

Se combinarmos os três grande desequilíbrios internos nas economias da AFA, mas especialmente na dos Estados Unidos, a financeirização da economia, a militarização da política estrangeira e a concentração da riqueza no topo, podemos, pois, entender porque é que os Estados Unidos têm um tão grande e crescente défice comercial.

A estratégia de impulso nas exportações da China

A ênfase da China numa estratégia impulsionadora de exportações e as resultantes e crescentes desigualdades de classe, são claramente o resultado da composição de classe do Estado e da sua estrutura social. Por outras palavras, os factores internos são a força impulsionadora da sua procura por excedentes comerciais. O que é irónico é que alguns dos críticos da AFA, que apontam correctamente os 'desequilíbrios' internos na China, ignorem problemas semelhantes no ocidente. Nomeadamente, não mencionarem a ausência de um plano nacional de saúde nos Estados Unidos, o aumento das desigualdades e da diminuição do poder de compra massivo - mesmo quando apontam estas deficiências na China. O que os defensores ocidentais de maior segurança social na China não falam, é o poder, privilégios e lucros da classe capitalista, que dificulta um maior consumo massivo. E menos do que tudo, falam da força motriz para elevar as condições de vida da classe trabalhadora e dos camponeses, nomeadamente a luta de classes. Em vez disso, contam com os apelos tecnocráticos às elites chinesas para que as despesas sociais sejam maiores.

O Estado chinês evoluiu para uma poderosa máquina de fabrico de bens e de bilionários. A China de hoje tem o maior crescimento, a maior taxa de exploração e as maiores desigualdades de classe da Ásia. Aumentar os salários para estimular o consumo local significa redução de lucros, um anátema para todos os capitalistas, incluindo os chineses. Aumentar a despesa pública na cobertura universal da saúde, especialmente para os 700 milhões de camponeses sem seguro e trabalhadores rurais, significa maiores impostos para os ricos, incluindo as famílias e colegas da elite do governo. Em contraste, a produção para os mercados de exportação não necessita de um maior poder interno do consumidor e, pelo contrário, precisa de salários mais baixos.

A mudança do impulso na exportação para uma estratégia de impulso no mercado interno requer, não apenas, de uma 'mudança na política', mas de uma mudança profunda no poder classista da actual classe capitalista e dos seus apoiantes no Estado, para os trabalhadores e camponeses. Para realizar, em larga escala, compromissos a longo prazo de receitas de serviços sociais para os pobres rurais e salários superiores para os trabalhadores explorados, requer mobilizações sustentadas popularmente, revoltas e greves para garantir os sindicatos independentes e associações de camponeses necessários para que haja uma mudança nas atribuições do Estado para consumo interno.

Os "desequilíbrios" da China são largamente internos, em termos sociais e políticos. É um desequilíbrio de poder social entre um poderoso Estado capitalista e uma massa reprimida e sem poder de trabalhadores e camponeses; um desequilíbrio em rendimento entre uma banca super-rica, imobiliário, elite exportadora de produtos e uma classe trabalhadora com salários baixos e uma classe camponesa subsistente; um desequilíbrio entre um Estado altamente organizado ligado a famílias, ideologia e interesses económicos com a classe capitalista, e uma dispersa, fragmentada e isolada massa de povo trabalhador.

A classe dirigente da China, os seus investimentos exteriores de biliões de dólares em projectos capitalistas ocidentais, através dos seus fundos patrimoniais independentes, os seus investimentos de biliões de dólares em empresas extractivas estrangeiras, é conseguido pela quantidade de capital acumulado, obtido através de níveis intensos de exploração do trabalho e pela eliminação de pensões do Estado, planos de saúde e educação. O papel da China, como um poder imperial emergente, está enraizado no desequilíbrio entre poder global e degradação da segurança social.

O facto dos autores capitalistas ocidentais, dos políticos e dos seus seguidores do campo académico, chamarem a atenção para os mesmos desequilíbrios sociais na China como os seus críticos internos da classe trabalhadora, não devia obscurecer um ponto básico. Os críticos da Wall Street defendem a elite financeira da AFA contra a maior produtividade dos industriais exportadores da China, enquanto os críticos da classe trabalhadora interna criticam os capitalistas e o Estado pelas altas taxas de exploração e concentração de riqueza.

A chave para a redução de desequilíbrios no comércio mundial passa pela redução das desigualdades em cada região. Os Estados Unidos necessitam da mudança profunda de uma economia dominada pela finança para uma economia de produção, em que a finança, a tecnologia de ponta e a educação superior são dirigidas para a criação de uma economia competitiva e produtiva, baseada no trabalho especializado. A ligação no topo entre Wall Street e o Pentagon deve ser substituída pela ligação entre a classe trabalhadora industrial, trabalhadores dos serviços de baixos salários e sector público de empregados e profissionais.

A transformação estrutural da economia dos Estados Unidos é necessária mas isso só não chega. Se os esforços dos Estados Unidos continuarem a persistir num império militar isto irá desviar recursos das prioridades económicas internas e externas. Impérios dirigidos pelos militares alienam sócios comerciais, têm custos elevados e receitas baixas, isolam os investidores económicos e os comerciantes de sociedades produtivas e são destrutivos de instalações civis produtivas internas e externas.

A saída para os desequilíbrios massivos passa pelos Estados Unidos decidirem executar transformações estruturais internas em larga escala e a longo prazo - nomeadamente à desfineirização e desmilitarização. Mas as forças políticas e económicas beneficiárias da configuração actual estão fortemente entrincheiradas no controlo de ambos os partidos principais e dominam os media e as suas mensagens. Contudo, apesar do seu profundo poder institucional sofrem de várias deficiências fatais. Em primeiro lugar, criaram desequilíbrios globais insustentáveis que, mais cedo ou mais tarde, levarão a um colapso do dólar e a bolhas financeiras renovadas, mais virulentas e dispendiosas. Em segundo lugar, o mercado livre, que é o suporte ideológico principal da elite de poder financeiro desregulado, está totalmente desacreditado, como evidenciado pelo pequeno apoio e confiança da Wall Street. Em terceiro lugar, a construção de impérios pelos militares já teve o seu percurso: após nove anos de guerra no Afeganistão a grande maioria de americanos enviou uma mensagem à elite política de ambos os partidos, à Casa Branca e ao Congresso, de que chegou a altura de mudar as aventuras falhadas e financiadas no estrangeiro e resolver o problema dos 20% desempregados americanos (30 milhões), de os 100 milhões ou 33% de americanos sem ou com dispendiosa cobertura de saúde ou com cobertura inadequada. Nenhuma intensidade nos media e culpabilização perita da China para os nossos auto-induzidos "desequilíbrios" pode desviar a opinião americana das suas experiências directas com as nossas próprias desigualdades internas e fracassos de política.

ODiario.info - 16.11.09

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