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24/09/2010

"Só está na polícia quem não tem mais que fazer"

Jeniffer Lopes

Os agentes da PSP encaram com pessimismo o futuro da profissão e desaconselham os mais jovens a enveredar por essa carreira

"Hoje não vinha para a polícia", afirma Pedro Antunes. Tem 43 anos e é polícia há 20. Aos jovens, desaconselha a opção de enveredar por uma carreira na PSP, dizendo que as perspectivas de futuro não são muitas. Há alguns anos, Pedro Antunes imaginava-se reformado cedo e disponível para realizar alguns sonhos. Actualmente, quando observa colegas com quase 60 anos e que continuam à espera da reforma, sente que terá de desistir da vida que tinha imaginado. "O meu sonho foi-se", desabafa. Ontem, no Terreiro do Paço, em Lisboa, muitos eram os polícias desiludidos com o ofício. Os mais velhos desaconselham os mais novos a optar por uma carreira na PSP. Não vêem futuro na profissão. "Só mesmo se não tiverem mais nada é que devem vir para a polícia", diz Fernando Lima, da cidade Guarda. Os mais novos, que estão agora a dar os primeiros passos na PSP, também não encaram os tempos que aí vêm com optimismo. Mário Frazão tem 22 anos e está na polícia há um. Decidiu vir à manifestação para apoiar os colegas, mas também já a pensar no futuro. "Na categoria em que estou, de agente, não vejo grandes perspectivas", confessa o jovem. "Está tudo mal na polícia", diz o agente Alcântara, que esteve na PSP 33 anos. O polícia aposentado fala na "falta de apoios, de viaturas, até de papel para uma impressora". As condições em que os polícias trabalham têm tornado o trabalho precário. "Há casas de banho degradadas e que nem sequer um rolo de papel higiénico têm", afirma o mesmo agente. "Uma vez, um polícia estava sozinho numa esquadra, não fechou a porta, e foi agredido por uns indivíduos", conta.

Iolanda tem 34 anos e trabalha em Lisboa. Segundo a polícia, os horários e a falta de folgas são os principais problemas. "Quem quer ir ver a família à terra não pode", afirma. Para além disso, considera inadmissíveis os salários atribuídos aos elementos do escalão mais baixo da polícia. "Quem dá a cara é quem recebe menos", constata Iolanda. "Devia ser dado muito mais valor ao trabalho que por eles é feito", afirma a polícia. Pedro Antunes concorda: "As chefias já foram todas aumentadas e os pequeninos, os agentes, que são aqueles que precisam mais, estão a ganhar 800 euros por mês. Esses é que estão sempre na frente, na linha de combate."

Américo Amaro veio de Coimbra para também ele participar na manifestação. Com 56 anos, vê a reforma aproximar-se e sente-se injustiçado. "Estou quase a ir para a aposentação e sinto-me altamente prejudicado", afirma. Tem 28 anos de polícia e está no escalão três, quando devia estar no escalão seis, a ganhar mais.

Ainda antes do início da manifestação, um comunicado do Governo anunciava o desbloqueamento das verbas reivindicadas. "Manobra de diversão", foi a expressão que alguns agentes utilizaram para classificar esta atitude. "Penso que é uma promessa só para desmobilizar as pessoas e fazer sentir à população que está tudo bem com a polícia, mas não está", afirma Américo Amaro. Os polícias, decididos em não arredar pé, querem as garantias do Governo "preto no branco, no papel".

Enquanto uns continuam a acreditar que a manifestação permitirá obter o que os polícias desejam (o que levará ao fim dos protestos), outros já não esperam nada. "Penso que a manifestação não vai dar em nada, mas, pelo menos, as pessoas ficam sensibilizadas em relação ao caos que a PSP está a atravessar", diz Américo Amaro.

http://jornal.publico.pt/noticia/24-09-2010/so-esta-na-policia-quem-nao-tem-mais-que-fazer-20267442.htm  

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