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14/01/2010

Contestado financiamento público ao ensino privado

Instituições particulares recebem quase 300 milhões para um universo de 309 mil alunos.

No último ano, o Ministério da Educação transferiu para colégios e instituições privadas quase 300 milhões de euros. A verba, que representou um aumento de 3,1% em relação a 2008, é um terço superior ao reforço do orçamento para o ensino superior público.

Enquanto o Ensino Superior público só agora chegou a acordo com o Estado para ver reforçado o seu orçamento em 100 milhões de euros (o equivalente a 10%), o ensino básico e secundário privado recebe há vários anos mais do dobro desse aumento: no ano passado, foram 285 milhões de euros.

O ensino privado tinha em 2007 (últimas estatísticas disponíveis no site do ME) 309 mil alunos - quase metade integrado no pré-escolar. Na mesma altura, frequentavam o ensino público mais um milhão de 300 mil alunos.

Fonte do Ministério da Educação (ME) esclareceu ao JN que "o investimento do Estado no ensino privado justifica-se por ser necessário compensar as carências da rede pública", sendo "todo o investimento nesta área um investimento na educação do país". A política não é nova, mas a sua continuidade suscita dúvidas.

Não está em causa a possibilidade de, com a ajuda estatal, os alunos carenciados poderem frequentar gratuitamente estabelecimentos privados. "O problema é que o forte investimento público nesse sector, sobretudo através de contratos de associação - acordo que estipula que é o Estado quem paga a totalidade da remuneração aos professores - já não se justifica", garante Luís Lobo, dirigente da Federação Nacional de Professores (Fenprof).

Além de "imoral", acusa, ilustra "a má avaliação que o Estado faz da escola pública". E explica porquê. "No final da década de 80, o ensino público não suportou o acréscimo de alunos e teve que recorrer ao privado. Nessa altura, celebraram-se vários contratos de associação. Mas hoje muitas escolas públicas já têm capacidade para receber esses alunos. Logo, o investimento estatal é excessivo. As premissas mudaram, mas o investimento continuou", critica.

Miguel Tiago, do PCP, considera que esse financiamento ilustra "a forma como o Estado tem vindo estrangular as escolas públicas". O deputado dá um exemplo: "Bastaria uma verba entre 25 e 35 milhões de euros - o equivalente a 0,2% do orçamento do Ministério da Educação - para que os manuais escolares até ao 9º ano fossem gratuitamente disponibilizados aos alunos. E nunca nenhum governo quis tomar essa decisão. Preferem alimentar os colégios privados".

Fonte do Ministério da Educação assegura que esse "investimento é feito cautelosamente, de acordo com a competência das organizações" e rejeita "o desinvestimento no ensino público". A título de exemplo, nomeou o plano tecnológico da educação, a aprendizagem ao longo da vida (Novas Oportunidades) ou a renovação do parque escolar. Só que são justamente esses argumentos que levam o deputado do PCP a afirmar que "o Estado está a vocacionar a escola pública para o ensino profissional e o privado para o prosseguimento escolar".

Luís Lobo não nega que "o investimento no parque escolar público é considerável", mas "insuficiente". A balança, afirma, poderia equilibrar-se se o Estado "não estivesse preso aos contratos que assumiu com os colégios - muitos deles vivem só do Estado. Não há coragem para fechar colégios".

Os contratos "são renovados anualmente", diz a tutela. Mas é essa tutela, contesta o comunista, que "nunca aceitou explicar os critérios dessa renovação".

A realidade em números

285 milhões de euros foi a verba transferida pelo Ministério da Educação para o ensino particular e cooperativo em 2009.

35 milhões de euros bastariam para que todos os manuais escolares até ao 9º ano fossem disponibilizados gratuitamente aos alunos, diz o PCP.

317 mil alunos frequentam o ensino superior público. Se considerarmos que cada um paga em propinas cerca de mil euros por ano, atingimos o montante que o Estado investe no ensino particular o cooperativo.

277 milhões é o valor necessário para acabar com quase todas as propinas.

Portugal no topo da ODCE

Portugal é um dos 30 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que mais investe no ensino privado. Pesa ao Estado 13,5%, quando a média da ODCE aponta para 2,9% no 1º ciclo do ensino básico e 5,3% no secundário.

80 milhões de euros é o financiamento anula do Estado só para colégios privados.

http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=146927

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