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23/03/2009

Política de crédito não ajuda a actividade produtiva

Eugénio Rosa

Há muito tempo que temos vindo a defender que mais grave do que o défice orçamental era e é o défice crescente da Balança Corrente (ex. intervenção final em Novembro de 2008, na Assembleia da República no debate do Orçamento do Estado), que tem como consequência o endividamento vertiginoso do País ao estrangeiro e a impossibilidade, no futuro, de um crescimento económico elevado e sustentado. O pensamento económico neoliberal dominante procurou sempre convencer os portugueses de que o crescimento em Portugal era virtuoso, porque baseado nas exportações e não no mercado interno, que a redução do défice orçamental era essencial, pois reduzido este os problemas do País resolver-se-iam como por milagre e de imediato, e que o mercado era o melhor instrumento para fazer a afectação eficiente dos recursos para e o País.

Perante o fracasso evidente de todas estas concepções, o mesmo pensamento único procura, agora, reduzir a crise a um mero problema de perda de confiança no sistema financeiro, a qual, restabelecida, tudo voltaria à normalidade. Mas isto é também uma pura mentira. E é porque a crise grave que o mundo enfrenta neste momento é uma crise sistémica, inerente ao próprio funcionamento do sistema mundial do capitalismo, e não é apenas psicológica ou que só resulta da existência de maus governos, de entidades de supervisão que não supervisionavam nada, de gestores financeiros corruptos, gananciosos e mesmo criminosos, como se pretende fazer crer.

Neste estudo, vamos provar isso, analisando apenas uma das causas da grave crise que Portugal enfrenta. E esse aspecto é a politica de crédito seguida por todos os bancos no nosso Pais, incluindo o banco do Estado, a CGD, não orientada para apoiar a actividade produtiva.

O DÉFICE CRESCENTE DAS NOSSAS RELAÇÕES COM O ESTRANGEIRO

Embora o défice da Balança Corrente portuguesa seja muito superior ao défice orçamental, o governo de Sócrates, obcecado com este último, nunca mostrou preocupação com o défice externo. O quadro seguinte, construído com dados acabados de divulgar em Março de 2009 pelo Banco de Portugal, mostra como o défice externo evoluiu durante o governo de Sócrates.

QUADRO I – Variação do saldo negativo da Balança Corrente de Portugal com Sócrates

ANOS

DEFICE

Balança Corrente

PIB

DÉFICE da Balança Corrente em % do PIB



Milhões €

Milhões €

%


2005

-14.139

149.123,4

-9,5%


2006

-15.589

155.446,3

-10,0%


2007

-15.374

163.237,7

-9,4%


2008

-20.163

166.127,6

-12,1%


Variação 2005-2008

+ 42,6%

+ 11,4%

+ 28,0%


FONTE: Boletim Estatístico - Março de 2009 - Banco de Portugal


De acordo com o Boletim Estatístico do Banco de Portugal, entre 2005 e 2008, o défice da Balança Corrente Portuguesa aumentou em 42,6%, pois passou de 14.139 milhões de euros para 20.163 milhões de euros, enquanto o PIB cresceu apenas 11,4%. Como consequência, entre 2005 e 2008, aquele défice passou de 9,5% do PIB para 12,1%. Apesar do défice das relações de Portugal com o estrangeiro em 2008 ser superior em mais de 4 ao défice orçamental, a obsessão do governo por este último défice era tão grande que o levou a ignorar o défice da Balança Corrente, apesar da sua extrema gravidade. E toda a politica seguida por este governo nos últimos 4 anos levou ao seu agravamento como prova o facto de ter aumentado 42,6%.

EM 4 ANOS, A DIVIDA LIQUIDA EXTERNA PORTUGUESA AUMENTOU EM 54%

Como consequência do aumento vertiginoso do défice da Balança Corrente, o endividamento do País ao estrangeiro disparou durante o governo de Sócrates como mostra o quadro seguinte.

QUADRO II – O aumento da divida bruta e a divida liquida de Portugal ao estrangeiro nos últimos quatro anos com o governo de Sócrates

DATA

ACTIVOS

(O que Portugal possui no estrangeiro)

PASSIVO OU DIVIDA BRUTA (O que Portugal deve ao estrangeiro)

DIVIDA LIQUIDA DE PORTUGAL

(Activo – Passivo)

PIB

(Valor produzido por Portugal no ano)

Divida Bruta/PIB

Divida Liquida/PIB

Milhões €

Milhões €

Milhões €

Milhões €

%

%

2005

253.232,9

357.914,3

104.681,4

149.123,4

240,0%

70,2%

2006

277.023,9

402.857,4

125.833,5

155.446,3

259,2%

80,9%

2007

295.163,3

444.137,7

148.974,4

163.237,7

272,1%

91,3%

2008

282.586,8

444.117,9

161.531,1

166.127,6

267,3%

97,2%

Variação-M€

29.353,9

86.203,6

56.849,7

17.004,2

Variação -%

+11,6%

+24,1%

+54,3%

+11,4%

FONTE: Boletim Estatístico - Março de 2009 - Banco de Portugal

Segundo o Boletim Estatístico do Banco de Portugal, entre 2005 e 2008, o “Activo” de Portugal no estrangeiro, ou seja, tudo aquilo que o País possui no exterior, aumentou apenas 29.353,9 milhões de euros, ou seja, somente 11,6%, enquanto o “Passivo” de Portugal ao estrangeiro, ou seja, a Divida Bruta (aquilo que o País deve ao estrangeiro) cresceu em 86.203,6 milhões de euros. A Divida Liquida do nosso País ao estrangeiro, que se obtém subtraindo ao “Activo” do País o “Passivo” do País, aumentou em 56,849,7 milhões €, atingindo, em 2008, 161.531 milhões de euros.. Como consequência, a Divida Bruta (o “Passivo” do País) , em 2008, era 2,67 vezes superior ao PIB, ou seja, a toda a riqueza criada em Portugal nesse ano. E a Divida Liquida do País (“Passivo” menos “Activo”), medida em percentagem do PIB, cresceu de 70,2% para 97,2%. Por outras palavras, O “Passivo” do País ao exterior (aquilo que ele deve ao estrangeiro) é já superior ao seu “Activo” no estrangeiro (o que tem a haver do estrangeiro) em 161.531 milhões €.

EM 2008, O CREDITO BANCARIO APLICADO NO IMOBILIÁRIO E NA HABITAÇÃO ERA DEZ VESES SUPERIOR AO CREDITO APLICADO NA AGRICULTURA E NA INDÚSTRIA

Uma das causas importantes do défice elevado da Balança Corrente e, consequentemente, do aumento da divida de Portugal ao estrangeiro, é a destruição do aparelho produtivo nacional. E uma das razões desta destruição prende-se com a politica de crédito dos bancos, mais interessados em apoiar actividades especulativas, para assim obterem lucros elevados, fáceis e seguros, do que apoiar à actividade produtiva, necessária ao desenvolvimento e à independência económica do País. O quadro seguinte, com dados do Banco de Portugal, prova isso.

QUADRO III - A repartição do credito em Portugal por sectores de actividade económica

SECTORES DE ACTIVIDADE

2004

2005

2006

2007

2008

Milhões euros

Milhões euros

Milhões euros

Milhões

Milhões €

Agricultura

1.118,0

1.196,0

1.291,0

1.522,0

1.853,0

Pesca

94,0

91,0

94,0

81,0

138,0

Indústria Transformadora

12.493,0

12.180,0

11.894,0

12.829,0

14.464,0

Construção

15.987,0

17.448,0

18.224,0

20.063,0

22.240,0

Actividades Imobiliárias

25.936,0

29.136,0

32.735,0

37.586,0

42.521,0

Outros sectores

37.779,0

37.707,0

39.626,0

43.079,0

47.802,0

Habitação

70.835,0

79.327,0

91.591,0

99.938,0

103.940,0

Consumo

9.059,0

9.406,0

11.379,0

13.790,0

15.431,0

Agricultura+Pesca+ Industria Transformadora

13.705,0

13.467,0

13.279,0

14.432,0

16.455,0

Construção+ Actividades Imobiliárias + Habitação

112.758,0

125.911,0

142.550,0

157.587,0

168.701,0

CREDITO TOTAL

173.301,0

186.491,0

206.834,0

228.888,0

248.389,0

FONTE: Boletim Estatístico - Março de 2009 - Banco de Portugal

De acordo com os dados divulgados pelo Banco de Portugal no seu Boletim Estatístico de Março de 2009, em 2004, o credito concedido às actividades essencialmente produtivas, ou seja, à Agricultura, Pesca e Industria Transformadora era apenas de 13.705 milhões de euros, enquanto o concedido às empresas de construção, actividades imobiliárias e à habitação somava 112.758 milhões de euros, ou seja, 8,2 vezes mais. Esta situação agravou-se ainda mais durante os 4 anos de governo de Sócrates. No fim de 2008, o credito total concedido à Agricultura, Pesca e à Industria Transformadora somava apenas 16.455 milhões de euros, enquanto o concedido a empresas de construção, actividades imobiliárias e à habitação totalizava já 168.701 milhões de euros, ou seja, 10,2 vezes mais. Por outras palavras, o credito concedido à Agricultura, Pesca e Industria Transformadora representava apenas 6,6% do credito total (entre 2004 e 2008, diminuiu de 7,9% para 6,6%), enquanto o credito concedido às empresas de construção, actividade imobiliária e à habitação representava, em 2008, 67,9% do credito total concedido pelo sistema bancário (entre 2004 e 2008, aumentou de 65,1% para 67,9%).

Estes dados do Banco de Portugal mostram de uma forma clara que os bancos em Portugal estão muito mais interessados em apoiar as actividades especulativas do que as actividades produtivas. Pode-se afirmar que a destruição da actividade produtiva em Portugal, que conduziu o nosso País à situação de dependência do exterior, traduzido no elevado e crescente défice da Balança Corrente e no vertiginoso endividamento do País ao estrangeiro, tem como causa também esta politica de crédito contrária aos interesses de desenvolvimento nacional, a que não escapou a própria CGD. A prova disso está não só a sua politica de crédito, que não se tem diferenciado dos bancos privados, mas também os elevados empréstimos concedidos a conhecidos capitalistas para especular na bolsa, de que são exemplos os casos já conhecidos de Manuel Fino, João Rendeiro, João Berardo, Teixeira Duarte (e há mais, o presidente da CGD referiu na Assembleia da República a existência de 12), a quem a CGD concedeu empréstimos que rondam os 2.000 milhões de euros, estando agora em sérias dificuldades para obter o seu reembolso.

23.03.09

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