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05/07/2009

Escolas rejeitam alunos mais pobres

O Ministério da Educação enviou um alerta às direcções regionais sobre as escolas com baixo número de alunos beneficiários da Acção Social. Objectivo: dissuadir a discriminação social nas matrículas e inscrições.

Num despacho de cinco páginas, ao qual o JN teve acesso, o secretário de Estado da Educação diz às Direcções Regionais de Educação (DRE) que estas devem "proceder ao acompanhamento e monitorização das matrículas e inscrições nas escolas referidas" numa listagem que perfaz um total de 47 unidades orgânicas - 27 do Básico e 20 do Secundário.

O referido despacho data de 26 de Junho último e Valter Lemos diz mesmo às DRE que a Inspecção Geral de Educação deverá estar atenta e actuar se necessário.

De tema de múltiplos estudos no âmbito da Sociologia da Educação, a discriminação dos alunos em função da respectiva origem social e perfil (violência, reprovações acumuladas, raça, entre outros indicadores) passou agora a preocupação efectiva por parte do Governo.

O Ministério da Educação (ME) procedeu a uma recolha de dados inédita: o apuramento da percentagem de alunos beneficiários da Acção Social Escolar (ASE) por unidade orgânica, contrastando depois os dados com as médias nacionais. Os resultados mostraram alguns fossos abissais. A média no Básico é 44,7% e o ME encontrou casos de escolas com ASE entre 3,43 e 15,95%. A média nacional no Secundário é de 26,5%, mas foram detectados casos de escolas com uma percentagem de alunos com ASE entre 3,50 e 10,64%.

O ranking de escolas secundárias elaborado pelo JN, publicado em Outubro do ano passado, revelava que o sector privado continua a obter melhores resultados nos exames nacionais. A primeira escola pública da listagem (19.ª no ranking) era a Infanta D. Maria, precisamente uma das visadas no despacho de 26 de Junho, uma vez que conta com apenas 6,80% de alunos com ASE (ver caixa ao lado). As restantes escolas secundárias públicas melhor posicionadas no ranking exibem também uma baixa quota de alunos beneficiários da ASE e, logo, provenientes das classes sociais mais desfavorecidas.

A discriminação no acesso acontece muitas vezes através de mecanismos informais de selecção, um fenómeno amplamente tratado no livro "Democratização do Ensino, Desigualdades Sociais e Trajectórias Escolares", que está no prelo das edições Gulbenkian, da autoria do sociólogo João Sebastião, mas ao qual o JN teve acesso antecipado. Os mecanismos de "empurrar" de uma escola para a outra são, por vezes, muito subtis.

No Porto, uma aluna da escola Carolina Michaëlis, viu recusada a sua matrícula no 12.º ano, na última sexta-feira. A aluna era beneficiária da ASE. No entanto, a escola não se contentou com a habitual declaração da Segurança Social e pediu o IRS e folha de vencimento dos pais. Se a mãe, que a acompanhava, quisesse resolver o assunto de imediato bastaria pagar 19,75 euros. Na segunda-feira, a aluna terá de pagar uma multa de cinco euros. O caso foi relatado ao JN por Albino Almeida, presidente da Confederação de Associações de Pais (Confap). "É inacreditável que as escolas usem destes mecanismos ilegais para discriminar alunos nas matrículas ou inscrições", sublinhou.

Primeira escola públicado ranking JN explica motivos

A presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Infanta D. Maria, em Coimbra, Rosário Gama, entende que a baixa taxa de Acção Social Escolar da escola (4,7%) se deve à localização e ao tipo de alunos que a frequenta. "O nível sócio-económico é médio/alto, também pela zona em que se encontra (na Solum, em frente ao Estádio Cidade de Coimbra), é a única razão que vejo", afirma.

A responsável da escola garante que cumpre todos os requisitos legais na admissão de alunos. "Em primeiro lugar, os alunos com necessidades educativas especiais, em segundo se têm irmãos na escola, e o terceiro critério é a proximidade do local de residência ou trabalho.

Se adoptássemos critérios com base em factores sociais estaríamos logo em tribunal", assegura. Localizada a cerca de 50 metros da Infanta D. Maria, a Escola Secundária Avelar Brotero tem uma taxa de acção social escolar mais elevada. Rosário Gama entende que tal se deve à existência de cursos profissionais na escola. "Não digo que não haja alunos de classe média/alta a procurar estes cursos, mas são mais direccionados a quem quer entrar mais depressa no mercado de trabalho".

A tradição da Avelar Brotero em cursos profissionais faz com que as tentativas de os implementar na D. Maria tenham sido infrutíferas. "Já tentámos, mas não tínhamos alunos. Também não temos equipamento nem professores para tal", justifica Rosário Gama.

J.N. - 05.07.09

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