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13/10/2011

Milhões de portugueses em risco de pobreza

Eugénio Rosa

A pretexto da crise, estão a ser estrangulados financeiramente, para não dizer mesmo destruídos serviços públicos essenciais à população. No seu ataque às funções sociais do Estado, o Governo tem reduzido também drasticamente as condições de vida dos trabalhadores da Função Pública.
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LUSA
O Instituto Nacional de Estatística divulgou já este ano (11.8.2011) dados sobre a pobreza em Portugal. E esses dados divulgados pelo serviço oficial de estatística português merecem uma atenção e uma reflexão muito séria, nomeadamente num período em que o actual Governo e as forças políticas e patronais que o apoiam não se cansam de falar da necessidade de fazer grandes cortes na despesa pública, nomeadamente nas funções sociais do Estado, até porque são precisamente estas que têm maior peso nas despesas totais do Estado.
Em 2009 – e a situação actual deverá ser certamente mais grave devido ao aumento do desemprego, ao congelamento das pensões, e aos cortes nas prestações sociais –, 1 904 274 portugueses encontravam-se na situação de risco de pobreza. No entanto, este total, que já era muito elevado, só era alcançado depois das transferências sociais (em dinheiro e em espécie), pois se não existissem essas transferências, ou se fossem eliminadas, o número de portugueses no limiar de pobreza, nesse ano, subiria para 4 617 066. Para além disso, este número tem crescido todos os anos. Entre 2006 e 2009, passou de 4 234 360 para 4 617 066, ou seja, aumentou em 382 706, o que significa que está a crescer, em média, em 127 568 por ano (Quadro I). Se retirarmos a este número aqueles que após as transferências continuam na situação de pobreza – 1 904 274 em 2009 – conclui-se rapidamente que 2 712 792 só não nessa situação porque recebem prestações sociais, pois se as não tivessem, ou se forem drasticamente reduzidas, como pretende o Governo, cairão imediatamente na situação de pobreza.

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As prestações que o Governo pretende cortar

As prestações sociais são ou em espécie (serviços de educação prestado pelas escolas públicas, consultas e operações nos Centros de Saúde e nos hospitais públicos) ou em dinheiro (pensões, subsídios de doença e de desemprego, abonos de famílias, rendimento social de inserção, comparticipação nos medicamentos, etc.). Alguns dados oficiais mostram a importância destas prestações sociais para todos os portugueses, e também provam que a sua eliminação ou mesmo redução, como pretende o Governo, tornará a vida muito mais difícil para milhões de portugueses.
Na área do ensino Básico e Secundário, no ano lectivo 2009/2010, que são os últimos dados oficiais disponíveis, estavam inscritos 1 911 380 alunos, sendo 1 492 763 no sistema público, ou seja, 78,4% do total. E dos restantes 413 617 que estão inscritos no ensino privado, 156 757, ou seja, 38,4% estão no ensino «Privado dependente do Estado», isto é, financiado também por este.
Com o agravamento da crise, o número de pais que transferem os filhos do ensino privado para o público não pára de aumentar. Na área do ensino Superior, e tomando como base os dados referentes ao ano lectivo 2008-2009, que são os últimos disponíveis, estavam inscritos 373 002 alunos, sendo 282 438, ou seja, 75,7% do total no ensino Superior público, estando inscritos no ensino privado apenas 90 564 (24,3% do total). E o seu número já diminuiu em 2011 devido à redução de bolsas sociais. Na área da Saúde, em 2010, foram realizadas 42 722 502 consultas em centros de Saúde e consultas hospitalares externas, o que dá uma média de quatro por habitante, ou seja, uma consulta por trimestre nos Centros de Saúde e nos hospitais públicos. No mesmo ano foram realizadas 482 928 operações de cirurgia em hospitais públicos. Na área da Segurança Social, em Julho de 2011, o número de pensionistas de invalidez e velhice somava 1 927 771 portugueses, o que corresponde a cerca de 18% da população portuguesa, a que se juntam ainda 706 799 portugueses com pensões de sobrevivência pagas pela Segurança Social; apesar dos sucessivos cortes o número de portugueses a receber prestações familiares (abonos de família, subsídio de educação especial, subsídio de assistência a 3ª pessoa, etc.) atingia 1 271 620; o número de desempregados a receber subsídio de desemprego era 285 336; o número de famílias a receber RSI somava 121 336 e o número de beneficiários do RSI somava 327 506.
Estes números são suficientes para mostrar a importância destes serviços – Educação, Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social e CGA – para a vida dos portugueses. E são precisamente nas despesas com estes serviços essenciais para a população que o Governo PSD/CDS está a fazer os maiores cortes e pretende realizar em 2012, e nos anos seguintes, ainda maiores reduções.
O Quadro II, construído com dados divulgados pela Direcção Geral do Orçamento do Ministério da Finanças na sua informação sobre a «Execução Orçamental de Setembro de 2011», mostra a dimensão dos cortes naquelas áreas essenciais.
De acordo com estes dados oficiais, o corte registado nas despesas com as funções sociais do Estado (fundamentalmente Educação, Saúde e Segurança Social) no período Janeiro a Agosto de 2011, quando comparado com a despesa de idêntico período de 2010, atingiu -1311 milhões € a preços correntes e -1952 milhões € em termos reais (preços de 2010). Se fizermos uma estimativa para todo o ano de 2011, conclui-se que a redução nas despesas sociais do Estado deverá atingir este ano -1967 milhões € a preços correntes e -2928 milhões € em termos reais (preços de 2010). Os sectores mais atingidos serão a Educação (redução de -889 milhões € em termos reais); a Saúde (redução de -1014 milhões em termos reais); e a Segurança Social (redução de -897 milhões € em termos reais).
Como se tudo isto não fosse suficiente, o Governo PSD/CDS tenciona aumentar esses cortes em 2012 e ainda mais do que o que consta do «Memorando de entendimento» FMI/BCE/CE/PS/PSD/CDS, como prova o seu «Documento de Estratégia Orçamental para o período 2011-2015, cujos dados (alguns) constam do Quadro III.
O Governo tenciona realizar mais cortes no período 2012-2013, nomeadamente na Educação mais 370 milhões €; no SNS mais 925 milhões €; na ADSE mais 200 milhões €; nas pensões, para além do congelamento, um corte de 820 milhões €; no subsídio de desemprego um corte de mais 150 milhões €; e nos outros apoios sociais um novo corte de 350 milhões €, o que dá um total de cortes nas funções sociais do Estado que atinge 2815 milhões €. Isto é o que consta no «Memorando de entendimento», «actualizado», sem conhecimento dos portugueses, em 1 de Setembro de 2011 (a versão anterior era de Maio).
Mas o Governo pretende ir «mais além», como revela o «Documento de Estratégia Orçamental 2011-2015». A prová-lo está o facto do «Memorando de entendimento» prever um corte nas despesas com as funções sociais do Estado de 1440 milhões € em 2012, e o Governo prever já um corte de 2039 milhões no mesmo ano, ou seja, mais 41,6%.
É evidente que estes cortes tão grandes determinarão a exclusão de centenas de milhares de portugueses do acesso a prestações sociais e a serviços essenciais, provocando o aumento da pobreza em Portugal.

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A dimensão do ataque
às condições de vida
dos trabalhadores da função pública

No seu objectivo de reduzir o acesso da população a serviços essenciais, os sucessivos governos têm tido uma política de degradação das condições de vida dos trabalhadores da Função Pública.
Entre 2000 e 2011, o poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública diminuiu entre -8% (para os trabalhadores com remunerações até 1500€) e -15,5% (para os trabalhadores com remunerações superiores a 1500€ ). E para os anos de 2012 e 2013 é intenção deste Governo manter o corte e o congelamento das remunerações, o que determinará, se tal intenção se concretizar, uma nova e significativa redução nas condições de vida destes trabalhadores, até porque é previsível que a inflação dispare com o aumento significativo dos impostos.
O congelamento das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública no período 2011-2013 determinará que estes trabalhadores recebam menos 1028 milhões € de remunerações como consta do «Documento de Estratégia Orçamental 2011-2015» do Governo. Por outro lado, o corte feito pelo governo de Sócrates nas remunerações dos trabalhadores da Função Pública em 2011, que o Governo de Passos Coelho pretende manter, determinou uma redução nas retribuições dos trabalhadores da Função Pública em 1190 milhões € (se incluir as empresas públicas são mais 242,5 milhões €) como consta da pág. 48 do próprio Relatório do Orçamento do Estado de 2011.
Enquanto isto sucedeu na Administração Pública, no sector privado, em idêntico período (2000-2011), o poder de compra das remunerações, de acordo com os dados oficiais, aumentou cerca de 8%. Portanto, a desigualdade de tratamento é clara.
O ataque às condições de vida de todos os trabalhadores portugueses no período 2000-2011 foi muito grande em Portugal, mas os trabalhadores da Administração Pública têm sido o alvo preferencial da fúria dos ataques do Governo, precisamente por estarem em serviços públicos essenciais à população que os sucessivos governos, e nomeadamente o do PSD/CDS, pretendem reduzir drasticamente, para não dizer mesmo destruir, pelo menos uma parte importante deles, para assim também criar oportunidades de negócio aos privados, nomeadamente aos grupos económicos da Saúde (José de Mello, grupo Espírito Santo, etc.) e a outros.
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http://www.avante.pt/pt/1976/temas/116580/

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