Henrique Custódio
O quase ex-presidente do BCE, Claude Trichet, decidiu despedir-se da ribalta financeira europeia declarando que «a crise é sistémica e deve ser enfrentada de uma forma decisiva».
Habilidoso como necessariamente se espera de um presidente da alta finança, Trichet teve o cuidado de concentrar a sua judiciosa advertência na palavra «crise», ficando em suspense a que «crise» se referiria –
Já agora também poderia substituir o termo «sistémico» – que significa montes de coisas («sistema», «ordenado», «metódico», «que envolve organismos» e, até, «relativo à circulação sanguínea ou de seivas vegetais»), mas nada que possa qualificar uma «crise» político-financeira-social.
Por isso talvez devesse dizer «crise do sistema» – o único significado coerente – mas aí não quis chegar Trichet, não porque não o saiba, mas porque saberá ainda mais, nomeadamente que admitir uma «crise de sistema» atraía a inevitável adjectivação de «sistema capitalista», o que conduziria a outras questões nevráligicas a explicar a actual «crise», como as crises cíclicas do capitalismo definidas por Marx ou a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo na sua fase imperialista, descoberta por Lenine (e até agora sempre confirmada).
É claro que Trichet jamais poderia abrir tal «caixa de Pandora» – por isso ficou-se pelo «sistémico», que não quer dizer grande coisa, parece original e não compromete.
Ao mesmo tempo o sr. Prodi, o «ex-Durão Barroso» da Comissão Europeia e o «ex-José Sócrates» do governo italiano, falando em Barcelona para a apresentação de um livro de Pujol (também ex-presidente do governo da Catalunha cuja trajectória de direita se harmoniza com outro ilustre «ex» de Romano Prodi, o de «ex-comunista»), proferiu, às tantas, um inesperado raciocínio: «A verdadeira China do mundo é a Alemanha, proporcionalmente, claro. A Alemanha tem 197 mil milhões de excedente. Nunca tiveram isso antes porque nós estávamos sempre a desvalorizar as nossas moedas».
É o que se chama «na mouche». Ora aqui está ao que conduziu a «moeda única» do euro e a sua férrea «estabilidade»: ao enriquecimento exponencial do capitalismo alemão e derivados (o que não é a mesma coisa que do povo alemão), à custa da «ditadura do défice» imposta também pela Alemanha e que está a sangrar ao vivo, e em público, os chamados «países periféricos», com a Grécia actualmente no pelourinho das execuções sumárias (dos bens e riquezas, que isto é gente civilizada) e Portugal, Espanha e Itália também na fila dos condenados, de baraço ao pescoço a caminho do cadafalso, enquanto a turba dos mercados os vitupera, sedenta de sangue.
Entretanto, a sra. Merkel e o sr. Sarkozy reuniram-se pela 47.ª vez, sempre «em privado», para declararem pela 47.ª vez que nem sequer vão mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, como dizia Lampedusa. Eles nunca mudam nada, até ao desastre total.
Foi disso que o sr. Trichet os quis avisar.
http://www.avante.pt/pt/1976/opiniao/116637/
Habilidoso como necessariamente se espera de um presidente da alta finança, Trichet teve o cuidado de concentrar a sua judiciosa advertência na palavra «crise», ficando em suspense a que «crise» se referiria –
Já agora também poderia substituir o termo «sistémico» – que significa montes de coisas («sistema», «ordenado», «metódico», «que envolve organismos» e, até, «relativo à circulação sanguínea ou de seivas vegetais»), mas nada que possa qualificar uma «crise» político-financeira-social.
Por isso talvez devesse dizer «crise do sistema» – o único significado coerente – mas aí não quis chegar Trichet, não porque não o saiba, mas porque saberá ainda mais, nomeadamente que admitir uma «crise de sistema» atraía a inevitável adjectivação de «sistema capitalista», o que conduziria a outras questões nevráligicas a explicar a actual «crise», como as crises cíclicas do capitalismo definidas por Marx ou a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo na sua fase imperialista, descoberta por Lenine (e até agora sempre confirmada).
É claro que Trichet jamais poderia abrir tal «caixa de Pandora» – por isso ficou-se pelo «sistémico», que não quer dizer grande coisa, parece original e não compromete.
Ao mesmo tempo o sr. Prodi, o «ex-Durão Barroso» da Comissão Europeia e o «ex-José Sócrates» do governo italiano, falando em Barcelona para a apresentação de um livro de Pujol (também ex-presidente do governo da Catalunha cuja trajectória de direita se harmoniza com outro ilustre «ex» de Romano Prodi, o de «ex-comunista»), proferiu, às tantas, um inesperado raciocínio: «A verdadeira China do mundo é a Alemanha, proporcionalmente, claro. A Alemanha tem 197 mil milhões de excedente. Nunca tiveram isso antes porque nós estávamos sempre a desvalorizar as nossas moedas».
É o que se chama «na mouche». Ora aqui está ao que conduziu a «moeda única» do euro e a sua férrea «estabilidade»: ao enriquecimento exponencial do capitalismo alemão e derivados (o que não é a mesma coisa que do povo alemão), à custa da «ditadura do défice» imposta também pela Alemanha e que está a sangrar ao vivo, e em público, os chamados «países periféricos», com a Grécia actualmente no pelourinho das execuções sumárias (dos bens e riquezas, que isto é gente civilizada) e Portugal, Espanha e Itália também na fila dos condenados, de baraço ao pescoço a caminho do cadafalso, enquanto a turba dos mercados os vitupera, sedenta de sangue.
Entretanto, a sra. Merkel e o sr. Sarkozy reuniram-se pela 47.ª vez, sempre «em privado», para declararem pela 47.ª vez que nem sequer vão mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, como dizia Lampedusa. Eles nunca mudam nada, até ao desastre total.
Foi disso que o sr. Trichet os quis avisar.
http://www.avante.pt/pt/1976/opiniao/116637/
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