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14/07/2009

Vivem sem luz ao lado de eólicas

Em Casas da Serra, Boticas, ainda não há luz eléctrica. Os únicos dois habitantes, os irmãos Ferreira, remedeiam-se com uma candeia a gás. A dois quilómetros, um parque eólico produz energia para 24 mil habitantes.

Manuel, de 45 anos, "estranha mais" porque já conheceu outro mundo. Foi emigrante em França. Agora anda à jeira pelas redondezas. José, de 39, nem tanto. Nunca saiu de Casas da Serra, no concelho de Boticas. Dedica-se à agricultura e limpa caminhos para a Junta de Freguesia.

Os irmãos Ferreira são os únicos habitantes deste lugar literalmente encravado na serra. Tão encravado que a luz eléctrica nunca ali chegou. Ironicamente, a pouco mais de dois quilómetros, em linha recta, um parque eólico produz 47 gigawatts, energia suficiente para um consumo anual de 24 mil habitantes.

"Às vezes", ao olhar para os aerogeradores, que vê desde a sua casa", José pensa nisso. De pouco lhe adianta. Ao que o Jornal de Notícias conseguiu apurar junto da EDP, proprietária do parque, a hipótese de levar energia a partir dos serviços auxiliares do parque até à casa dos irmãos Ferreira não é viável por causa da distância. "Chegaria lá muito fraquinha. Só dava se fossem uns 500 metros". Por seu lado, a energia produzida no parque sai a uma voltagem muito elevada. Entra na rede na sub-estação de Morgade, já no concelho de Montalegre.

Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Campos, prometeu resolver a situação "no Outono" e em parceria com a EDP. Ao que tudo indica, será criado um ramal a partir de uma linha de média tensão que existe a menos de um quilómetro. O investimento rondará os 25 mil euros.

Se a promessa for cumprida, e a luz eléctrica chegar, finalmente, José já tem duas aquisições em mente. Um frigorífico, "para meter a carne e o peixe", e uma televisão. Agora, compra comida à medida. "Só levo de um dia para o outro", explica. Televisão, só vê quando vai, a pé, ao café a Cerdedo, a aldeia mais próxima. Quando não vai, distrai-se com um rádio a pilhas. Costuma ouvir a Rádio Forum Boticas e a Rádio Montalegre, "que também apanha".

Nesta vida de escuridão, que atenua com um candeeiro a gás, o que mais lhe custa é "passar" as longas noites de Inverno. "Uma pessoa deita-se cedo e custa muito a passar as horas", lembra José. Mudar para outro local, nem pensar. "Se fosse para Boticas, tinha que pagar casa, ao menos aqui estou na minha", diz.

Mas, se tivesse dinheiro, José gostava de recuperar as casas que estão a cair aos bocados, incluindo a sua. Para turistas. "Aos domingos vem cá muita gente. Dizem que isto é muito bonito". E é. Para passear. Para viver, é um inferno.

J.N. - 14.07.09

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