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17/08/2009

Que política de C&T para a saída da crise?

Francisco Silva

As diferentes situações por que vão passando as sociedades implicam - como é natural pensar - diferentes ajustes nas políticas mais adequadas à sua evolução e, nomeadamente, a um seu multilateral desenvolvimento.
Implicada por esta afirmação encontra-se em posição destacada, mesmo central, a Política de Ciência & Tecnologia (C&T), em particular a sua componente de Investigação & Desenvolvimento (I&D). E encontram-se também, portanto, por um lado, a Política relativa à acumulação de conhecimento científico (acumulação que não é possível sem uma concomitante actividade «pesada» de investigação científica propriamente dita - com frequência chamada «investigação pura») e, por outro lado, a Política de Inovação, uma actividade que só existe de facto se estiver bem para além de um cego praticismo e de um querido desenrascanço ocasional, na verdade uma actividade que deve merecer consistente e persistente aplicação do conhecimento que vai sendo criado e onde como que devem desembocar em amplo estuário todas aquelas actividades. No seu conjunto constituem, pois, um complexo de políticas essenciais e, mais do que isso, de todo inescapável nos dias que correm.
Dias que correm, no caso de Portugal, caracterizáveis por uma quase endémica crise interna que tem fragilizado duradouramente o nosso País, agora apanhada e agravada de través por uma duradoura e profunda recessão ou depressão - uma distinção cujas subtilezas para o caso pouco interessarão - a nível global; com efeito, lá fora como cá dentro, o capitalismo aproveitou-se como pôde de uma alteração favorável da correlação de forças cujo início é sinalizável na queda dos regimes socialistas no centro e leste europeus e no desaparecimento da União Soviética, o capitalismo aproveitou-se, dizíamos, para pôr os trabalhadores e, em geral, as camadas populares (incluindo, claro, o que tem sido designado por «classe média») numa situação de procura cuja realização, no essencial, passou a depender de níveis de crédito absurdos, estimulados por pavlovianos reflexos publicitários de consumismo.
E se antes deste agravamento da crise estrutural do nosso País, deste novo cavar do abismo onde estamos, já a questão da Inovação e, em particular da C&T, se constituía um factor fulcral para a sua ultrapassagem, hoje essa necessidade apresenta-se ainda de forma mais iniludível - aliás, vimos hoje que soluções, no mínimo preguiçosas, de pseudo-internalização no nosso tecido económico ditas de tecnologia avançada têm é todas as condições para desmoronar-se como castelos de cartas, como foi o caso da Qimonda. E poderão vir a ser também outros casos!
O que urge, portanto, é aproveitar devidamente as já muito importantes capacidades humanas científicas e tecnológicas existentes na população portuguesa, dar-lhes condições de trabalho adequadas, fazer recuar decididamente a precariedade dos seus laços contratuais a todos os níveis, permitir-lhes a esperança de serem desejados como parte relevante na construção de um novo Portugal.
O que urge, também, é travar e inverter a destruição metódica que está a ser levada a cabo do subsector dos chamados «Laboratórios do Estado». Com efeito, a qualidade de vida e a segurança da nossa população - de ordem sanitária, de ordem territorial, etc - dependem de modo fundamental do desempenho deste subsector. Em particular, chama-se a atenção para a situação irresponsável a que tais aprendizes de feiticeiros têm levado no âmbito da desarticulação dos «Laboratórios de Estado» no caso da segurança de uma instalação tão sensível como é o reactor nuclear existente em Sacavém.
O que urge, ainda e sempre, é não cair na armadilha de dizer que a questão do conteúdo científico e tecnológico do tecido produtivo português está bem encaminhada e é só uma questão de tempo para ver vivificar exemplos estimulantes que teriam ocorrido nos últimos tempos. Na verdade, nem os casos existentes são de dimensão individual e conjunta de molde a terem algum peso relevante no tecido económico, nem se vislumbra que eles constituam alguma base de propagação sustentável, nem os casos dados como importantes, exemplares, o são para além da superfície, como era o caso da Qimonda ou, pior ainda, como é o caso da fabricação dos netbooks Magalhães. O tecido económico continua a carecer de uma alteração radical em termos de I&D.
Agarre-se devidamente nestas três questões e obter-se-á uma verdadeira e firme orientação na Política de C&T para o nosso País.
Avante - 13.08.09

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