Catarina Guerreiro
O Centro Hospital de Lisboa Ocidental (CHLO), que inclui os hospitais Egas Moniz, São Francisco Xavier e Santa Cruz, está a recusar a marcação de primeiras consultas a todos os utentes que não sejam da área de influência. Isto, mesmo aos doentes que são atendidos nas urgências daqueles estabelecimentos, aos beneficiários da ADSE, aos presos enviados pelo hospital-prisão de Caxias, aos utentes dos Palops (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e aos cidadãos com cartão europeu de saúde. A decisão, segundo um documento a que o SOL teve acesso, partiu da administração do CHLO e está chocar os médicos, que dizem não aceitar «recusar doentes ou tratá-los de forma diferente por virem de sítios diferentes».
Muitos clínicos foram já queixar-se à administração, avisando que não estão dispostos a operar um paciente na urgência e depois, se precisarem de marcar consulta e seguir o doente, terem de o reencaminhar para outro hospital. A única excepção a esta recusa, aceite logo à partida pela administração, diz respeito aos funcionários e seus familiares.
«É uma vergonha. É ilegal, e os médicos não aceitam», diz um profissional do CHOL, explicando que este é o «triste resultado» da necessidade de poupar.
Direcção admite restrições financeirasAliás, numa carta enviada pela directora do Centro Hospitalar, Maria João Pais, à gestora de doentes, Isabel Cabral, a primeira admite que, «pelas restrições financeiras recentemente impostas, decidiu a direcção clínica que devem ser recusados todos os pedidos de primeiras consultas para doentes cuja residência se encontra fora da área de influência».
Para os sindicatos, isto significa que os cortes financeiros já estão a ter reflexos no acesso à saúde, pondo em causa o carácter universal do Serviço Nacional de Saúde (SNS). «Esta é uma limitação grave, anti-constitucional, que apenas visa poupar dinheiro», defende Paulo Simões, do Sindicato Independente.
No documento, a administração deixa claro que a recusa é para aplicar aos doentes da ADSE (sistema que deixou de pagar a horas aos hospitais), que até agora tinham livre escolha. «Com estas orientações, os doentes da ADSE perdem o direito que tinham de, por estarem num subsistema, irem ao hospital que queriam. Ficam sem acesso livre ao SNS porque não conseguem marcar primeiras consultas», critica Mendes Ribeiro, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e autor do livro Saúde, a Liberdade de Escolher.
Poupar no HIV
O especialista concorda que estas orientações representam «um limite ao acesso» e aproveita para recordar que «desde 2005 a quota parte da despesa de saúde suportada pelas famílias subiu de 30 para 34%». Ou seja, conclui Mendes Ribeiro, «há cada vez pior acesso ao SNS».
Outro dos grupos afectados são os reclusos. O objectivo é impedir que seja o CHLO, especialmente o serviço de infecto-contagiosos do Egas Moniz, a tratar os doentes, que são encaminhados de outras prisões do país para o hospital-prisão de Caxias. «Como há muitos reclusos com HIV, e os medicamentos são caros, o objectivo é empurrar os gastos para os hospitais da prisão de origem dos reclusos», explica um médico, acrescentando: «Se um preso de Custóias (Porto) for transferido para o Hospital-prisão de Caxias e daqui for transferido para o Egas, a administração quer recusá-lo e encaminhá-lo para o Hospital de São João, no Porto».
As orientações vão ainda no sentido de se recusar os doentes com cartão europeu, os referenciados pelas embaixadas, os dos Palops e os utentes referenciados pela Região Autónoma dos Açores, com a qual, segundo o CHLO, tem havido problemas de facturação.
Critérios excessivos à luz da Constituição
Além de limitar o acesso, os profissionais de saúde consideram que estas medidas, tendo em conta tratar-se de hospitais-empresa, são «ilegais face à legislação europeia».
«Os hospitais foram transformados em empresas para que o défice desses hospitais não fosse contabilizado no défice público. Mas se Bruxelas percebe que estão a recusar doentes e a não seguir as normas empresariais, pode obrigar a que o défice seja de novo incluído no défice público», avisa um clínico do Egas Moniz.
O constitucionalista Bacelar Gouveia sublinha que a Constituição prevê o direito ao acesso geral e universal. E, apesar de admitir que por razões de organização se fixem áreas de influência, diz que este caso do CHOL apresenta «critérios excessivos» que podem pôr em causa aquele direito constitucional.
Também o constitucionalista Rui Medeiros considera que o que está em causa pode ser «censurável do ponto de vista constitucional». Lembrando que não há ainda regras definitivas sobre a liberdade de escolha dos doentes, Medeiros frisa que é uma forma de «promover a concorrência e qualidade dos serviços».
Jorge Simões, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), por seu lado, refere que «desconhece qualquer situação concreta, por não ter recebido qualquer reclamação de utentes a quem tenham sido recusadas primeiras consultas no CHLO». Mas lembra que compete à ERS «assegurar o direito de acesso universal e equitativo aos serviços públicos de saúde», podendo os hospitais ser «punidos devido a práticas de rejeição discriminatória ou infundada de pacientes». O SOL contactou o CHOL, mas ninguém quis prestar esclarecimentos.
Muitos clínicos foram já queixar-se à administração, avisando que não estão dispostos a operar um paciente na urgência e depois, se precisarem de marcar consulta e seguir o doente, terem de o reencaminhar para outro hospital. A única excepção a esta recusa, aceite logo à partida pela administração, diz respeito aos funcionários e seus familiares.
«É uma vergonha. É ilegal, e os médicos não aceitam», diz um profissional do CHOL, explicando que este é o «triste resultado» da necessidade de poupar.
Direcção admite restrições financeirasAliás, numa carta enviada pela directora do Centro Hospitalar, Maria João Pais, à gestora de doentes, Isabel Cabral, a primeira admite que, «pelas restrições financeiras recentemente impostas, decidiu a direcção clínica que devem ser recusados todos os pedidos de primeiras consultas para doentes cuja residência se encontra fora da área de influência».
Para os sindicatos, isto significa que os cortes financeiros já estão a ter reflexos no acesso à saúde, pondo em causa o carácter universal do Serviço Nacional de Saúde (SNS). «Esta é uma limitação grave, anti-constitucional, que apenas visa poupar dinheiro», defende Paulo Simões, do Sindicato Independente.
No documento, a administração deixa claro que a recusa é para aplicar aos doentes da ADSE (sistema que deixou de pagar a horas aos hospitais), que até agora tinham livre escolha. «Com estas orientações, os doentes da ADSE perdem o direito que tinham de, por estarem num subsistema, irem ao hospital que queriam. Ficam sem acesso livre ao SNS porque não conseguem marcar primeiras consultas», critica Mendes Ribeiro, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e autor do livro Saúde, a Liberdade de Escolher.
Poupar no HIV
O especialista concorda que estas orientações representam «um limite ao acesso» e aproveita para recordar que «desde 2005 a quota parte da despesa de saúde suportada pelas famílias subiu de 30 para 34%». Ou seja, conclui Mendes Ribeiro, «há cada vez pior acesso ao SNS».
Outro dos grupos afectados são os reclusos. O objectivo é impedir que seja o CHLO, especialmente o serviço de infecto-contagiosos do Egas Moniz, a tratar os doentes, que são encaminhados de outras prisões do país para o hospital-prisão de Caxias. «Como há muitos reclusos com HIV, e os medicamentos são caros, o objectivo é empurrar os gastos para os hospitais da prisão de origem dos reclusos», explica um médico, acrescentando: «Se um preso de Custóias (Porto) for transferido para o Hospital-prisão de Caxias e daqui for transferido para o Egas, a administração quer recusá-lo e encaminhá-lo para o Hospital de São João, no Porto».
As orientações vão ainda no sentido de se recusar os doentes com cartão europeu, os referenciados pelas embaixadas, os dos Palops e os utentes referenciados pela Região Autónoma dos Açores, com a qual, segundo o CHLO, tem havido problemas de facturação.
Critérios excessivos à luz da Constituição
Além de limitar o acesso, os profissionais de saúde consideram que estas medidas, tendo em conta tratar-se de hospitais-empresa, são «ilegais face à legislação europeia».
«Os hospitais foram transformados em empresas para que o défice desses hospitais não fosse contabilizado no défice público. Mas se Bruxelas percebe que estão a recusar doentes e a não seguir as normas empresariais, pode obrigar a que o défice seja de novo incluído no défice público», avisa um clínico do Egas Moniz.
O constitucionalista Bacelar Gouveia sublinha que a Constituição prevê o direito ao acesso geral e universal. E, apesar de admitir que por razões de organização se fixem áreas de influência, diz que este caso do CHOL apresenta «critérios excessivos» que podem pôr em causa aquele direito constitucional.
Também o constitucionalista Rui Medeiros considera que o que está em causa pode ser «censurável do ponto de vista constitucional». Lembrando que não há ainda regras definitivas sobre a liberdade de escolha dos doentes, Medeiros frisa que é uma forma de «promover a concorrência e qualidade dos serviços».
Jorge Simões, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), por seu lado, refere que «desconhece qualquer situação concreta, por não ter recebido qualquer reclamação de utentes a quem tenham sido recusadas primeiras consultas no CHLO». Mas lembra que compete à ERS «assegurar o direito de acesso universal e equitativo aos serviços públicos de saúde», podendo os hospitais ser «punidos devido a práticas de rejeição discriminatória ou infundada de pacientes». O SOL contactou o CHOL, mas ninguém quis prestar esclarecimentos.
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