Andreia Sanches
Não são apenas as crianças que vivem com rendimentos abaixo do limiar de pobreza que são pobres. São também aquelas cujo bem-estar é afectado por condições de vida "deficientes" - e que, por isso mesmo, se considera que estão "em privação". É com base nesta abordagem que uma equipa de investigadores do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade Técnica de Lisboa, conclui que cerca de 40 por cento das crianças portuguesas vivem em "situação de pobreza".
Um estudo encomendado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, a que o PÚBLICO teve acesso - e que será apresentado depois de manhã, Dia Mundial da Criança, no ISEG -, mostra que as crianças até aos 17 anos são o grupo mais vulnerável à pobreza, tendo ultrapassado o dos idosos.
Diferentes dados estatísticos, relativos ao período que vai de 2004 a 2009, são explorados. Amélia Bastos, Carla Machado e José Passos não se limitaram a contabilizar quantas pessoas se encontram em pobreza monetária - algo que é periodicamente calculado pelo Eurostat, o departamento de estatística da União Europeia. Até porque este é um indicador que consideram ter "fragilidades" já que, dizem, "a pobreza não se confina nem se esgota na escassez de recursos monetários".
Analisaram também as condições de vida - através do Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos, feito anualmente, e do Inquérito às Despesas das Famílias, levado a cabo de cinco em cinco anos, ambos pelo Instituto Nacional de Estatística. Os dados mostram, por exemplo, que não há nenhuma criança que por razões económicas esteja privada de televisão. Mas que 23 por cento vivem em alojamentos sobrelotados e que cinco por cento estão inseridas num agregado que não faz uma refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano) pelo menos de dois em dois dias. E não faz porque não tem dinheiro.
Vai piorar?
Mas vamos por partes: uma em cada quatro crianças (23 por cento) estava, em 2009, inserida em famílias com rendimentos abaixo do limiar de pobreza; 27 por cento viviam uma situação de privação, tendo em conta 12 indicadores (ver entrevista). E mais de uma em cada dez (11,2 por cento) acumulava a forma mais gravosa de pobreza - estava em privação e, ao mesmo tempo, os seus agregados dispunham de rendimentos abaixo do limiar de pobreza.
Olhando para trás a evolução está longe de ser brilhante: em 2004, havia quase tantas crianças em situação de pobreza grave como em 2009 (a percentagem era de 11,9 por cento); e o número de miúdos que atingido por algum tipo de pobreza (monetária, privação ou ambas) era apenas 1,2 pontos percentuais inferior.
E o futuro? "O momento presente deixa-nos algumas interrogações adicionais. Os recentes cortes nos apoios sociais não permitem antever um futuro promissor para estas crianças...", são as últimas palavras deixadas num estudo que alerta ainda para o facto da pobreza infantil ter "uma gravidade acrescida relativamente aos restantes estratos da população", uma vez que as suas consequências se fazem sentir "no curto e no médio e longo prazos" do país. No curto, "por via das privações diárias a que as crianças pobres estão sujeitas", no médio e longo prazo "através do grau de escolaridade/qualificação profissional, da inserção no mercado de trabalho, da capacidade de participação e intervenção social" que terão.
Para já, revela-se, e olhando exclusivamente para a pobreza monetária, apenas uma em cada três não esteve em situação de pobreza pelo menos um ano, no período de 2005 a 2007.
Os mais penalizados
Há grupos de crianças para quem os últimos anos foram particularmente pesados. Por exemplo: em 2004, 39,7 por cento das que estavam inseridas em agregados onde ninguém trabalhava encontravam-se simultaneamente em privação e pobreza monetária; em 2009 a percentagem subiu para 45,3 por cento.
O facto de haver emprego na família não é, contudo, garantia de bem-estar. "Cerca de 35 por cento das crianças incluídas em famílias onde pelo menos um elemento está a trabalhar estão ora em pobreza monetária ora em privação." Os baixos salários explicarão. Tal como a precariedade, diz Amélia Bastos, coordenadora do estudo.
As crianças em famílias de maior dimensão (dois adultos e três ou mais crianças) também foram particularmente penalizadas: 29,5 por cento acumulavam em 2009 pobreza e privação. "Ter crianças significa ter mais custos e se o rendimento é baixo ter crianças diminui a capacidade financeira e o nível de bem-estar do agregado familiar", diz Amélia Bastos. Mais vulneráveis estão também as crianças mais velhas (16-17 anos) e as mais novas (até cinco anos). O que "pode antecipar alguma deterioração na situação de pobreza global no curto prazo".
Os autores assumem que a escassez de estatísticas sobre a infância é "uma forte limitação à análise efectuada". Até porque a generalidade dos dados que existem não são recolhidos especificamente para as crianças - a unidade de observação é o agregado familiar. Amélia Bastos admite que se mais dados específicos existissem para avaliar a pobreza infantil, as conclusões até podiam ser diferentes. "Mas menos gravosas duvido que fossem."
Diferentes dados estatísticos, relativos ao período que vai de 2004 a 2009, são explorados. Amélia Bastos, Carla Machado e José Passos não se limitaram a contabilizar quantas pessoas se encontram em pobreza monetária - algo que é periodicamente calculado pelo Eurostat, o departamento de estatística da União Europeia. Até porque este é um indicador que consideram ter "fragilidades" já que, dizem, "a pobreza não se confina nem se esgota na escassez de recursos monetários".
Analisaram também as condições de vida - através do Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos, feito anualmente, e do Inquérito às Despesas das Famílias, levado a cabo de cinco em cinco anos, ambos pelo Instituto Nacional de Estatística. Os dados mostram, por exemplo, que não há nenhuma criança que por razões económicas esteja privada de televisão. Mas que 23 por cento vivem em alojamentos sobrelotados e que cinco por cento estão inseridas num agregado que não faz uma refeição de carne ou peixe (ou equivalente vegetariano) pelo menos de dois em dois dias. E não faz porque não tem dinheiro.
Vai piorar?
Mas vamos por partes: uma em cada quatro crianças (23 por cento) estava, em 2009, inserida em famílias com rendimentos abaixo do limiar de pobreza; 27 por cento viviam uma situação de privação, tendo em conta 12 indicadores (ver entrevista). E mais de uma em cada dez (11,2 por cento) acumulava a forma mais gravosa de pobreza - estava em privação e, ao mesmo tempo, os seus agregados dispunham de rendimentos abaixo do limiar de pobreza.
Olhando para trás a evolução está longe de ser brilhante: em 2004, havia quase tantas crianças em situação de pobreza grave como em 2009 (a percentagem era de 11,9 por cento); e o número de miúdos que atingido por algum tipo de pobreza (monetária, privação ou ambas) era apenas 1,2 pontos percentuais inferior.
E o futuro? "O momento presente deixa-nos algumas interrogações adicionais. Os recentes cortes nos apoios sociais não permitem antever um futuro promissor para estas crianças...", são as últimas palavras deixadas num estudo que alerta ainda para o facto da pobreza infantil ter "uma gravidade acrescida relativamente aos restantes estratos da população", uma vez que as suas consequências se fazem sentir "no curto e no médio e longo prazos" do país. No curto, "por via das privações diárias a que as crianças pobres estão sujeitas", no médio e longo prazo "através do grau de escolaridade/qualificação profissional, da inserção no mercado de trabalho, da capacidade de participação e intervenção social" que terão.
Para já, revela-se, e olhando exclusivamente para a pobreza monetária, apenas uma em cada três não esteve em situação de pobreza pelo menos um ano, no período de 2005 a 2007.
Os mais penalizados
Há grupos de crianças para quem os últimos anos foram particularmente pesados. Por exemplo: em 2004, 39,7 por cento das que estavam inseridas em agregados onde ninguém trabalhava encontravam-se simultaneamente em privação e pobreza monetária; em 2009 a percentagem subiu para 45,3 por cento.
O facto de haver emprego na família não é, contudo, garantia de bem-estar. "Cerca de 35 por cento das crianças incluídas em famílias onde pelo menos um elemento está a trabalhar estão ora em pobreza monetária ora em privação." Os baixos salários explicarão. Tal como a precariedade, diz Amélia Bastos, coordenadora do estudo.
As crianças em famílias de maior dimensão (dois adultos e três ou mais crianças) também foram particularmente penalizadas: 29,5 por cento acumulavam em 2009 pobreza e privação. "Ter crianças significa ter mais custos e se o rendimento é baixo ter crianças diminui a capacidade financeira e o nível de bem-estar do agregado familiar", diz Amélia Bastos. Mais vulneráveis estão também as crianças mais velhas (16-17 anos) e as mais novas (até cinco anos). O que "pode antecipar alguma deterioração na situação de pobreza global no curto prazo".
Os autores assumem que a escassez de estatísticas sobre a infância é "uma forte limitação à análise efectuada". Até porque a generalidade dos dados que existem não são recolhidos especificamente para as crianças - a unidade de observação é o agregado familiar. Amélia Bastos admite que se mais dados específicos existissem para avaliar a pobreza infantil, as conclusões até podiam ser diferentes. "Mas menos gravosas duvido que fossem."
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