Rodrigue Tremblay
«Os bancos são mais perigosos do que exércitos permanentes»
Thomas Jefferson (1743-1826),
III Presidente dos EUA
«…uma grande recessão parece improvável; [estamos à espera] que o sector financeiro recupere na próxima primavera e melhore no Outono»
Sociedade Económica de Harvard, 10 de Novembro, 1929
«Apesar do crash ter ocorrido há apenas seis meses, estou convencido que já passámos o pior – e com uma contínua união de esforços deveremos recuperar rapidamente. Não houve nenhuma falha significativa na banca ou na indústria. Também esse problema está seguramente ultrapassado.»
Presidente Herbert Hoover, 1 de Maio de 1930
«Num sistema monetário assente no papel-moeda, um determinado governo pode sempre originar consumo mais elevado e, a partir daqui, inflação positiva»
Ben Bernanke, Presidente da Reserva Federal, 2002
Muitos observadores são da opinião de que a «prosperidade está ali ao virar da esquina» e que esta recessão, como outras desde a II Guerra Mundial, terminará logo que o mercado das acções, como indicador fundamental, recupere e as pessoas comecem novamente a consumir. Esta é uma perspectiva míope do panorama económico actual.
Na verdade, desde o auge da bolha imobiliária (nos EUA) em 2005, a crise do subprime em Agosto de 2007 e o princípio da recessão em Dezembro de 2007, a economia dos EUA, e até um certo ponto, mundial, entrou num período de prolongados reajustes. Claro que haverá períodos de crescimento económico no futuro e poderá dizer-se, nos meses mais próximos, que a recessão oficialmente terminou, mas a radical reorganização económica que está a ter lugar continuará durante anos.
Por que razão isto é assim?
Essencialmente porque estamos no culminar de um ciclo de Kondratieff de 60 anos de inflação-desinflação-deflação que começou em 1949, quando os preços congelados pela guerra foram liberalizados; e esse poderoso ciclo longo está agora a terminar. A era que se seguiu aos anos 1980, ou seja, a era Reagan, acabou, mas os excessos e bolhas das últimas décadas têm que ser corrigidos, num momento em que grandes mudanças têm lugar na população. Tais ajustes levarão anos a desenvolver-se e isto implicará grandes esforços e grandes mudanças.
Efectivamente, a era do excesso de consumo e do excesso de dívida terminou. A era da excessiva desestruturação económica governamental e da desregulação financeira terminou. A era dos esquemas financeiros irresponsáveis à maneira de Charles Ponzi terminou. A era dos derivados não regulados terminou. A era da ganância enquanto ideologia terminou. A era do capitalismo selvagem e predatório terminou. A era do petróleo barato, do transporte barato, dos bens baratos e da comida barata terminou. A era da concentração excessiva de riqueza e rendimento também terminou. Todavia, a era da corrupção política, dos políticos incompetentes e das guerras de agressão destruidoras não terminou. O que começou foi a era da hiper-estagflação.
A principal força motriz por trás da maioria destes desenvolvimentos, para além do colapso do sector financeiro, da pirâmide de dívidas, da estrutura de produtos derivados e do discurso imponderado de maiores guerras por parte de políticos irresponsáveis (como se não houvesse problemas suficientes), será de natureza demográfica. Com efeito, entrámos num período durante o qual o maior grupo demográfico da história da humanidade, a geração «baby-boom» do pós-Segunda Guerra Mundial, ultrapassou o seu nível máximo de consumo. Isto não é algo que possa ser invertido da noite para o dia. Será um processo de reajuste que durará uma década, de menor gasto, de maior poupança e, acima de tudo, do pagamento dos excessos de dívidas. Recordemos que o consumo privado representa 70% do PIB.
As consequências económicas serão profundas e afectarão todos os sectores da economia. Temos apenas que considerar o modo como a indústria automóvel, em tempos um dos principais motores do crescimento económico, atravessa neste momento uma reorganização fundamental e redução. Mesmo as indústrias informatizadas em larga escala progrediram e já não podem ser consideradas indústrias em rápido crescimento. Os únicos sectores de potencial crescimento que restam nos EUA parecem ser a indústria dos serviços de saúde, dado o envelhecimento da população, e as indústrias relacionadas com a guerra, uma vez que o complexo industrial-militar norte-americano continua em expansão. Mas mesmo estes sectores terão que abrandar, não vão eles levar toda a economia à bancarrota.
É por isso que penso que estas tendências industriais e demográficas anunciam um período de crescimento económico mais lento que poderá durar muitos anos. É melhor que os governos despertem para os desafios colocados por um crescimento económico tão lento. Muito poucas pessoas estão preparadas para um período tão longo de estagnação económica, que será acompanhado por liquidação de dívidas forçada, em ambiente de austeridade. Isto aplica-se particularmente aos planos de reforma privados, que terão dificuldade em pagar pensões nos próximos anos. Também se aplica ao emprego, que irá crescer a um ritmo mais lento que a população activa, pelo menos durante algum tempo, resultando numa subida da taxa de desemprego.
Os «baby-boomers» são os indivíduos que nasceram entre 1946 e 1966. Por constituírem um vasto número (mais de 70 milhões de pessoas nos EUA), esta geração tem dominado em todas as esferas da vida nos últimos cinquenta anos. Mas agora ultrapassaram já o seu nível máximo de consumo. Este ocorreu em 2005-2006, em pleno auge da bolha imobiliária. A média etária daquele grupo demográfico era então 50 anos, que é a idade de maior consumo. Nessa altura, a taxa de poupança privada nos EUA desceu uns alarmantes 2,5% por ano. Como comparação, era 12,5% durante a recessão de 1981-82, recuperou agora uns fenomenais 5,7% em Abril de 2009 e está a subir rapidamente.
Com efeito, o fim da bolha imobiliária, a crise financeira e a recessão económica em conjunto deram um sinal claro aos «baby-boomers». É melhor que comecem a poupar rapidamente, ou a vossa reforma terá que ser adiada. E poupar significa consumir menos e gastar menos dinheiro, enquanto se saldam dívidas de modo a fazer subir os activos correntes a um nível que possa suportar as necessidades da reforma. Mas se o maior grupo de consumidores diminuir os seus gastos e empréstimos, o que é que isto significa para o consumo agregado e para o crescimento económico? Apenas poderá significar menor crescimento económico global e alguns penosos ajustes económicos. Por conseguinte, há uma probabilidade elevada de que esta recessão seja uma recessão enorme cujos efeitos poderão durar anos, interrompidos por curtos períodos de recuperação rapidamente seguidos por um regresso das causas da estagnação. No Japão, em meados dos anos 1990, uma recessão igualmente causada por aspectos financeiros e demográficos durou uma década inteira. E mesmo depois de 20 anos, não se pode dizer que o Japão tenha resolvido o problema.
A curto prazo, de modo a contrariar os efeitos da crise financeira e combater a corrente recessão que começou oficialmente em Dezembro de 2007 (de acordo com o National Bureau of Economic Research - NBER), a administração Obama concebeu um plano de estímulo de 750 mil milhões de dólares e deixou o deficit fiscal explodir para mais de 2 triliões de dólares por ano devido ao bailout dos bancos em dificuldades. Do mesmo modo, a Reserva Federal baixou as taxas de juro a curto prazo para zero e adquiriu milhares de milhões de dólares em títulos do tesouro a longo prazo, em títulos de agências governamentais, e mesmo em títulos garantidos por créditos hipotecários, numa tentativa desesperada de salvar grandes instituições financeiras como a AIG, a Fannie & Freddie e outras instituições financeiras norte-americanas da implosão. Mas agora os investidores, especialmente os investidores internacionais, estão a vender obrigações do Tesouro e a fazer subir as taxas de juro a longo prazo e a fazer descer o dólar norte-americano à medida que o medo da inflação aumenta, embora, paradoxalmente, o colapso da pirâmide de dívidas crie um ambiente deflacionário para toda a economia.
O perigo neste caso é que os investidores irão vender as obrigações do Tesouro mais rapidamente do que a Reserva Federal pode comprá-los, em cujo caso os preços das obrigações descerão em espiral, à medida que a inflação e o medo da falência são exacerbados. Numa palavra, se a Reserva Federal não tornar mais flexível a sua política corrente de monetarização excessiva da dívida pública e privada e a sua clara política de «negligência benigna» relativamente ao dólar, a inflação elevada e até mesmo a hiper-inflação tornar-se-ão possíveis neste processo. Isto já aconteceu no passado e não há razão para que não volte a repetir-se, especialmente se os EUA continuarem a envolver-se em guerras onerosas no estrangeiro, pagando estas aventuras com dinheiro que não têm.
Por agora, um rápido ressurgimento da inflação é apenas uma remota possibilidade. Mas esta é, não obstante, uma possibilidade, considerando que os bancos centrais tendem a cunhar moeda fiduciária em excesso. De facto, se os governos tentarem resolver o problema demográfico estrutural no horizonte através da cunhagem de moeda, acabarão por gerar hiper-estagflação. Em poucas palavras, é isto que o gigantesco mercado internacional de obrigações dominado pelo dólar vê e receia, num momento em que tem que absorver uma enorme quantidade de novas emissões de obrigações. Na verdade, o mercado de obrigações ganhará sempre, face a qualquer banco central, em qualquer altura. Os problemas da solvência e a provável incapacidade do Estado da Califórnia para pagar a sua dívida fabulosa apenas aumentarão a ansiedade.
Há umas semanas atrás, alertei para o risco de futuros aumentos súbitos das taxas de juro a longo prazo e desvalorização do dólar norte-americano após as decisões por parte do Tesouro norte-americano e da Reserva Federal de inundar os mercados com triliões de dólares de novas emissões de obrigações do Tesouro e com dinheiro acabado de imprimir. Essa tendência está a chegar mais rápido do que pensei. Só quando os mercados podem esperar uma relativa estagnação económica e um ambiente deflacionário duradouro é que as taxas de juro de longo prazo estabilizam.
Estejam bem preparados. Vem aí uma década económica muito difícil.
ODiario.info - 23.07.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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