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05/07/2009

A crise mundial e a situação da agricultura

João Pedro Stédile

Na história dos 250 anos do capitalismo industrial aconteceram inúmeras crises cíclicas e pelo menos três crises sistémicas – incluída a actual – que tiveram carácter mundial. Nas crises precedentes os capitalistas sempre adoptaram medidas de saneamento do sistema e recuperação do ciclo de expansão e de reprodução do capital. Entre essas medidas destaca-se a necessidade de destruir o capital acumulado em excesso (em poucos meses foram mais de quatro mil milhões de dólares), aumentar a exploração laboral dos trabalhadores para elevar a taxa de lucro, sobretudo através do aumento do desemprego, da diminuição dos níveis médios salariais e o incremento da produtividade laboral. A Organização Mundial de Trabalho (OIT) prevê que 40 milhões de trabalhadores perderão os seus empregos.

Neste quadro, as consequências da crise na agricultura apresentam algumas características peculiares.

Nos últimos 20 anos difundiu-se no hemisfério sul uma aliança entre os grandes latifundiários e as corporações que controlam a produção de factores de produção agrícolas e o mercado mundial de alimentos, o agro-negócio.

Esta agricultura capitalista, latifundiária e mecanizada exige, crescentemente, cada vez mais agro-tóxicos e créditos. Necessita do capital financeiro para comprar factores de produção às grandes corporações. Mas a presente crise afectou o fornecimento de capitais, provocou a queda da produção das mercadorias destinadas ao mercado mundial, a descida da taxa de lucro e um significativo aumento do desemprego entre os trabalhadores assalariados, em grande parte emigrantes, que em geral trabalham apenas nos ciclos agrícolas.

Apesar ter diminuído o ritmo de investimento de capitais na agricultura, verifica-se uma intensificação da apropriação dos recursos naturais ainda disponíveis. Nos últimos anos, é patente uma ofensiva capitalista para aquisição de mais terras, áreas com biodiversidade, reservas minerais, fontes de água e de energia.

A tendência é para a posse de bens naturais que, por não serem explorados, têm preços baixos mas que, no próximo ciclo de acumulação contribuirão com imensos lucros para colocar no mercado. Ao mesmo tempo as grandes corporações procuram um maior controlo do mercado de sementes. Em muitos países é imposta a adopção de sementes transgénicas, sobre as quais, de acordo com as normas da Organização Mundial do Comércio, as corporações têm direitos de propriedade quando, na realidade, são um património da humanidade.

O Brasil e outros países de África e da Ásia são vítimas da avidez de capitais internacionais que têm vindo a hibernar durante a crise, para se recomporem e voltarem a concentrar-se num novo ciclo de acumulação.

Em todo o mundo, os camponeses continuam a resistir e experimentam as consequências negativas e positivas desta crise.

Negativa é a consequência da procura dos seus produtos nos mercados locais devido à queda dos rendimentos da população trabalhadora, cada vez mais urbanizada, mais desocupada e com empregos cada vez mais precários. Reduziram-se os fluxos migratórios da sua juventude, que não encontra trabalho nas cidades ou nos países desenvolvidos. Por isso, também diminuem as remessas para as famílias dos trabalhadores emigrantes do sul, normalmente de origem camponesa.

Devido à pressão das grandes corporações para se apoderarem de mais terras e recursos naturais intensificam-se os conflitos sociais. Em quase todos os países do sul, as terras mais férteis e próximas dos mercados disputam-se, palmo a palmo, entre os camponeses e os capitalistas que querem implantar o modelo do agro-negócio para a exportação. Nos numerosos casos em que os camponeses foram ganhos para a agricultura industrial e adquiriram factores de produção produzidos pelas grandes corporações, agora confrontam-se com um encarecimento desses factores de produção muito superior à inflação. Muitos camponeses endividaram-se e têm sido obrigados a abandonar as suas terras, particularmente em países da Ásia como a Índia, a Tailândia e a Indonésia. Os recursos que os Estados antes aplicavam em programas sociais a favor dos camponeses – saúde pública, educação, transporte, assistência técnica – reduzem-se com a crise porque, em primeiro lugar, há que salvar os capitalistas.

Os aspectos positivos derivam dos pequenos camponeses poderem produzir os seus próprios alimentos e não perdem o seu trabalho, ainda que produzam num meio capitalista. Reduzem-se os seus rendimentos mas não abrem falência.

O modo de produção da monocultura em grande escala, que destrói as restantes formas de vida vegetal e animal e produzem alimentos cada vez mais adulterados pelos venenos agrícolas, estão a provocar o desequilíbrio do meio ambiente, a contaminação do ar e da água e a mudança climática.

Estas contradições estão a levar as populações das cidades à conversão, a médio prazo, em aliadas dos camponeses na modificação do modo de produção agrícola, a fim de obterem alimentos sãos.

A crise provocará certamente um longo e intenso debate na sociedade sobre a forma de utilização dos recursos naturais e pode determinar alterações benéficas na agricultura mundial.

Os capitalistas querem produzir dólares e lucro. Os camponeses querem produzir alimentos sãos e bem-estar. Esta disputa acontece em todos os espaços territoriais em que ambos se encontram. O futuro está do lado dos camponeses. E está contra os predadores da natureza e os exploradores do povo.
ODiario.info - 05.07.09

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