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08/09/2009

Pessoas que trabalham em casa continuam à margem da lei

O trabalho no domicílio está regulado há 18 anos, mas desconhece-se quantas pessoas trabalham em casa porque a lei não é cumprida, disse à Lusa uma investigadora, adiantando que o novo regime jurídico, hoje publicado, nada avança neste domínio.

A regulação do trabalho dos menores de 16 anos, que podem "prestar a actividade desde que tenha concluído a escolaridade obrigatória e se trate e trabalhos leves" é a principal novidade da Lei n.º 101/2009.

Quanto ao resto, "não muda grande coisa", afirmou a economista Anne Marie Delettrez, que se tem dedicado ao estudo da problemática do trabalho no domicílio.

"A lei existe desde 1991, mas não é aplicada pelas empresas porque não registam os trabalhadores. Além disso, não há qualquer fiscalização. Por isso, oficialmente, existem muito poucos trabalhadores no domicílio".

Na realidade, serão milhares. Por não estarem legalizados, estes trabalhadores estão fora das estatísticas oficiais e estão excluídos dos benefícios da segurança social. "São trabalhadores que não têm direitos, não descontam nem têm direito à reforma".

Calçado, confecções e malhas são alguns dos sectores de actividade em que este recurso é utilizado e que a investigadora analisou e identificou num estudo feito para o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) entre 2000 e 2001.

No Vale do Ave, as principais áreas que usavam estes trabalhadores eram a confecção e as malhas, em Felgueiras e Santa Maria da Feira predominava o sector do calçado e na Covilhã o têxtil.

A mão-de-obra é sobretudo feminina e os trabalhadores são normalmente pagos à peça, acrescentou a mesma especialista.

"Em Oeiras, encontrei mulheres que desfiavam bacalhau e eram pagas ao quilo, normalmente nos tecidos são pagas ao metro. É sempre um trabalho mal pago e nalguns casos podem receber apenas um euro por hora", salientou Anne Marie Delettrez. Muitos artesãos vendem as suas obras a intermediários que depois as colocam nas lojas a preços substancialmente superiores.

A Madeira é uma excepção neste domínio, já que tem uma lei específica que salvaguarda o trabalho das bordadeiras.

A economista referiu ainda que os trabalhadores estão completamente dependentes dos intermediários, que chegam a ficar com 30 por cento da remuneração.

"Eles é que impõem os prazos, os preços e a qualidade do trabalho. Chegam com uma grande encomenda e pedem tudo para o dia seguinte, obrigando toda a família a trabalhar para cumprir o prazo. Muitos dos menores têm de ajudar a família.

Já vi crianças muito pequenas a abrir buracos com uma agulha para depois as mães coserem os sapatos, é um trabalho muito duro".

As empresas garantem que cumprem a lei, mas esta é omissa quanto à responsabilidade sobre os intermediários.

"A lei fala em beneficiário da actividade. Quem é este beneficiário? Na nossa opinião são as empresas que deviam ser responsáveis", frisou a investigadora.

O trabalho no domicílio é essencialmente manual, mas não só. Trabalhos de natureza intelectual, como o dos tradutores ou revisores de texto, que estavam excluídos do anterior regime jurídico, passam a estar abrangidos pelo novo diploma.
Público.pt - 08.09.09

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