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13/10/2011

Os protestos de Wall Street e as lutas em Portugal

Miguel Urbano Rodrigues 

Nos últimos dias os protestos de Wall Street foram tema de manchetes em influentes media internacionais.
Em Washington o governo tenta desvalorizar o significado das manifestações que principiaram com a ocupação por um grupo de «indignados» da rua da Bolsa de Nova Iorque, símbolo do poder do capital.
Mas o que parecia ser a iniciativa inofensiva de um punhado de jovens assumiu rapidamente as proporções de um protesto de dimensões nacionais.
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A brutal repressão que no dia 1 Outubro atingiu os jovens que avançavam para Wall Street – mais de 700 prisões e espancamentos – suscitou uma vaga de indignação e gerou solidariedades inesperadas. O movimento alastrou a outras cidades e assumiu um carácter diferente, de contestação ao sistema responsável pela actual crise mundial.
O discurso de Obama no 10.º aniversário da invasão do Afeganistão produziu um efeito oposto ao desejado pela Casa Branca, empenhada em desviar as atenções dos acontecimentos de Wall Street. Ao homenagear os mortos americanos e das forças da NATO, o presidente mentiu. Para justificar a agressão afirmou que o país está agora mais «seguro» e a caminho do progresso. Na realidade, a guerra está perdida e o povo afegão, empobrecido, odeia os ocupantes, como reconhece o general Mc Chrystal, ex comandante-chefe demitido por Obama.
A peça oratória do presidente, marcada pela hipocrisia, trouxe à memória dos compatriotas os discursos em que Nixon há 40 anos prometia a vitória no Vietname e invocava a democracia e a liberdade enquanto promovia a escalada num conflito em que morreram mais de um milhão de vietnamitas.
É oportuno lembrar que no início dos ano 70 do século passado foram os protestos torrenciais da juventude estadunidense contra a guerra que forçaram Nixon a negociar com Hanói a retirada dos EUA do Vietname, num acordo que foi o prólogo da derrota americana no Sudeste Asiático.
A analogia das situações, sublinhada por observadores internacionais, termina, porém, aí.
A repulsa crescente do povo americano pelas guerras neocoloniais do Iraque, do Afeganistão e da Líbia está a evoluir nos EUA para uma atitude de protesto contra o sistema do qual Wall Street, como vitrina do capital, é o símbolo.
Alguns sindicatos tornaram público o seu apoio ao movimento iniciado por jovens. Dirigentes seus desfilaram já em frente do Stock Exchange, o edifício da Bolsa; e centenas de pilotos de grandes companhias aéreas imitaram-nos. A auto intitulada Assembleia-geral da Cidade de Nova Iorque lançou um apelo com a palavra de ordem «ocupem as ruas!». Universidades prestigiadas aderem às manifestações.
Num dos desfiles uma estudante exibia um cartaz expressivo: «Ninguém é mais completamente escravizado do que aquele que acredita falsamente ser livre» – Goethe.
Noam Chomsky, Michael Moore e outras personalidades progressistas de prestígio internacional deslocaram-se a Wall Street e escreveram artigos apoiando o protesto.
A Casa Branca tem motivos para estar preocupada. Num país onde as fortunas de 400 multimilionários excedem os bens, somados, de metade da população – como lembra Michael Moore – as palavras de ordem dos manifestantes são agora mais radicais. Muitos passam da crítica ao sistema e da responsabilização dos banqueiros e especuladores à condenação do capitalismo.
Os grandes da Finança estão alarmados. Um protesto de jovens que inicialmente subestimaram como coisa de hippies está a tomar um rumo que definem como «perigoso».

Que lições para Portugal?

Os media portugueses ditos de referência têm dedicado pouca atenção aos acontecimentos da Wall Street.
Para as forças progressistas, eles constituem, porém, tema de reflexão. Um dos seus ensinamentos é a demonstração inesperada de que no maior baluarte do capitalismo tem sido possível contestar o sistema nas ruas de forma permanente há quase duas semanas.
Em Portugal as manifestações contra a política de traição nacional impostas pelo imperialismo através do Governo que o representa também, para atingirem o seu objectivo devem assumir carácter permanente, mediante iniciativas diversificadas.
A CGTP anunciou no dia 1 uma semana de luta no final do mês, que incluirá greves sectoriais.
As manifestações de Lisboa e do Porto levaram o pânico ao grande capital. É significativo que a PSP tenha sem demora divulgado um comunicado no qual prevê que a contestação social às medidas do memorando da troika desemboque em «tumultos» e actos de violência «semelhantes aos do PREC».
Esse berro reaccionário vale por uma certeza: o aparelho repressivo do Estado, imitando o grego, prepara-se para infiltrar provocadores em protestos massivos que traduzam o descontentamento popular perante as calamidades que atingem o País. Alguns jornais antecipam-se, sugerindo que o PCP pode eventualmente surgir ligado a esses futuros «tumultos», não obstante ser do domínio público que o Partido Comunista sempre condenou a violência irracional (saque de lojas, incêndios, queima de automóveis e edificios, etc.).
A intenção de intimidar os trabalhadores que transparece no comunicado policial tem por complemento o slogan largamente difundido de que somos um povo diferente, de brandos costumes, que abomina a violência social.
Esse discurso e a linguagem usada ocultam mal o propósito de misturar alhos com bugalhos. Os tumultos, os saques, a destruição de edifícios não podem ser confundidos com acções legítimas de violência social. O abismo entre a violência irracional e a violência social é tamanho que até um destacado político de direita como Pacheco Pereira reconhece essa evidência em crónica publicada no jornal Público (8.10.11) em que denuncia a especulação de governantes sobre «tumultos hipotéticos».
Chamo a atenção para o facto porque a luta de massas tende a radicalizar-se em Portugal como resposta defensiva inevitável a uma política criminosa.
A anunciada semana de luta programada pela CGTP vai trazer algumas respostas a questões teóricas e práticas que condicionam o futuro do povo português.
Repito: os acontecimentos de Wall Street confirmam que o grande capital que controla o sistema de exploração responsável pela crise está preparado para absorver e neutralizar os protestos isolados, mas quando estes se tornam permanentes e assumem um carácter massivo, entra em pânico. O gigante tem pés de barro.

http://www.avante.pt/pt/1976/temas/116584/

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