Eugénio Rosa
Uma das características da prática deste governo, é precisamente as sucessivas alterações que tem feito nas leis que publica o que, por um lado, revela pressa e falta de rigor e, por outro lado, cria um clima de instabilidade e insegurança naqueles a que se destinam essas leis. O caso do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei 498/72) é um exemplo paradigmático. Em 2005, foi publicada a Lei 60/2005, que alterou profundamente as regras de cálculo das pensões de aposentação na Administração Pública, aumentando a idade de aposentação e o tempo de serviço necessário para ter direito à pensão completa, retirando assim direitos aos trabalhadores e violando expectativas legitimas. Em Agosto de 2007, é publicada outra lei - a Lei 52/2007- que altera novamente o Estatuto de Aposentação introduzindo, em particular, o factor de sustentabilidade que está a determinar uma redução importante nas pensões de todos os trabalhadores que se aposentam. Agora, começaram os remendos a essas leis, tendo o governo apresentado uma proposta de alteração do Estatuto da Aposentação. Como se vai mostrar, essa proposta resolvia um problema mas criava outro, e deixa por resolver muitos problemas graves relativos ao cálculo da pensão dos trabalhadores da Administração Pública que terão de ser corrigidos no futuro próximo.
O GOVERNO ACABOU POR RECONHECER QUE OS SINDICATOS TINHAM RAZÃO
De acordo com a alínea a) do nº1 do artº 43 do Estatuto da Aposentação, que foi alterado pela Lei 52/2007 aprovada por este governo, o acto determinante para o cálculo da pensão era a data em que a CGA recebia o pedido de aposentação por parte do trabalhador. Isto determinava que todo o tempo de serviço que mediava entre a data de recepção do pedido pela CGA e a data do despacho que fixava a pensão, embora o trabalhador fosse obrigado a trabalhar, esse tempo já não contava para o cálculo da pensão, incluindo a bonificação a que o trabalhador tivesse eventualmente direito. Isso era uma situação absurda e inaceitável, determinada pela prática legislativa deste governo que se tem caracterizado pela pressa, pela falta de rigor, e pela ausência de respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Com o objectivo de alterar esta situação que estava a provocar protestos, alguns deles até divulgados pela própria comunicação social, o governo apresentou aos sindicatos uma proposta, com base na qual a data do acto determinante para cálculo da pensão passa a ser, não a data de apresentação do pedido da aposentação por parte do trabalhador, mas sim a data do despacho.
No entanto, a mesma proposta incluía uma disposição que era uma autêntica armadilha, pois criava uma situação idêntica à que existia. Assim se o trabalhador indicasse a data em que pretendia aposentar-se, nesse caso, o tempo decorrido entre a data que indicada pelo trabalhador e a data do despacho, não contaria para efeitos de pensão. Portanto, criava uma situação perfeitamente igual àquela que existia. Na reunião realizada no dia 3.7.2009, os sindicatos da Frente Comum propuseram ao governo que, no caso em que o trabalhador indicasse a data em que se pretende aposentar e se o despacho for emitido numa data posterior, esse tempo de serviço entre a data indicada pelo trabalhador e a data do despacho fosse contado como tempo de serviço para todos os efeitos. E o governo devido a esta reivindicação dos sindicatos da Frente acabou por ceder incluindo uma nova disposição que permite ao trabalhador, no caso do despacho de aposentação não ser emitido na data que indicou, poder "solicitar à CGA que a situação a considerar na sua aposentação seja existente à data do despacho". Interessa referir que as pensões de aposentação concedidas a partir de 1 de Janeiro de 2008 serão "oficiosamente recalculadas, no que respeita ao tempo de serviço, para integração do período de tempo decorrido entre a data de recepção do pedido de aposentação pela CGA e a data do despacho". No entanto, esta alteração é ainda insuficiente porque não considera a totalidade da situação verificada após a apresentação do pedido de aposentação (por ex. aumento da remuneração).
OUTRA SITUAÇÃO DE REDUÇÃO INACEITÁVEL DA PENSÃO QUE O GOVERNO SE RECUSOU A ALTERAR
De acordo com o nº3 do artº 37-A do Estatuto da Aposentação, no caso de aposentação antecipada, até 31/12/2014, a penalização que sofre o trabalhador é calculada multiplicando o " número de anos de antecipação em relação à idade legalmente exigida para a aposentação" pela taxa anual de 4,5%. Como a lei refere "numero de anos" e não "número de anos completos" isso tem permitido à CGA fazer arredondamentos para acima que tem levado a uma redução da pensão para além daquilo que devia ser, lesando fortemente os trabalhadores que se aposentam: Os sindicatos da Frente Comum, na reunião realizada em 3.7.2009, propuseram ao Secretário de Estado do Orçamento que esta disposição fosse alterada, passando a ter a seguinte redacção: " A taxa global da redução da pensão, no caso de aposentação antecipada, é o produto do número de anos completos de antecipação, não podendo ser feito quaisquer arredondamentos , em relação à idade de aposentação exigida multiplicada pela taxa anual de 4,5% para as pensões requeridas até 31/12/2014" . No entanto, esta proposta foi recusada por este governo, embora ela fosse absolutamente necessária para corrigir uma injustiça que está a lesar muitos trabalhadores.
O GOVERNO TAMBÉM SE RECUSOU CORRIGIR UMA GRAVE DESIGUALDADE QUE EXISTE ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O SECTOR PRIVADO
Actualmente se um trabalhador da Administração Pública vai trabalhar para o sector privado quando se reformar ele será fortemente penalizado na sua pensão. E isto porque a pensão correspondente ao tempo de serviço feito até 2005 em que esteve na Administração Pública é calculada com base no valor da última remuneração que recebeu na Administração Pública, portanto sem qualquer revalorização para compensar a perda de poder determinada pela inflação verificada entre essa data e a data que se reformou. Se no lugar de ir para o sector privado for deste para a Administração Pública o tratamento já é diferente. Assim, a pensão calculada pela Segurança Social relativa ao período de tempo que descontou em que o trabalhador esteve a trabalhar no sector privado, não é calculada com base no valor dos salários que recebeu, mas sim com base nesses salários revalorizados utilizando para isso o aumento do IPC (taxa de inflação) verificado entre a data em que ele recebeu esses salários e a data em que se aposentou na Administração Pública. Os sindicatos da Frente Comum propuseram ao Secretário de Estado do Orçamento que se aproveitasse este momento em que se estava a alterar o Estatuto da Aposentação e se corrigisse esta grave injustiça mas este governo, fiel ao comportamento que tem tido, de não respeitar os interesses dos trabalhadores e de não corrigir injustiças, recusou também esta proposta dos sindicatos. E isto apesar dos sindicatos terem proposto apenas que fosse aplicado aos trabalhadores da Administração Pública o mesmo regime que já se aplica há muitos anos ao sector privado, ou seja, que para cálculo da pensão de aposentação referente ao tempo de serviço que o trabalhador esteve na Administração Pública, no caso de a deixar, fossem utilizadas remunerações revalorizadas, e não desvalorizadas como sucede actualmente. Por aqui vê-se o que este governo, mesmo na sua fase final, entende por convergência. A convergência só serviu para retirar direitos aos trabalhadores da Administração Pública.
UMA SITUAÇÃO LESIVA DOS APOSENTADOS QUE ESTE GOVERNO SE RECUSOU A ALTERAR
A formula de actualização das pensões dos aposentados aprovada por este governo tem sido fortemente lesiva dos interesses dos aposentados, pois tem determinado, para esmagadora maioria, uma redução continuada do poder de compra das pensões. Os aumentos das pensões na Administração Pública nos últimos anos, com este governo, têm sido sempre, para a maioria deles, inferiores à inflação. Mas em 2010, a situação ainda poderá ser pior, se for aplicada a lei aprovada por este governo, pois o valor nominal das pensões, ou seja, em euros, poderão diminuir.
Efectivamente, de acordo com o artº 6º da Lei 52/2007, aprovada por este governo, a formula de actualização das pensões em 2010 será a seguinte. (1) Para pensões inferior a 1,5 IAS, ou seja, até 628,83 euros em 2009, as pensões aumentarão de acordo com a subida do IPC ( taxa de inflação) verificada em 2009; (2) Para as pensões de valor compreendido entre 1,5 IAS e 6 IAS (entre 628,83€ e 2.515,32€) , a actualização das pensões será igual ao aumento do IPC verificado no ano anterior menos -0,5%; e, finalmente, as pensões de valor superior a 6 IAS (2.515,32€ em 2009) a actualização será igual ao aumento verificado no IPC (inflação) no ano anterior menos -0,75%. Portanto, se a variação da taxa de inflação em 2009 for negativa ou próxima de zero os valores de actualização serão negativos o que determinará, se a lei aprovada por este governo for aplicada, que os aposentados verão as suas pensões reduzirem-se nominalmente em 2010. Embora pareça absurdo, se a lei não for alterada, os aposentados receberão durante o ano de 2010 menos euros de pensão do que receberam em 2009. Foi a alteração desta norma absurda e injusta que os sindicatos da Frente Comum propuseram, mas que o governo também recusou.
SÓ OS 23.415 TRABALHADORES QUE SE APOSENTARAM EM 2008 VÃO PERDER 1.028 MILHÕES DE EUROS DE PENSÕES DEVIDO ÀS ALTERAÇÕES DO ESTATUTO DE APOSENTAÇÃO
De acordo com os dados constantes do Relatório e Contas da CGA aposentaram-se, em 2008, 23.415 trabalhadores da Administração Pública, com um tempo de serviço médio de 29,3 anos e com uma idade média de 59,8 anos.
Até 2005, a idade legal de aposentação era de 60 anos e o tempo de serviço de 36 anos. Quem tivesse esta idade e este tempo de serviço tinha direito à pensão completa. Em 2008, devido às alterações introduzidas por este governo no Estatuto da Aposentação, o trabalhador só tinha direito à pensão completa se tivesse, pelo menos, 61,5 anos de idade e 37, 5 anos de serviço, portanto tanto o tempo de serviço como a idade de aposentação aumentaram um ano e meio até 2008. Tudo isto determinou uma redução importante na pensão recebida pelo trabalhador que vamos procurar quantificar embora apenas de uma forma indicativa.
O aumento do tempo de serviço de 36 para 37,5 anos determinou que a taxa de formação da pensão aplicada ao tempo de serviço realizado até 31/12/2005 baixasse de 2,5% (90%: 36) para 2,4% (90%: 37,5). E relativamente ao tempo de serviço realizado depois de 2005, de acordo com o artº 5º da Lei 60/2005, a taxa de formação da pensão é de apenas de 2% até ao ano de 2015. Só estas reduções verificadas na taxa de formação da pensão determinaram uma redução média na pensão dos trabalhadores que se aposentaram em 2008 de 3,5 pontos percentuais que poderá até ser superior, pois depende do tipo de arredondamentos feitos pala CGA.
Por outro lado, como a idade legal de aposentação passou, entre 2005 e 2008, de 60 anos para 61,5 anos, consequentemente a penalização por antecipação da aposentação deve ter aumentado 9% para os trabalhadores que se aposentaram em 2008, cuja idade média, era 59,8 anos (depende do arredondamento feito pela CGA, pois a redução da pensão por cada ano de antecipação é de 4,5%)
Para além de tudo isto, os trabalhadores que se aposentaram em 2008 sofreram mais outra redução na sua pensão, que não existia antes do Estatuto da Aposentação ter sido alterado, que é a redução na pensão devido à aplicação do factor de sustentabilidade (em 2008, a redução nas pensões dos trabalhadores que se aposentaram nesse ano foi de -0,56% devido a este factor).
Fazendo os cálculos necessários e tendo como base a pensão média atribuída àqueles 23.415 que se aposentaram em 2008 que, segundo a CGA, foi de 1.295,90 €/mês, conclui-se que os trabalhadores que se aposentaram em 2008 devem ter sofrido, em média e por mês, uma redução na sua pensão de cerca 194 euros devido às alterações do Estatuto da Aposentação feitas por este governo, o que multiplicado por 23.415 trabalhadores e por 14 meses dá 63,5 milhões de euros de pensões perdidas por ano. Se considerarmos o tempo de vida médio do trabalhador após a aposentação que, segundo a CGA, é de 16,2 anos (Relatório e Contas de 2008, pág. 20), os 23.415 trabalhadores receberão menos 1.028,7 milhões de euros de pensões durante a sua vida (se viverem mais a perda será ainda maior). Por outras palavras, se os trabalhadores que se aposentaram em 2008, o pudessem ter feito com base nas condições do Estatuto da Aposentação que vigorou até 2005 (tenha-se presente que os trabalhadores do sector privado podem-se reformar desde que tenham 55 anos de idade e 30 anos de descontos para a Segurança Social, sendo reduzida a idade legal de reforma um ano por cada 3 que tenham a mais de 30 anos de descontos na idade de 55 anos); repetindo, se os trabalhadores que se aposentaram em 2008 o pudessem ter feito com base nas condições do Estatuto da Aposentação que vigorou até 2005, embora sofrendo as penalizações por não terem nem 60 anos de idade nem 36 anos de serviço, receberiam mais 1.028,7 milhões de euros de pensões no período após aposentação do que vão receber.
No futuro, 36 anos de serviço e 60 anos de idade corresponderão a uma valor de pensão cada vez mais baixo pois, por um lado, a taxa de formação da pensão continuará a baixar (quanto o tempo de serviço exigido for 40 anos, a taxa de formação da pensão correspondente a cada ano de serviço, para o tempo realizado até 2005, será apenas de 2,25% quando antes da alteração do Estatuto da Aposentação era de 2,5% por cada ano de serviço) e, por outro lado, o número de anos de penalização será maior e cada ano a menos em relação à idade legal de aposentação corresponde a uma redução anual da pensão de 4,5% até 2015 e de 6% depois deste ano (quando a idade legal de aposentação for 65 anos, um trabalhador que se aposente com 60 anos antes de 2015 terá uma redução na pensão, só por ter menos 5 anos do que a idade legal, de 22,5%). Para além disso, o factor de sustentabilidade, que é um factor também de redução da pensão, continuará a aumentar no futuro. O seu valor em 2008 era 0,56%, mas os trabalhadores que se aposentarem em 2009 já sofrerão uma redução da pensão de 1,32% devido á aplicação deste factor como o governo já anunciou.
É evidente que Sócrates, se continuar após as eleições, não alterará esta situação, e Manuela Ferreira Leite já disse também que o não faria. Mas é necessário corrigir as injustiças que foram feitas nesta área, como em outras, aos trabalhadores da Administração Pública por este governo. E isto só com uma politica diferente das preconizadas tanto por Sócrates como por Manuela Ferreira Leite.
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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