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14/04/2011

A fiscalidade ao serviço de uma maior justiça social

Anselmo Dias

«Os impostos indirectos tratam todos pela mesma medida, tanto pobres como ricos, razão por que são, neste aspecto, mais injustos. É essa, aliás, a razão por que eu nunca concordei em taxar cada vez mais os impostos indirectos, nomeadamente o IVA».
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Quem disse, em 2010, o que atrás foi dito, diz agora, em 2011, o contrário, embora posteriormente um dirigente do PSD tenha vindo à TV desdizer o dito-por-não-dito.
Trata-se de Passos Coelho aquele que, no PSD, é o mano siamês daquele que, no PS, dá pelo nome de José Sócrates.
É o vale tudo naquilo que a direita prevê para o neófito PEC V.
Em nome de uma receita adicional de 500 milhões de euros por cada ponto percentual de aumento do IVA, o PSD, na antecipação dos resultados do próximo acto eleitoral, vai a pouco e pouco, embora com cartas escondidas, abrindo o jogo, exigindo, em linguagem soft, que as maiores vítimas da crise – os trabalhadores e os reformados –, sejam chamadas a uma acrescida redução do seu poder de compra.
Embora o IVA, um imposto sobre o consumo, abranja todos, a verdade dos factos é que em função dos rendimentos, associados à estrutura de despesas, os mais penalizados são os detentores dos baixos salários e das baixas reformas.
Com efeito, um aumento X num determinado produto alimentar tem consequências distintas em função de uma reforma de 300 euros ou do rendimento de 3 000 000 de euros atribuído a António Mexia, administrador da EDP.
A proposta do PSD tem, pois, a marca de classe desse partido, cujos barões, mandatários do Banco Espírito Santo e de outros grupos económicos, tudo farão com a ajuda dos proprietários dos meios de comunicação social para convencer a opinião pública de que, caso venha a ter acesso ao governo, os sacrifícios a introduzir nos próximos PEC serão iguais para todos.
Estamos naturalmente confrontados com uma batalha pela verdade.
Nessa batalha deve haver lugar para a discussão de uma nova lei fiscal tendente a uma maior justiça na estrutura dos impostos, não esquecendo que essa justiça, no sistema em que vivemos, será sempre relativa, tanto ou mais relativa quanto o interesse dominante das classes dominantes.
Como contributo para essa discussão analisámos três indicadores:
- o coeficiente entre os rendimentos dos 20% da população com os mais elevados rendimentos comparativamente aos 20% da população mais pobre, de acordo com os dados da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgados em 3/2/2008;
- o coeficiente de Gini, que consiste, de uma forma simplificada, num valor entre zero e 100, onde zero corresponde à completa igualdade de rendimentos e 100 corresponde à completa desigualdade, de acordo com os dados da ONU divulgados em 3/2/2008;
- o rendimento declarado em sede de IRS, de acordo com os dados tornados públicos pelo Ministério das Finanças.
Vejamos o resultado dessa análise.

Portugal com profundas desigualdades nos rendimentos

Primeiro: da análise ao coeficiente nos rendimentos entre os 20% da população com os mais elevados rendimentos e os 20% mais pobres a ONU, no conjunto de 126 países que forneceram elementos estatísticos, diz-nos que Portugal ocupa a modesta posição 73.ª, com um índice semelhante ao verificado na Tunísia.
Países como o Paquistão, a Índia, o Egipto, o Burkina Faso, Marrocos, entre muitos outros têm uma estrutura de rendimentos muito mais equilibrada do que a nossa, embora em termos de PIB per capita e em poder de compra sejam, todos eles, países mais pobres do que Portugal.
Estamos, naturalmente, a falar de um dado relativo, ou seja, uma mera comparação entre os rendimentos de dois grupos, os 20% mais ricos e os 20% mais pobres.
Esta relação nada nos diz sobre o rendimento efectivo das pessoas, ela apenas salienta, através de um coeficiente, a diferença entre o topo e a base, no que concerne aos rendimentos anuais dos agregados familiares.
Por esse coeficiente ficámos a saber que os países com menores diferenças nos rendimentos estão localizados na Europa, com uma larga supremacia dos antigos países socialistas o que comprova que, não obstante a deriva capitalista, ainda permanecem bons indicadores da herança socialista.
O país mais equilibrado na área a que nos vimos referindo é o Japão, a que se seguem a República Checa, a Bósnia, a Finlândia, a Hungria, a Noruega, a Eslovénia, a Eslováquia, a Suécia e a Ucrânia.
Na África as diferenças são grandes a que se juntam, em doses maciças, os países da América do Sul, durante muito tempo o quintal dos EUA, zelosos guardiões durante décadas das oligarquias e ditaduras que alimentaram as clivagens sociais que ainda permanecem em quase todos aqueles países, desde o México, na parte Norte, até ao Chile e Argentina na parte Sul, não esquecendo o Brasil.
E quanto aos EUA, o que há a dizer?
Nos EUA as diferenças sociais são enormes tendo em conta os rendimentos dos 20% mais ricos comparativamente aos 20% mais pobres. No já referido conjunto de 126 países os EUA ocupam o 77.º lugar.
Este dado, do ponto de vista ideológico, é importante. Ele vem provar a falsa teoria de que primeiro é necessário criar riqueza para, posteriormente, poder ser distribuída. Se isto fosse verdade a posição dos EUA não seria aquela.
O mesmo se passa em Portugal.
Segundo: se a análise deixar os parâmetros dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres e passar a considerar as assimetrias da totalidade população, então os dados são os seguintes: Portugal ocupa o 56.º lugar, balizado entre a Letónia e a Guiné.
Portugal ocupa, praticamente, o último lugar dos países europeus, apenas ultrapassado pela Macedónia e pela Rússia, esta última assaltada por uma clique que, em proveito próprio, tomou conta do património que havia pertencido ao Estado Soviético.
Os EUA, na posição 73.ª, continua mal nesta fotografia, o que comprova, mais uma vez, que uma coisa é a criação de riqueza e outra coisa é a sua distribuição.
O mesmo se passa em Portugal onde tal contradição parece escapar à manha argumentativa das vozes dos donos, nos quais incluímos vários professores de economia com assento regular nos meios de comunicação social.
Terceiro: se a análise deixar de lado os dados da ONU e passar a referir os dados fornecidos pelo Ministério das Finanças a conclusão é a seguinte: cerca de 1% (um por cento) dos agregados familiares portugueses declararam oficialmente em 2009, em sede de IRS, um rendimento de cerca de oito mil milhões de euros, cabendo neste universo a existência de 150 famílias com rendimentos individuais superiores a um milhão de euros.
O país que produz estes rendimentos oficiais (e as malas que saíam do BPN cheias de dinheiro, a «oferta de robalos» por parte do sucateiro de Ovar envolvido no processo «Face Oculta», bem como a fuga aos impostos por parte dos mais ricos, entram nesta estatística?), o país que produz tudo isto é o mesmo que produz a existência de cerca de 300 000 famílias com rendimentos mensais inferior a 250 euros.
Conclusão: Tanto a ONU como os dados oficiais constantes nas declarações em sede de IRS confirmam que Portugal é um país com profundas desigualdades sociais, cujo sistema produz, simultâneamente, 11 000 milionários e cerca de 2 000 000 de pobres.
Esta assimetria tem de ser resolvida.
Para já está na ordem do dia a exigência de uma tributação que maximize os impostos das grandes fortunas e dos elevados rendimentos, que reduza os impostos aplicados aos baixos rendimentos e que imponha à banca o pagamento do IRC que é aplicado a uma qualquer mercearia de bairro.
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Notas:
- Os dados constantes no Relatório da ONU não coincidem com os últimos dados do INE, no que concerne aos indicadores de desigualdade do rendimento. Com efeito, os coeficientes, reportados a 2008 e tornados públicos em 2010 pelo INE correspondem a 6 e a 35,4%, no que diz respeito, respectivamente, ao universo dos 20% dos rendimentos mais elevados e mais baixos e ao coeficiente Gini.
Dado que estes elementos do INE não referem os países referenciados pela ONU, entendemos manter a estatística desta Organização.
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Fontes:
- Programa de Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, 3/2/2008;
- Declaração de rendimentos em sede de IRS, 2009, Ministério das Finanças;
- Rendimento e condições de vida, INE, 20/10/2010.

http://www.avante.pt/pt/1950/temas/113935/ 

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