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11/02/2009

O Governo não compreendeu nem a gravidade nem a provável duração da crise

INVESTE POUCO E OCULTA MEDIDAS INSUFICINTES COM PROPAGANDA

Quem tenha analisado com atenção o Programa de Estabilidade e Crescimento 2008-2011 (PEC:2008-2011), que este governo enviou à Comissão Europeia no fim de 2008, assim como as Propostas de Alterações do Orçamento de Estado para 2009 que o PS aprovou, a conclusão que tira é que este governo ainda não compreendeu nem a gravidade, nem a dimensão, nem a provável duração da crise actual.

Tal como aconteceu no passado recente, em que durante muito tempo Sócrates negou a crise, mesmo quando vários indicadores revelavam, a partir de Agosto de 2007, que ela era inevitável, e mesmo depois de ela ter atingido com gravidade muitos países, incluindo Portugal, agora também este governo continua a mostrar a mesma cegueira perante as características qualitativamente diferentes da crise actual. E tal como sucedeu no passado, essa cegueira tem graves consequências porque impede que sejam tomadas as medidas adequadas.

A provar isso está o facto de que, de acordo com o PEC: 2008-2011, este governo tenciona, se continuar em funções para além de 2009, já em 2010: (1) Reduzir o défice orçamental de 3,9% em 2009 para 2,9%, ou seja, em mais de 1.700 milhões de euros a preços actuais; (2) Baixar o investimento público de 4.820,5 milhões de euros em 2009 para 4.128,9 milhões de euros em 2010, ou seja, em -14,3% em valores nominais, porque se entrar em conta com a subida de preços a redução é ainda maior em termos reais; (3) Continuar com a destruição liquida de empregos na Administração Pública (menos 56.000 postos de trabalho entre 2009 e 2011), o que agravará ainda mais o problema do desemprego; (4) Reduzir os subsídios, nomeadamente a empresas públicas, por ex.: transportes colectivos que, entre 2009 e 2010, baixarão de 3.209,6 milhões de euros para apenas 1.847,2 milhões de euros, ou seja, sofrerão um corte de -42,5%, o que se reflectirá, por ex., nos preços dos transportes.

Para o governo de Sócrates, nem o País nem os portugueses enfrentam uma crise grave. O ano de 2009 é apenas um ano anormal, e a partir de 2010, como por milagre, tudo voltará à normalidade, e então o governo, se continuar em funções, continuará a politica de obsessão de redução do défice, que conduziu também à crise com a gravidade que está a ter em Portugal. A miopia, a insensibilidade e a incompetência técnica deste governo são chocantes.

A PROPAGANDA COMO INSTRUMENTO UTILIZADO POR ESTE GOVERNO PARA MANIPULAR OS MEDIA E A OPINIÃO PÚBLICA

Quem analise as medidas de apoio ao emprego e aos desempregados deste governo, e não se limite a propagandeá-las sem qualquer investigação como têm feito alguns órgãos de comunicação social, rapidamente conclui que muitas delas são medidas que existiam, que não tiveram quaisquer efeitos significativos no passado no combate ao desemprego e no apoio aos desempregados, e que agora apenas têm de diferente o terem um novo nome.

Comecemos por uma das medidas anunciadas pelo governo de Sócrates mais propagandeada pela comunicação social: a criação de 400 GIP (Gabinetes de Inserção Profissão). Estes gabinetes têm como objectivo substituir as 333 UNIVA´s (Unidades de Inserção na Vida Activa), os 10 Clubes de Emprego, e o AGIIRE (Gabinete de Intervenção Integrada de Reestruturação Empresarial) com o seus NIRP´s (Núcleos de Intervenção Rápida e Personalizada), também muito propagandeados na altura em que foram criados (2005) mas agora esquecidos, com reduzidos efeitos na criação e aumento do emprego.

De acordo com a Portaria 127/2009, que cria os GIP´s, as suas funções são as seguintes: (a) Informação profissional; (b) Apoio à procura de emprego; (c) Acompanhamento dos desempregados; (d) Captação de ofertas de emprego junto das empresas; (e) Divulgação de ofertas de emprego; (f) Controlo dos beneficiários do subsidio de desemprego; etc. Por outras palavras, estes gabinetes têm como objectivo fazer precisamente aquilo que os Centros de Emprego do IEFP fazem ou deviam fazer. O que diferencia estes GIP´s das anteriores UNIVA´s, que substituem, é que o apoio financeiro dado pelo governo ainda às entidades que criarem os GIP´s (Câmaras, associações empresarias e sindicais, escolas, etc.) é ainda menor do que era concedido às UNIVA´s, ou seja, é uma medida que visa reduzir os custos financeiros. Uma UNIVA tinha uma duração de 3 anos, enquanto o GIP tem um período de vida de dois anos. Para despesas de instalação de um GIP o governo concede um subsidio de 5.000€, enquanto para uma UNIVA era concedido 6.470€. Para pagar a remuneração do animador o governo pretende agora conceder, durante o período de vida, a cada GIP 18.392 euros, quando era dado a cada UNIVA 29.700 euros.

No caso dos POC´s (Programas Ocupacionais) que estavam em vigor, agora chamados pelo governo “Programa Emprego- Inserção e Emprego – Inserção +”, criado pela Portaria 128/2009, antes os beneficiários dos POC´s recebiam o salário mínimo nacional (450€), agora com o “novo” Programa passam a receber apenas 1 IAS (418 €).

No caso de estágios profissionais para desempregados à procura de 1º emprego, que já existiam, a diferença mais importante é a redução da bolsa a que tem direito o desempregado. Anteriormente, o valor máximo da bolsa podia atingir dois salários mínimos nacionais (900€) no caso de licenciados; agora, de acordo com a Portaria 129/2009 o valor máximo é dois IAS (836€). A outra diferença é que a duração aumenta de 9 meses para 12 meses.

Nos estágios para desempregados com mais de 35 anos, criados pela Portaria 131/2009, designados “Estágios Qualificação Emprego”, com a duração máxima de 9 meses, a bolsa varia entre 522€ (ensino básico completo) e 836 € (licenciatura) acrescido de subsidio de alimentação igual ao da função publica.

Para além destes instrumentos são criados, através da Portaria 130/2009, uma série de benefícios para as empresas, muitos deles à custa da redução da receita da Segurança Social.

Nas empresas até 49 trabalhadores, seja qual for a sua situação económica e financeira, é reduzida a contribuição patronal para a Segurança Social em 3 pontos percentuais (-12,6%) relativas às remunerações dos trabalhadores com 45 ou mais anos. Só esta medida custará à Segurança Social, em perda de receita, segundo o próprio governo, 169,9 milhões de euros.

Segundo a mesma Portaria, as empresas que contratarem a termo jovens até aos 35 anos ou desempregados de longa duração serão isentas durante 36 meses de pagar contribuições para a Segurança Sócia (em alternativa poderão receber um premio de 2.000€ por cada emprego e a isenção de contribuições durante dois anos). Esta medida poderá custar à Segurança Social, em perda de receita, cerca de 53,2 milhões de euros. O mesmo benefício poderá ter as empresas que contratarem a prazo trabalhadores com contrato de prestação de serviços e de trabalho temporário. No fundo é a substituição de uma forma de precariedade (prestação de serviços e trabalho temporário) por outra forma de trabalho precário (contrato a termo), sendo esta financiada pelo Estado (Segurança Social e IEFP no caso dos 2000€ por emprego).

O GOVERNO RECUSA ALARGAR A DURAÇÃO DO SUBSIDIO DE DESEMPREGO E CRIA SUBSIDIO DE VALOR NFERIOR AO LIMIAR DA POBREZA QUE MANTERÁ NA POBREZA QUEM O RECEBA

Um dos problemas sociais mais graves que existe em Portugal é precisamente a existência de um elevadíssimo numero de desempregados que não têm direito ao subsídio de desemprego. Esta é uma das causas importantes do aumento da pobreza em Portugal. Com o aumento previsto no desemprego em 2009, a gravidade deste problema social aumentará mais.

De acordo com o Boletim Estatístico de Novembro de 2008, do GEP do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, o numero de desempregados a receber subsidio de desemprego, em Novembro de 2008, era apenas de 255.985. Este numero tem diminuído desde a publicação do Decreto-Lei 220/2006, a “nova lei do subsidio de desemprego” do governo de Sócrates. Entre 2006 e Novembro de 2008, o numero de desempregados a receber subsidio baixou em mais de 60.100. Esta diminuição do numero de desempregados subsidiados determinou que actualmente a percentagem daqueles que recebem subsidio de desemprego corresponda apenas 58,7% do desemprego oficial, e somente a 44,7% do desemprego efectivo (desemprego oficial + inactivos disponíveis + subemprego visível).

Esta quebra nos desempregados com direito ao subsídio de desemprego foi determinada por duas alterações importantes introduzidas por este governo na lei do subsídio de desemprego que vigorou até 2006. E essas alterações, que constam do Decreto-Lei 220/2006 do governo de Sócrates, foram as seguintes: (a) Um prazo de garantia mínimo de 450 dias de descontos para a Segurança Social nos 24 meses imediatamente anteriores à data do desemprego (artº 22º do DL 220/2006), portanto se um trabalhador cai no desemprego e se arranja emprego meses depois, se este não tiver uma duração superior 21 meses não tem direito a subsidio de desemprego no caso de ser novamente despedido pois não tem 450 dias de desconto nos 24 meses anteriores ao despedimento (artº 23º); (b) Redução entre 3 e 6 meses do período de tempo a que o desempregado tem direito a receber subsidio de desemprego (artº 37º do DL 220/2006).

O governo recusa-se a alterar estas duas disposições, introduzidas pelo Decreto-Lei 220/2006, que tem levado à exclusão de elevado número de desempregados do direito ao subsidio de desemprego

A única alteração que pretende fazer, anunciada aquando da divulgação da “Iniciativa de Investimento e Emprego”, mas que ainda não foi publicada, é a seguinte: No caso do trabalhador conseguir arranjar emprego no prazo máximo de 6 meses a contar da data do despedimento, o subsidio de desemprego é suspenso Isto significa que no caso de novo despedimento ele recebe o subsidio durante o tempo que faltava para terminar o período anterior em que tinha direito a receber subsidio de desemprego. Só no caso do novo emprego ser de duração superior a 21 meses, o que lhe permite descontar 450 dias para a Segurança Social, é que o período a que tem direito a receber subsidio de desemprego começará a contar novamente desde o inicio.

Em resumo, o governo de Sócrates recusa a um número significativo (52%) e crescente de desempregados o direito ao subsídio de desemprego, condenando-os á miséria. Para ocultar esta intenção, este governo anunciou que vai criar um subsidio inferior ao limiar da pobreza, a conceder aos desempregados que não recebem subsidio de desemprego e sem recursos, a que alguns órgãos de informação, participando na campanha do governo de manipulação da opinião publica, chamaram erradamente “alargamento do subsidio de desemprego”. Este subsidio inferior ao limiar de pobreza, que ainda não foi publicado, será igual a 60% de um IAS (Indexante de Apoios Sociais), ou seja, será igual a cerca de 250 euros, um valor que não tirará da miséria os desempregados. O governo prevê que sejam abrangidos por esta medida 50.000 desempregados o que corresponderá a uma despesa que não deverá ultrapassar os 80 milhões de euros em 2009. Compare-se este valor com o prejuízo de 1.800 milhões de euros já detectados no BPN que foi nacionalizado e que será em ultima instância suportado pelo Orçamento do Estado, apesar das declarações em contrário do ministro das Finanças na Assembleia da República que não diz a verdade (recordar o nosso artigo 18.12.2008), e nos mais de 240 milhões de euros que custarão só em 2009 os benefícios concedidos às empresas à custa da Segurança Social e do IEFP referidos anteriormente, e rapidamente concluir-se-á quem está a ser verdadeiramente apoiado por este governo.

A MAIORIA DAS MEDIDAS PREVISTAS NA PROPOSTA DE ALTERAÇÕES AO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2009 NÃO TERÃO QUAIQUER EFEITOS EM 2009

A análise da Proposta de Alterações ao Orçamento do Estado para 2009 que o governo apresentou, e que o PS aprovou na Assembleia da República, leva à conclusão que a maioria das medidas constantes dela não terão quaisquer efeitos em 2009. E isto apesar da crise que o País e os portugueses enfrentam se fazer sentir de uma forma grave em 2009.

Se analisarmos as medidas fiscais constantes da chamada “Iniciativa para o Investimento e Emprego” que o governo apresentou, que justificou as Alterações ao OE2009, conclui-se que elas não terão qualquer impacto em 2009. Assim medidas como o novo sistema de incentivos fiscais às empresas (RFAI2009), a dedução na colecta do IRS até 250€ de despesas com aquisição de equipamentos relacionadas com redes de banda larga; aumento das deduções no IRC de despesas das empresas com I&D; repetindo, todas estas medidas se tiverem efeitos, eles só se farão sentir a partir de 2010. Apenas terão efeitos em 2009, a redução do Pagamento Especial por Conta de IRC de 1250€ para 1000€, uma redução apenas de 250€, e a chamada inversão do pagamento do IVA em relação a entidades publicas sujeito passivos de IVA, que não são a maioria ( em regra, os serviços do Estado não são sujeito passivos do IVA de acordo com o artº 4º do Código), e mesmo assim algumas delas poderão ter um efeito perverso, que é o dos fornecedores do Estado terem de pagar o IVA aos seus fornecedores antes de obterem o reembolso por parte do Estado.

Outras medidas, não fiscais, que têm alimentado a propaganda do governo, só terão algum efeito se existirem famílias e empresas interessadas nelas e em comparticipar nos seus custos que são muito superiores aos comparticipados pelo Estado.

Estão neste caso as medidas não fiscais, tão propagandeadas pelo governo, no campo das energias renováveis, modernização da infra-estrutura tecnológica, e apoio especial à actividade económica constantes da “Iniciativa para o Investimento e Emprego” de Sócrates.

No campo da promoção de energias renováveis, o governo propõe-se, por ex., apoiar a instalação de painéis solares e de unidades de microgeração no segmento doméstico e de serviços, portanto é necessário, para a sua concretização, aparecerem famílias e empresas interessadas na sua instalação e estarem disponíveis em comparticipar nos seus custos.

Na área da modernização da infra-estrutura tecnológicas, que “envolve o investimento de 1000 milhões de euros, será essencialmente executado por operadores (privados) de comunicações alguns dos quais já aderiram ao protocolo promovido pelo Estado”, portanto a sua concretização está dependente de grandes grupos económicos privados (PT-Telecom, ZON, a Vodafone que não aderiu, etc.) se disponibilizarem em investir e, em período de crise, a sua disposição para fazer isso é muito reduzida.

No apoio especial à actividade económica, as medidas previstas incluem: (1) Uma linha de crédito no valor de 2000 milhões de euros para PME´s, em que o Estado se disponibiliza em gastar 75 milhões de euros na bonificação de juros, cuja concretização dependerá de existirem pequenas e medias empresas interessadas em investir;(2) Na dotação de 150 milhões para um Fundo de Apoio à reestruturação de fundo empresarial destinados a operações de fusão e aquisição de empresas, sendo da responsabilidade das empresas privadas interessadas pagar 67% das despesas sendo as restante 33% das despesas comparticipadas pelo Estado; (3) A cobertura adicional do risco de crédito até 4000 milhões de euros referentes a exportações de PME´s, cuja concretização dependerá, evidentemente, da existência de PME´s com capacidade de exportar nas actuais condições de crise; (4) Apoio à promoção externa visando a captação de mais 200.000 visitantes que geram 250 milhões de euros, segundo o governo, receitas de turismo, cuja concretização dependerá de existirem muitos mais turistas estrangeiros interessados em visitar Portugal, o que parece difícil em período de crise; etc..

Em resumo, em todas as áreas as medidas que constam da chamada “Iniciativa de Emprego e investimento” do governo para combater a crise, a sua concretização dependerá principalmente de entidades externas sobre as quais o governo não tem qualquer controlo, por isso a dimensão dos seus efeitos no combate à crise serão certamente aleatórios e insuficientes.

A única medida, inteiramente dependente do governo, e com efeitos em 2009 é a reabilitação de 100 escolas. Mas estas são para serem reconstruídas em 2009, em 2010 e em 2011. O investimento previsto em 2009 com meios financeiros públicos é apenas de 300 milhões de euros, o que criará um numero de reduzido de postos de trabalho, contrariamente ao propagandeado por Sócrates, o que é grave tendo em conta a recente previsão do INE de uma redução do investimento das empresas em 2009, em quase -10% (menos cerca de 3.000 milhões de euros do que em 2008).

Em resumo, as medidas anunciadas pelo governo para combater a grave crise que o País está mergulhado são manifestamente insuficientes e de efeitos reduzidos. São necessárias e urgentes medidas para dinamizar rapidamente o mercado interno, o que passa pela melhoria rápida do poder de compra das classes que vivem em dificuldades crescentes (reformados, desempregados, trabalhadores empregados com baixos salários) e do investimento publico para compensar a elevada quebra prevista no investimento privado. Mas quanto tempo levará este governo a perceber a gravidade da crise actual? – É uma questão que deverá preocupar todos os portugueses.
Eugénio Rosa - Economista - 10.2.2009

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