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07/09/2009

Primeira calceteira de Loures vive na miséria

Foi a primeira mulher do concelho de Loures a desempenhar uma tarefa em que os homens predominam. Agora, aos 36 anos, Maria Antónia Mendes está desempregada e precisa da ajuda do Banco Alimentar para ter comida na mesa.

Dois mil e oito foi um ano terrível para Maria Antónia. Ficou no desemprego e, em Fevereiro desse ano, viu as cheias que assolaram a Grande Lisboa invadirem a pobre casa onde morava, em Ponte de Frielas, destruindo quase todo o recheio.

As condições da habitação eram tão más que o Tribunal de Menores ordenou que os filhos do casal, com 14 e 17 anos de idade, fossem retirados à guarda dos pais.

Agora, Maria Antónia regressou à sua terra de origem, Fanhões, e é o magro vencimento de 550 euros do companheiro que ajuda a suportar os 300 euros de renda da casa. A solidariedade da senhoria também tem sido preciosa. "Já cheguei a dever quatro meses mas ela disse-me que nunca me ia deixar na rua", diz Maria Antónia.

Por falta de pagamento, a desempregada tem a água cortada. E ainda há outras despesas difíceis de suportar, como a renda da casa e a comida, que, em parte, vem do Banco Alimentar Contra a Fome.

A balança entre os muitos gastos e os parcos rendimentos ainda fica mais desequilibrada devido às despesas de saúde da filha, de 17 anos, que sofre de problemas renais, tendo já retirado um rim por causa de um tumor. "Recebo um subsídio de 150 euros por causa da saúde da minha filha, mas ela tem de pagar as consultas e o resto. Só no hospital temos cento e tal euros para pagar e na farmácia também", queixa-se Maria Antónia.

Devido aos problemas de saúde, a jovem também está desempregada, depois de ter sido despedida "por causa de ter de faltar muito". As dificuldades da família estendem-se até ao filho mais novo que, aos 14 anos, "nem o nome sabe escrever e não quer estudar, só pensa em trabalhar", diz Maria Antónia.

Apesar de nunca ter sido fácil, a vida de Maria Antónia já passou por dias mais sorridentes. Por volta dos 18 anos, começou a dar serventia aos calceteiros e apaixonou-se logo pelo ofício. "Quando apanhava o meu ex-marido distraído ia lá e começava a pôr calçada. Quando ele vinha, dizia-me que este trabalho era para os homens", conta.

Ignorando a pressão de ser mulher numa profissão tradicionalmente masculina, a natural de Fanhões - terra com uma grande tradição na colocação de calçada - não desistiu do ofício e tornou-se, segundo ela, a primeira calceteira do concelho de Loures.

Quase sempre a trabalhar por conta própria, Maria Antónia fez trabalho para juntas de freguesia, câmaras municipais e particulares. Entre os seus trabalhos esteve a colocação de calçada nalgumas estações do Metro Sul do Tejo, como Laranjeiro, Corroios e Monte da Caparica.

Porém, o trabalho foi escasseando e Maria Antónia acabou por se juntar aos mais de sete mil inscritos no centro de emprego em Loures. Por estes dias, vai aproveitando os pequenos trabalhos que aparecem esporadicamente, seja a colocar calçada, a fazer limpezas, a passar a ferro para fora ou a tomar conta de pessoas.

"Agora aceito seja o que for, mas adorava continuar na calçada, que é o que gosto de fazer", remata.

J.N. 07.09.09

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