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23/09/2010

Portugal não está condenado à pobreza - Falta vontade política para a batalha da produção

Anselmo Dias

Ao princípio foi o défice orçamental que justificou, por imposição do acordo PS/PSD, a regressão social nas funções sociais do Estado e no investimento público.

Agora o estribilho é outro. São as consequências da dívida pública derivadas não só da amortização do «calote» português aos agiotas, como do pagamento dos respectivos juros a taxas cada vez mais elevadas.

A este respeito surgiram recentes estudos de natureza académica a prever, num curto espaço de tempo, uma quebra de cerca de 1,75% no valor nominal do nosso produto interno.

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Essa diminuição deriva do facto de a dívida externa ser muito elevada, conjugada com o cumprimento das respectivas obrigações contratuais, de que resultará o envio de muitos milhões de euros destinados aos nossos credores estrangeiros, verbas que não poderão ser, ou investidas na nossa economia ou distribuídas sob a forma de prestações sociais.

Da correlação entre a dívida e a evolução do PIB resultará, segundo tais investigadores, o progressivo empobrecimento do País (leia-se: empobrecimento dos trabalhadores, desempregados, reformados, beneficiários da segurança social, entre outros).

O mote está dado.

A lengalenga de que não é possível distribuir aquilo que não se produz tem o caminho facilitado pela teoria de que, a uma elevada dívida externa, corresponde uma diminuição do produto interno bruto.

Eis mais um dogma em curso ao serviço do conformismo e da inevitabilidade de que, sempre para os mesmos, o aperto do cinto é o caminho certo e seguro.

Perante tal cenário qual a resposta do Governo?

Aumenta os impostos, por via do IRS.

Aumenta o preço dos artigos de primeira necessidade, por via do IVA.

Aumenta a pobreza, por via da redução das prestações sociais.

Trata-se de uma terapêutica que passa ao lado de uma mais justa distribuição da riqueza e que acresce crise à crise, ou seja, potencia a retracção do consumo, do investimento e do PIB.

Ao contrário de tal opção os comunistas propõem a adopção de uma política de Estado em defesa e promoção do nosso aparelho produtivo, que concretize, entre muitas outras medidas, um modelo de substituição de importações por produção nacional.

Este propósito, embora abrangente, deve, prioritariamente, combater o défice agro-alimentar, não só por razões estratégicas como pelo facto de ser aquele que mais rapidamente poderá ser superado, de que resultarão, a curto prazo, consequências positivas no mercado de trabalho, bem como reflexos positivos na indústria e nos serviços (abre-se aqui um parêntesis para perguntar aos ideólogos da economia de mercado se alguma vez fizeram um estudo no sentido de calcular qual o acréscimo no emprego na indústria e nos serviços por cada posto de trabalho criado na agricultura, produção animal e silvicultura e pescas. Fizeram? É o fazes!).

Para se compreender o alcance das medidas propostas pelo PCP nada melhor do que conhecer os dados do comércio internacional, em ordem a inventariar aquilo que compramos ao estrangeiro e aquilo que lhes vendemos, para, dessa forma, aquilatar a irracionalidade do modelo de desenvolvimento vigente, imposto pelo bloco central de interesses.


O comércio internacional português


Os grandes défices do nosso comércio internacional radicam-se em 4 grandes sectores tendo em conta a diferença entre o valor das importações e o valor das exportações, em 2009.

Assim:

- Em primeiro lugar, temos as máquinas e material de transporte com um défice de 6796 milhões de euros;

- Em segundo lugar, temos os combustíveis minerais, lubrificantes e produtos conexos, com um défice de 4943 milhões de euros;

- Em terceiro lugar, temos os produtos químicos e produtos conexos, com um défice de 3978 milhões de euros;

- Em quarto lugar, temos os produtos alimentares com um défice de 3708 milhões de euros.

A resolução de cada um destes défices envolve, naturalmente, diferentes especificidades.

No caso do défice em maquinaria e material de transporte é de assinalar que importámos veículos automóveis no valor de 3078 milhões de euros, a que acrescem acessórios no valor de 1647 milhões de euros, verbas que poderiam ser minimizadas se não houvesse, como há, uma publicidade agressiva, apoiada num crédito fácil, na substituição de viaturas relativamente novas por outras viaturas ainda mais novas, a pretexto de alterações cosméticas nos motores, na estética do carro e na eventual redução do CO2.

A renovação obsessiva da frota automóvel, estimulada pelo Governo, tem, naturalmente, custos no desequilíbro das nossas contas externas, explicada, em muitos casos, pelo poder do lobby comercial associado ao comércio automóvel, a que se junta, por parte de muitos consumidores, o prazer da novidade e da ostentação.

Contudo, dada a dimensão da aquisição de automóveis ao estrangeiro, cabia ao Governo criar condições de reciprocidade pela via do fortalecimento de uma estabilizada indústria de componentes cuja produção devia, tanto quanto possível, corresponder ao valor das importações.

No caso dos combustíveis a questão é outra. O País não dispõe de poços de petróleo. Mas devia dispor de tecnologia adequada no sentido da racionalização do uso da energia na indústria transformadora, sem esquecer as economias que poderiam resultar se fosse dada melhor atenção ao transporte público, bem como a métodos mais inteligentes na área da construção de edifícios, tendo em conta o que, em excesso, se consome em iluminação, em aquecimento e em refrigeração.

Enfim, o País, desde há muitos anos, paga caro a ausência de uma política consequente na área da eficiência energética.

No caso dos produtos químicos e produtos conexos, chama-se a atenção para os 2237 milhões de euros gastos na importação de medicamentos, produtos medicinais e farmacêuticos, parte dos quais, por razões económicas e estratégicas, poderiam e deveriam ser fabricados em Portugal.

Por outro lado, não devemos esquecer o desperdício derivado entre as várias patologias diagnosticadas pelos médicos e a dimensão das embalagens prescritas, muitas das quais, por não serem utilizadas, são pura e simplesmente atiradas para o caixote do lixo, ou seja, o circuito de muitos medicamentos passa directamente da importação para a lixeira mais próxima.

Acresce a tudo isto o facto de a nossa medicina ser, essencialmente, curativa, em vez de ser preventiva, com tudo o que isso significa no excessivo consumo de medicamentos para bem dos accionistas das grandes empresas multinacionais.

Falemos, finalmente, do défice alimentar. Antes de mais convém dizer que, em 2009, importámos produtos alimentares e animais vivos no valor de 6079 milhões de euros, enquanto a exportação não foi além de 2371 milhões de euros, o que explica o défice já atrás referido de 3708 milhões de euros.

O que é que comprámos lá fora? Vejamos os 10 agrupamentos mais significativos:

- Peixes, crustáceos, moluscos, invertebrados aquáticos e conservas várias: 1229 milhões de euros;

- Carnes, animais vivos, miudezas e conservas: 1063 milhões de euros;

- Cereais: 628 milhões de euros;

- Leite, produtos lácteos, manteiga, queijos, requeijão e ovos: 569 milhões de euros;

- Frutas (excepto oleaginosas) e suas conservas: 526 milhões de euros;

- Produtos hortícolas, suas preparações e conservas: 376 milhões de euros;

- Preparações à base de cereais, frutas e legumes: 345 milhões de euros;

- Alimentos para animais: 294 milhões de euros;

- Açúcares, melaços e mel: 238 milhões de euros;

- Chocolate, cacau e suas preparações: 165 milhões de euros.

Se desagregarmos estes dados por cada uma das nomenclaturas (CTCI-rev4) a 3 dígitos verificamos que somos excedentários em alguns produtos, designadamente na área das manteigas, das conservas de peixe e nas preparações ou conservas de produtos hortícolas, em valores, contudo, muito modestos.

Onde a diferença tem uma expressão significativa é no sector das bebidas alcoólicas.

Com efeito, comprámos ao estrangeiro bebidas no valor de 251 milhões de euros e exportámos bebidas no valor de 774 milhões de euros, ou seja, tivemos um saldo positivo de 523 milhões de euros.

Tal saldo, embora importante, não chega contudo, por exemplo, para neutralizar o défice alimentar na área do pescado.


O défice alimentar: uma questão estratégica


Do atrás exposto fica uma pergunta: o País tem ou não condições para suprir o criminoso défice alimentar?

É óbvio que tem. Basta, para o efeito, atender ao vastíssimo conjunto de propostas sugeridas pelo PCP ao longo dos anos.

Não faltando propostas, então o que falta?

Falta a vontade política.

Contudo, tal vontade, nos últimos 35 anos, por parte do bloco central, tem sido a de acarinhar a especulação financeira, a financeirização da economia e a sua terciarização, esta última baseada em serviços onde pontificam os baixos salários (limpeza, segurança, boutiques, comércio a retalho, hotelaria, restauração, call-centers e similares).

Sobretudo, desde o primeiro governo de Cavaco Silva, houve o desígnio de associar o nosso modelo de desenvolvimento a uma fantasia: a de que a nossa modernidade económica passava, inexoravelmente, pelo sector de serviços, em detrimento da produção de bens transaccionáveis.

A este propósito quem não se lembra, durante os governos do actual Presidente da República, da política de extermínio do nosso olival e do abate da frota pesqueira?

O abandono das terras, o desinteresse pelas capturas de pescado e a desindustrialização, deu no que deu: um País deficitário em comida, obrigado a comprar lá fora parte do que podia produzir cá dentro.

É neste contexto extremamente gravoso que o PCP, no seguimento de iniciativas anteriores, insiste na necessidade de uma nova Reforma Agrária nos campos do Sul com a liquidação da propriedade latifundiária e a racionalização fundiária pelo livre associativismo no Norte e Centro do País.

A par disto o PCP evidencia a exigência da reconstituição de um forte Sector Empresarial do Estado onde, por via da nacionalização ou negociação adequada, a banca constitua um elemento decisivo na drenagem de recursos para as actividades agrícolas e piscatórias, sabido, como se sabe, que actualmente a banca não chega, sequer, a disponibilizar 1% do total do crédito concedido a tais sectores, o que configura um comportamento danoso por parte dos banqueiros relativamente à economia real.

Enquanto há um aperto ao crédito aos sectores ligados à alimentação dos portugueses, verifica-se uma forte disponibilidade no crédito às actividades imobiliárias, alugueres e serviços prestados às empresas, isto sem esquecer os milhões de euros concedidos aos especuladores, bem exemplificado no caso dos empréstimos, pela Caixa Geral de Depósitos, aquando da recente alteração accionista no BCP.

Se tivermos em conta o atrás referido e o relacionarmos com a importância potencial que o Alentejo, Trás-os-Montes, a Beira Interior e o Ribatejo têm na produção alimentar, e o crédito total concedido a tais regiões, a conclusão é de pasmar.

Com efeito, a banca, a essas regiões, disponibilizou apenas, em 2009, 10,1% do total do crédito, contra os 58,1% concedidos a Lisboa e o Porto.

Por tudo isto, em oposição a tal assimetria, o povo português tem todas as razões para exigir a existência de um Plano económico, simultaneamente patriótico e progressista, sem o qual não é possível alcançar o equilíbrio produtivo adequado à contemporaneidade do nosso consumo.

Para tanto exige-se um planeamento onde se realize uma avaliação dos recursos humanos, tecnológicos e financeiros, dos meios de produção necessários, do défice da balança comercial e, sobretudo, exige-se uma política de Estado que resolva o diversificado conjunto de défices por via da produção tendente à satisfação do mercado interno e à valorização da exportação, e não por via da regressão social como a que é imposta pelo acordo do PS com o PSD.

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Fontes:

- INE, resposta ao Requerimento do PCP de 21 de Junho;

- Jornal Avante!, de 2 de Setembro;

- A banca é também responsável pela grave crise económica e social que o País enfrenta, Eugénio Rosa, 5/5/2010.

http://www.avante.pt/pt/1921/temas/110493/

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