Maurício Miguel
O aprofundamento da crise económica e financeira do capitalismo está a gerar profundas mudanças no processo de integração capitalista europeia. Utilizando as portas abertas pela crise e pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa, as grandes potências da UE e o grande capital lançaram mãos à obra no aprofundamento do neoliberalismo, do federalismo e do militarismo de uma forma mais rápida e acelerada. Milton Friedman, um ícone do neoliberalismo, escreveu, em 1982, o seguinte: «Só uma crise – actual ou compreendida – produz mudanças reais. Quando essa crise acontece, as acções tomadas dependem das ideias à volta. Isto, eu acredito, é a nossa função básica: desenvolver alternativas às políticas existentes para mantê-las vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se torne politicamente inevitável».
A reboque da crise e contando com a subserviência dos governos de turno – PS em Portugal –, do Conselho, da Comissão Europeia e da maioria dos deputados do Parlamento Europeu, a UE está a avançar com várias medidas, nomeadamente a chamada «governação económica», desferindo um brutal ataque nos direitos de quem trabalha, nos serviços públicos, na Segurança Social e nas pensões, na independência e soberania nacionais.
A serem implementadas, as propostas em causa pressupõem o aprofundamento das medidas anti-sociais já tomadas pelo Governo português, nomeadamente a destruição dos serviços públicos, cortes dos salários, maior facilidade para os despedimentos, maior precariedade no trabalho, aumento do custo de vida...
Será a UE a determinar previamente ao Orçamento do Estado quais serão as nossas prioridades, tendo em conta a análise que faz da nossa situação económica e tendo em conta as necessidades por eles definidas para manter o euro. Está também previsto o reforço dos mecanismos para assegurar o seu cumprimento e o estabelecimento de um sistema de sanções no caso de incumprimento.
Guerra declarada
Quando esta proposta foi lançada Durão Barroso afirmou: «O que irá acontecer é uma revolução silenciosa... Os estados-membro aceitaram-no – espero que o tenham compreendido bem – mas eles aceitaram poderes muito importantes para as instituições europeias no que se refere à vigilância e a um controlo muito mais apertado das suas finanças públicas». Não se trata de uma «revolução» como afirma Durão Barroso, mas antes de uma guerra declarada pelo grande capital e o poder político ao seu serviço contra os trabalhadores e o povo. A «governação económica» é parte do ambicionado e há muito tempo preparado ajuste de contas com os trabalhadores e com as suas conquistas sociais.
Já em 2000 o então presidente da Mesa Redonda dos Industriais (ERT na sua sigla em inglês), uma importante estrutura do grande capital na UE, proclamava: «o rígido, proteccionista Estado-Nação, inerente ao passado, com excessivas leis e impostos está condenado». E acrescentou: «Por um lado, nós estamos a reduzir o poder dos estados e do sector público em geral através das privatizações e da desregulamentação... Por outro lado, estamos a transferir muitos dos poderes do Estado-Nação para uma mais moderna e internacionalmente pensada estrutura ao nível europeu. A unificação europeia está a progredir e isso ajuda as grandes empresas como as nossas».
A crise foi o acontecimento esperado para desferirem uma forte estucada nos estados e aproveitar a boleia para cimentar a subordinação do poder político ao poder económico, através de uma organização: a UE. Esta situação evidencia cada vez mais que a subtracção de elementos centrais da soberania dos estados, como a definição das suas políticas orçamentais, retirando poderes às instituições e aos seus mecanismos de participação democrática é um elemento central da contra-ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e dos povos, consolidando o carácter cada vez mais antidemocrático da UE ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros e da concentração e centralização de capital.
Já nem toda a propaganda do mundo apaga que a UE não é apenas um alfaiate que rouba na fazenda, enganando o freguês. É muito mais. É cada vez mais um instrumento de classe descaradamente ao serviço do roubo nos salários e nas pensões, do aumento dos impostos, dos preços dos alimentos, dos transportes, da energia. É um instrumento contra os trabalhadores, os estudantes, os reformados, os pequenos e médios empresários, os pequenos e médios agricultores e a agricultura familiar.
http://www.avante.pt/pt/1940/europa/112446/
Sem comentários:
Enviar um comentário