Gritos, corre-corre, policiais, bolinhas de papel e xingamentos. As imagens de centenas de estudantes cercando uma moça loira de jaleco branco se espalharam pela internet tão rápido quanto a onda criada nos corredores na Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), em São Bernardo do Campo (SP), que perseguiu e expulsou a estudante do curso de Turismo, Geisy Villa Arruda, no dia 22 de outubro.
Na ocasião, Geisy usava um vestido curto, cor de rosa e, por isso, foi hostilizada, humilhada e duas vezes expulsa por alunos, professores e a reitoria da Uniban.
Apesar das cenas expostas no YouTube, parte dos meios de comunicação se somou a onda da Uniban e passou a criticar a vítima da agressão, apontando “a falta de etiqueta” da moça e seu “microvestido” como responsáveis pela selvageria.
Nos dias seguintes, Geisy foi cercada por programas de rádio, tevê, revistas e jornais impressos. Viu colegas e professores a hostilizarem via imprensa e por isso passou a sentir medo de voltar a estudar.
Em uma posição de dupla moral os meios de comunicação especularam sobre sua vida. De um lado venderam o corpo de uma bonita mulher (inclusive especulando se ela sairia nua em uma revista masculina), por outro condenaram seu comportamento.
Assim, num sábado, dia 7, a aluna foi expulsa pela reitoria da Uniban que, por meio de seu corpo jurídico, justificou a punição afirmando em nota que a aluna seria excluída “do quadro discente da instituição, em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”.
Dois dias depois, os questionamentos do Ministério Público Federal, do Ministério da Educação e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e uma manifestação organizada pela União Nacional dos Estudantes e pela Marcha Mundial das Mulheres em frente à universidade surtiram efeito e a aluna foi readmitida no curso de Turismo.
Sinais de que?
O episódio da Uniban traz luzes para aspectos de comportamentos crescentes na sociedade, como o conservadorismo e a despolitização dos jovens nas universidades. Sônia Coelho, militante da Marcha Mundial das Mulheres, conta que durante o protesto em frente à universidade “muitas eram as reações de repúdio contra quem estava protestando”.
“O que mais impressiona neste caso é o conjunto dos absurdos, a reação coletiva. Quem viu no YouTube, viu que realmente foi assustador” afirma Sônia, que completa: “A atitude da Uniban demonstra como a sociedade justifica sua violência contra as mulheres. E quando uma violência como esta é justificada na sociedade, isso estimula e banaliza a agressão. Esta violência não é contra a Geisy. Porque esta é a violência que deixa a mulher insegura, se perguntando se será agredida quando sair a noite na rua, já que um homem pode agredi-la e isso ser justificado na sociedade pelo comportamento da mulher”.
Na opinião de Fabiola Paulino, diretora de mulheres da UNE, as agressões de gênero fazem parte do cotidiano das estudantes do ensino superior de todas as universidades. “A gente sabe que essa é uma opressão cotidiana. Durante os trotes, os estudantes carregam nas ‘brincadeiras’ machistas. A trajetória acadêmica é de humilhação para as mulheres. É possível ver como as mulheres são tratadas como mercadoria nas imagens de cartazes das calouradas e nos convites para as festas das universidades”.
A diretora da UNE afirma que a questão de gênero, dos negros e dos movimentos sociais deveria estar presente nas universidades. “Ao contrário, o que temos, é uma educação cada vez mais mercadológica, contrária a uma educação de princípios e valores emancipatórios”, declara Fabiola.
Para a militante da Marcha Mundial das Mulheres, não só as universidades, mas a educação escolar, desde os primeiros anos, é um dos mais fortes agentes de reprodução da desigualdade e do machismo. Para combater essa violência, o artigo terceiro da Lei Maria da Penha prevê formação escolar que combata a opressão de gênero nas escolas constando “nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher”.
Brasil de Fato - 12.11.09
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