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05/01/2010

Aumento no preço do coletivo contribui para a acentuação da exclusão social no país

Michelle Amaral

A tarifa dos ônibus municipais está prevista para subir em pelo menos cinco capitais em 2010. Em 2009, das 27 capitais, somente seis não reajustaram as passagens, entre elas, São Paulo e Rio de Janeiro.

O prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM), no entanto, já anunciou que o preço dos ônibus municipais aumentará. E, segundo ele, a elevação prevista para 2010 será uma “recuperação” da tarifa dos últimos três anos.

O último reajuste na cidade de São Paulo foi de 15%, no final de 2006. A tarifa não foi reajustada na capital paulista em 2009 por conta de uma promessa da campanha eleitoral de 2008. Hoje, o valor da tarifa dos ônibus municipais é de R$ 2,30 e especula-se que o novo valor possa chegar a até R$ 2,80. Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Transportes informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se pronunciará a respeito do aumento.

Empecilho

Nas capitais, o valor médio das tarifas dos ônibus municipais varia entre R$ 1,60, em São Luís (MA), e R$ 2,80, em Florianópolis (SC). Daniel Guimarães Tertschitsch, militante do Movimento Passe Livre (MPL) e editor do site TarifaZero.org, afirma que “a tarifa faz com que o serviço de transporte coletivo não seja, na prática, capaz de garantir o direito de ir e vir de todas as pessoas”.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelaram que, em 2006, cerca de 37 milhões de brasileiros não podiam pagar pelas tarifas do transporte público e, por isso, se locomoviam a pé. Para o militante do MPL, “esses dados tendem a se agravar rapidamente, com o constante crescimento da população urbana e a insistência neste modelo de concessão privada financiada pela tarifa”.

Os contratos com as empresas que prestam serviço na área do transporte público são firmados pelos governos municipais e estaduais sob o regime de concessão ou permissão e podem durar de 20 a 30 anos.

Fator de exclusão

Em São Paulo, além da elevação prevista nos ônibus municipais, no início deste ano já houve um aumento de 7% a 9% das tarifas dos ônibus intermunicipais, na região metropolitana, e do preço do bilhete unitário da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que sofreu reajuste de 6,3%, indo de R$ 2,40 para R$ 2,55.

Tertschitsch pondera que o transporte coletivo deveria ser tratado como outros serviços básicos, como saúde e educação, sendo provido pelo Estado. “A distinção entre o que é público e privado reside no fato de que público é aquilo que não tem restrições ao uso. No caso, o transporte coletivo passa a ser privado no momento em que seu uso é mediado pela tarifa”, define.

O militante do MPL afirma que a cobrança de tarifa no transporte coletivo acaba excluindo a população mais carente dos outros serviços básicos, pelo fato de que o transporte é um direito que dá acesso a outros direitos. “Se o sujeito tem de pagar para ir à escola, a escola é gratuita? Se tem de pagar para chegar até o hospital, a saúde é gratuita?”, questiona.

Para Paulo Cesar Marques da Silva, professor na área de transportes do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), “na situação em que nos encontramos hoje, o transporte público deixou de ser, na prática, um serviço público e passou a ser tratado como uma atividade econômica qualquer, regida unicamente pelas leis do mercado”.

Dessa forma, o professor analisa que, focado acima de tudo no resultado econômico, o transporte coletivo deixou de ser “um fator de inclusão e tornou-se um fator de acentuação da exclusão social”.

Modo de gestão

Marques da Silva afirma que, em meados dos anos de 1970, soluções para o transporte por ônibus chegaram a levar o Brasil à condição de referência internacional. No entanto, em anos mais recentes, a onda neoliberal trouxe efeitos devastadores para o setor. “A desregulamentação de inspiração thatcherista que varreu a América Latina e desmantelou outras referências, manifestou-se no Brasil pela via da privatização de boa parte do que havia restado de sistemas sobre trilhos e pela saída de cena do Estado como gestor dos sistemas por ônibus”, explica o professor.

O engenheiro Lúcio Gregori, que foi secretário de transportes entre 1990 e 1992, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (então no PT), explica que “não há política nacional, estadual ou municipal que, de fato, priorize o transporte coletivo de qualidade e de caráter público, isto é, acessível para a maioria”.

Tertschitsch critica o modo de gestão dos transportes, justamente pelo fato de a prestação de serviço ficar à cargo da iniciativa privada. “Empresa privada existe para dar lucro, não para oferecer um serviço de qualidade para a população”. O militante afirma que uma das bandeiras do MPL é a retomada do controle do setor de transportes pelos governos.

Gregori completa explicando que no Brasil o transporte coletivo é tratado como negócio e não como serviço público. Ele lembra que o transporte não é algo que tenha como finalidade se ganhar dinheiro, “mas um meio de fazer a sociedade andar, literalmente”.

Financiamento

Assim, o transporte público, como serviço público e instrumento da universalização do direito de ir e vir, não pode onerar unicamente o seu usuário, no momento de usar o serviço. “É preciso pensar o transporte como pensamos a saúde e a educação públicas, por exemplo”, defende Marques da Silva, que acrescenta que esses serviços são mantidos por toda a sociedade, na forma de impostos e contribuições sociais, e disponíveis indistintamente para todas as pessoas, independente da capacidade de pagamento.

Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2002-2003 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostraram que o transporte ocupa o terceiro lugar na relação de gastos das famílias brasileiras. Tertschitsch explica que “quem banca, quase que integralmente, o sistema é o usuário” e, como as pessoas mais pobres não podem sustentar esse custo, acabam deixando de usar ônibus.

Marques da Silva atribui esse problema à lógica mercadológica das cidades e de seus sistemas de transportes. “Essa conjunção histórica resulta num quadro em que cabe à população mais carente o financiamento de um sistema caro e do qual ela só depende porque as elites construíram as cidades segregando-a social e espacialmente”.

Outro ponto levantado pelo militante do MPL é o fato de que muitas empresas, por causa do alto preço das tarifas de transporte público, têm se recusado a arcar com o vale-transporte de trabalhadores que moram longe de seus locais de trabalho. “Se o transporte é essencial para a reprodução do capitalismo (levar os trabalhadores para o trabalho e os estudantes para os locais de formação), por que é que são os usuários que pagam o sistema? O modelo hoje está estabelecido no conceito de 'paga quem usa' quando o correto seria o 'paga quem se beneficia'”, defende.

Tarifa zero

No conceito da gratuidade, ou tarifa zero, defendido pelo MPL, o sistema de transporte coletivo passaria a ser financiado não mais através da cobrança de tarifas, mas de outras formas, como por subsídios dos governos ou cobrança através de taxas, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Na contramão desse conceito, Gilberto Kassab, além do aumento nas tarifas dos ônibus em 2010, anunciou também, no dia 16 de novembro, o reajuste do IPTU em pelo menos 40% para imóveis residenciais e 60% para os comerciais. Kassab sugeriu aumento de até 300%, em projeto enviado à Câmara Municipal, sob justificativa de ter efetuado melhorias na cidade, como a construção de estações de metrô.

Em todo mundo, somente cerca de 20 cidades mantém a tarifa zero em seus transportes coletivos. Entre elas, Hasselt, na Bélgica, que utiliza o sistema desde 1997. O engenheiro Lúcio Gregori utiliza a cidade belga como exemplo para explicar como a gratuidade dos transportes coletivos contribui para o aumento da mobilidade urbana. “O número de passageiros transportados em 1996 era de cerca de 360.000 passageiros/ano. Em 1997, logo após a gratuidade, passou a cerca de 1.400.000 e em 2008 estava em mais de 4.100.000. Aumento de cerca de 1.315%”, detalha. Na cidade belga, segundo Gregori, a gratuidade é bancada por fundos com recursos federais, estaduais e municipais. “Política pública de transportes coletivos é isso”, conclui.

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/cobranca-de-tarifa-impede-mobilidade-urbana-no-pais/view

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