À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

17/11/2009

Complemento solidário não retira da pobreza um único idoso a viver sozinho

Carlos Farinha Rodrigues

Ao contrário do anunciado pelo Governo o complemento solidário falha no seu objectivo central: retirar idosos da pobreza. Na verdade, apesar de reduzir o “gap” de pobreza, não retira um único idoso a viver sozinho dessa situação. A razão é muito simples. Esta prestação soma ao rendimento dos idosos de forma a que o rendimento total equivalha, em cada ano, ao limite de pobreza (entendido como 60% do rendimento mediano). No início de cada ano o Governo tem estabelecido, ao cêntimo, o limite da prestação para coincidir com o que defende ser o limite de pobreza nesse ano. Acontece que, nesse momento, os dados de rendimento disponíveis são referentes a um ou dois anos antes. Ou seja, o limite de pobreza para cada ano, que só é conhecido mais tarde, será mais elevado, uma questão que o governo tem ignorado. Assim, por exemplo, em 2006, o Executivo fixou o limite de pobreza em 4.200 de euros anuais, enquanto o limite efectivo foi de 4.538 euros (mais 8%). Em 2007 aconteceu o mesmo: 4.338 euros contra 4.878 euros (mais 12,5%). Daqui decorre que “o impacto do CSI a reduzir a pobreza dos idosos a viverem sozinhos é nulo”, lê-se numa das conclusões da análise ao CSI e ao rendimento social de inserção (RSI) realizada por Carlos Farinha Rodrigues, um especialista em questões de pobreza e desigualdade. O professor do ISEG conclui ainda que o RSI é mais eficiente que o CSI a reduzir o “gap” de pobreza, além de ser mais eficaz enquanto mecanismo de equalização de rendimentos.

[Artigo] O CSI (criado em 2005) e o RSI (criado originalmente em 1996 como rendimento mínimo garantido) foram duas das principais medidas de política social de combate à pobreza e à desigualdade de rendimentos em Portugal. Qual são os seus impactos em termos de eficácia e eficiência?

[Abordagem] O economista usa um modelo de microsimulação (MicroSimPT) baseado no inquérito ao rendimento e condições de vida da EU disponível no INE. Os dados dizem referência a 2006. Simula o impacto do RSI e CSI na distribuição do rendimento e nas mais conhecidas medidas de desigualdade e nas taxas de pobreza. Considera grupos etários e tipos de agregados familiares. Calcula ainda medidas de eficiência do CSI e do RSI.

[Conclusões] Tanto o RSI como CSI tem impacto significativos em termos de melhoria dos níveis de vida dos mais pobres em Portugal, especialmente entre crianças e idosos. A análise vinca o potencial destes instrumentos, mas evidencia também importantes deficiências na forma como estão desenhados, as quais resultam essencialmente das condições de acesso. No caso do CSI cerca de 25% dos beneficiários não são efectivamente pobres, do que resulta que seria possível obter os mesmos resultados de redução de pobreza apenas com 60% do dinheiro gasto. O autor evidencia ainda que o actual número de beneficiários do CSI e do RSI poderá não ascender a metade do número total de potenciais beneficiários.

[Comentário] Além de evidenciar aspectos que necessitam de ser melhorados nos dois instrumentos, o trabalho de Farinha Rodrigues é oportuno por outro aspecto. O CDS-PP tem feito da RSI uma bandeira política acusando o Estado de estar a financiar a preguiça, desperdiçando recursos públicos. No entanto, do ponto de vista de eficácia enquanto instrumento de combate à pobreza e à desigualdade, mas também de eficiência financeira, o RSI parece mostrar-se mais perfeito que o CSI.

ISEG, Outubro 2009

e.conomia.info - 16.11.09

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails