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04/11/2010

Contra os interesses dos portugueses e do País: Um Orçamento do Estado para «acalmar os mercados»

Eugénio Rosa

Quem analise a Proposta de Orçamento do Estado para 2010 que o Governo apresentou rapidamente conclui que ela não foi elaborada para resolver os graves problemas que o País e os portugueses enfrentam (endividamento externo e dívida do Estado incomportáveis), mas sim para «acalmar os mercados» ou seja, para sermos claros, satisfazer as exigências dos bancos e dos diversos tipos de fundos que constituem e dominam esses mercados. A preocupação em servir o País e os portugueses está totalmente ausente da proposta de OE2011, o que determina que as medidas dela constantes só poderão agravar ainda mais a situação económica (destruição da economia) e social do País.
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O Governo apresentou um cenário macroeconómico, ou seja, as suas previsões sobre a evolução da economia em 2011, que não corresponde certamente ao que acontecerá. Assim, prevê que se verifique, em 2011, um crescimento económico de 0,2% quando todas as entidades internacionais prevêem uma recessão em Portugal. O próprio Banco Portugal, que normalmente apoia as previsões do Governo, veio dizer que o crescimento será ZERO em 2011, e isto sem entrar em conta com as medidas constantes do PEC3. O Governo também prevê que o consumo privado, em 2011, diminua apenas em -0,5%, quando faz um ataque brutal aos rendimentos dos trabalhadores e reformados; e que a quebra no investimento será apenas de -2,7% quando decide reduzir drasticamente o investimento público para reduzir o défice orçamental, e as empresas privadas estão a reduzir drasticamente o investimento. Para salvar a previsível contracção interna, o Governo agarra-se ao milagre das exportações prevendo que estas, em 2011, cresçam em 7,3%.
Neste quadro de optimismo o Governo prevê que a taxa de desemprego aumente, entre 2010 e 2011, de 10,6% para apenas 10,8%, portanto o desemprego praticamente não aumentaria.
No entanto, quando mais à frente analisamos as previsões do Governo em relação às receitas fiscais, concluímos que aquele cenário optimista é totalmente ignorado. Assim, se adicionarmos ao crescimento em termos reais do PIB em 0,2% o efeito dos aumento de preços (para isso vamos utilizar o deflator do PIB do Governo que é de 1,7%), obtemos um crescimento nominal do PIB de 1,9%. No entanto o Governo, na pág. 96 do Relatório que acompanha o OE2011, afirma que «para
efeitos de cálculo de receita fiscal considerou-se um cenário macroeconómico traduzido num crescimento do produto nominal de 1%». E o quadro IV.1.2 constante da mesma página do Relatório onde constam as taxas de crescimento da receita fiscal em 2011 «com e sem medidas» revela que, apesar do crescimento económico de 0,2% constante do cenário do Governo, as receitas fiscais, sem medidas, teriam em todos os impostos uma evolução negativa. É evidente que o próprio Governo não acredita nos valores do cenário macroeconómico que apresentou, que só servem para a propaganda governamental, procurando desta forma manipular a opinião pública, já que as previsões de receita fiscal têm como base uma recessão económica, ou seja, uma contracção do PIB entre -0,7% e -0,9% (as empresas de rating prevêem -1,8%).

Redução de 1432,5 milhões €
nos vencimentos da Função Pública

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De acordo com os próprios dados constantes da pág. 48 do Relatório que acompanha o OE2011, o Governo prevê que o corte de vencimentos na Administração Central some 1100 milhões €; nas Regiões Autónomas e Autarquias Locais, 90 milhões €; e no Sector Empresarial do Estado 242,5 milhões €. Portanto, o Governo pretende fazer um corte nas remunerações dos trabalhadores de
1432,5 milhões €. E não se pense que os atingidos serão apenas os trabalhadores com remuneração base superior a 1500€ por mês; haverá muitos mais do que os inicialmente previstos.
Assim, de acordo com o n.º 9 do art.º 17.º da Proposta de Lei do OE2011, a redução de remunerações atinge todos os trabalhadores da Administração Pública e das empresas públicas ou maioritariamente de capital público, incluindo EPE e empresas que integram o sector empresarial regional e municipal, com remunerações ilíquidas mensais superiores a 1500€. E segundo o n.º 4 do mesmo artigo, nas remunerações totais ilíquidas são consideradas todas «as prestações pecuniárias que são objecto de desconto para a CGA ou para a Segurança Social, bem como todos os subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações e demais prestações pecuniárias, designadamente senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados». Só «não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou reembolso de despesas efectuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza social». O corte também atinge «os subsídios de férias e de Natal que constituem mensalidades autónomas».
De acordo com o n.º 1 do mesmo artigo, os cortes serão os seguintes: (a) 3,5% sobre o valor total das remunerações superiores a 1500€ e inferiores a 2000€; (b) Para as remunerações entre 2000€ e 4165€, 3,5% sobre o valor de 2000€ acrescido de 16% no valor que exceda os 2000€ até 4165€; (c) 10% sobre o valor total das remunerações superiores a 4165€.
De acordo com o n.º 2 do art.º 17.º, estes cortes de remunerações também se aplicam aos trabalhadores independentes e aos trabalhadores dependentes contratados por mais de uma entidade.
Por outro lado, e de acordo com o art.º 22.º da Proposta de Lei «é vedado a prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias, sejam elas alterações de posição remuneratória, progressões (incluindo as obrigatórias resultantes do trabalhador ter atingido nas
avaliações 10 pontos de acordo com a Lei 12-A/2008), promoções, nomeações, ou graduações em categoria ou posto superior à detida; atribuição de prémios de desempenho ou outras prestações pecuniárias afins; mobilidade interna, etc. É o congelamento total das remunerações que atinge todos os trabalhadores da Administração Pública, incluindo mesmo os que recebem o salário mínimo nacional. De acordo com o n.º 6 do art.º 22.º só «não se aplica às promoções no âmbito das Forças Armadas e Serviços de Segurança decorrentes da exigência legal de preenchimento de cargo ou função». Mesmo o subsídio de refeição não consegue escapar, pois de acordo com o art.º 26.º o seu valor «não pode ser superior ao valor fixado na Portaria 1553-D/2008, cessando o abono de quaisquer outros valores a título de subsídio de refeição». Para além disso, e segundo o art.º 39-A, a retribuição por trabalho suplementar e por trabalho nocturno passa a ser a estabelecida no RCTFP (trabalho nocturno é só pago a partir de 22 horas).
Em 2011, todos os trabalhadores inscritos na CGA sofrerão uma redução de 1% nas suas remunerações (pág. 78 do Relatório do OE2011) porque a taxa de contribuição aumentará de 10%
para 11%, a juntar a 1,5% para a ADSE (os aposentados descontam 1% nas suas pensões, o que
não acontece no sector privado).
E a todas estas medidas há ainda a acrescentar o aumento da inflação em 2011, que o próprio Governo prevê que atinja 2,2%, que fará baixar ainda mais o poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública. Só não encontramos nesta Proposta de Lei qualquer disposição que antecipe a entrada em vigor da idade de aposentação para 65 anos, apesar dessa intenção do Governo constar do PEC2 (portanto, se o Governo não alterar a Proposta de Lei ou não apresentar outra lei, a idade legal de aposentação aumentará apenas meio ano em 2011).

Aumento significativo do IRS e do IVA em 2011

O IRS e o IVA, que atingem fundamentalmente os trabalhadores e os reformados, registarão um aumento muito significativo em 2011. Para além do adicional de 1 ponto percentual no IRS que o
Governo aprovou em 2010, e que continuará em vigor em 2011, verifica-se alterações importantes no IRS que determinarão um aumento significativo da carga fiscal.
Assim, de acordo com a Proposta de Lei os valores dos escalões do IRS são aumentados em 2,2% (o mesmo valor previsto para a taxa de inflação), mas as taxas de IRS também sobem, e o aumento é tanto maior quanto menor é o rendimento. Por ex., para o escalão até 4898 € de rendimento colectável a taxa sobe 3,8% (passa de 11,08% para 11,5%), mas para os rendimentos superiores a 153 300 € a subida de taxa é apenas de 1,35% (quase 1/3 do verificado no escalão de rendimento mais baixo). Por aqui se vê o «espírito social» deste Governo.
Para além disso são congeladas as deduções que beneficiavam os rendimentos do trabalho, o que determinará que o rendimento sujeito a IRS seja maior ao que seria se essas deduções fossem actualizadas de acordo com a taxa de inflação prevista pelo Governo.
Assim, todos as deduções a nível de IRS que estão indexadas ao Salário Mínimo Nacional (rendimentos do trabalho, descendentes e ascendentes, despesas de educação, encargos com lares, deficientes, despesa de acompanhamento, etc.) passarão estar indexadas ao IAS (Indexante de Apoios Sociais), cujo valor actual (419,22€) é inferior ao Salário Mínimo Nacional (475 €). E quando este for actualizado deixará de ter qualquer efeito nas deduções. Foram ainda introduzidos novos limites a deduções no IRS tendo como base o IAS (bolsas de formação desportiva, encargos com pensões de alimentos). E de acordo com o art.º 94.º da Proposta de Lei, enquanto o valor do IAS (419,22€) não atingir o valor actual do SMN (475€) todas aquelas deduções estarão congeladas, o que determinará que uma parcela do rendimento que, se aquelas deduções fossem actualizadas não seria sujeito a IRS, o passe a ser, aumentando assim a carga fiscal. Segundo o art.º 64.º da Proposta de Lei o valor do IAS é congelado pelo menos em 2011, o que determinará que durante muitos mais anos aquelas deduções que reduzem o rendimento sujeito a IRS não serão actualizadas. Para além disso, o Governo introduz a partir do 3.º escalão (inclusive) do IRS, ou seja a partir dos 7410 € de matéria colectável, um limite global à soma das deduções de despesas de educação, saúde, com aquisição de habitação e com encargos com lares, que será tanto maior quanto mais elevado for o rendimento tributável (800€ para o 3.º escalão do IRS, e 1100€ para o escalão mais elevado), o que determinará que aumente o rendimento sujeito a IRS, fazendo assim aumentar a carga fiscal.
A nível do IVA a carga fiscal aumentará não só porque a taxa normal passa de 21% para 23%,
mas também porque muitos bens sujeitos à taxa reduzida (6%) e à taxa intermédia (13%) passam
a estar sujeitos à taxa normal de 23%. Acontecerá isso aos leites achocolatados, aromatizados, vitaminados, e enriquecidos, às bebidas e sobremesas lácteas, aos livros e outras publicações não periódicas, aos utensílios e equipamentos de combate a incêndios que até aqui estavam sujeitos à taxa de 6% e que passarão a estar sujeitos à taxa de 23%; por outro lado, as conservas de carne, de peixe, de moluscos, de frutas e frutos de produtos hortícolas, os óleos e as margarinas, que estão sujeitos à taxa de 13%, passarão a ter de pagar IVA a 23%.
Para se poder avaliar os efeitos destas medidas basta dizer que, segundo o próprio Governo (pág. 96 do Relatório), em 2011, a taxa de crescimento da receita do IRS sem medidas seria negativa (-0,5%) e com aquelas medidas que aumentarão o IRS será positiva, atingindo o elevado valor de +9,8%; e que em relação ao IVA a taxa de crescimento da receita fiscal, sem medidas, seria negativa, e de -1%, e com aquelas medidas será já positiva atingindo +9,9%. Para se ficar com uma ideia do agravamento da injustiça fiscal que estas medidas determinarão interessa referir que, de acordo com o próprio Governo (pág. 96), as medidas que incidem fundamentalmente sobre as famílias trabalhadoras e sobre os reformados, determinarão um aumento de 10,3% na receita do IRS e de 10,9% na receita do IVA, enquanto as medidas que incidem fundamentalmente sobre as empresas provocarão um aumento de receita de IRC de apenas 2,3%. O carácter de classe do Governo de Sócrates é claro a este nível.
As receitas fiscais repartidas pelos dois grandes grupos de impostos confirma o agravamento tremendo da injustiça fiscal em Portugal. Como se sabe, os impostos indirectos são muito mais injustos do que os impostos directos. E isto porque os primeiros não têm em conta o rendimento do
contribuinte. Por exemplo, um trabalhador com um rendimento mensal de 700€ quando adquire um maço de cigarros paga o mesmo valor de IVA pago por um português com um rendimento mensal de 20 000€ quando adquire o mesmo maço de cigarros. E o peso dos impostos indirectos está a aumentar continuamente em Portugal. Em 2009, esses impostos representavam 56% das receitas fiscais; em 2010 cerca de 57,9%; e, em 2011, o Governo prevê que representem 58,3% de todas as receitas fiscais, portanto a injustiça fiscal registará um novo agravamento.
A nível dos impostos directos – IRS e IRC – a injustiça tem aumentado. Isto porque a contribuição das famílias (IRS) é cada vez maior, enquanto a contribuição das empresas (IRC) é cada vez menor. Em 2009, o IRS representava 66,35%% das receitas dos impostos directos; em 2010, representava 67,58%, e em 2011 o Governo prevê que contribuía com 70,45% das receitas dos impostos directos. No próximo ano, o Governo prevê que as empresas (IRC) contribuam com menos de 30% das receitas dos impostos directos. Estes dados globais mostram o agravamento da injustiça fiscal em Portugal, que já era muito elevada.

O ataque ao Estado Social pelo Governo de Sócrates

Sócrates fala muito do Estado Social e afirma que o quer defender, enquanto o PSD o quer destruir. É um facto que o desejo do PSD é destruí-lo e transformá-lo num negócio privado. No entanto, como tem habituado os portugueses, Sócrates diz uma coisa e faz precisamente o contrário. A proposta de OE2011 constitui um violento ataque ao Estado Social, como mostra o Quadro I, construído com dados constantes no próprio Relatório do Governo que acompanha a proposta de OE para 2011.
Em 2011, o Orçamento do Estado transferirá para Segurança Social menos 984,3 milhões € para o combate à pobreza do que em 2010; o SNS receberá menos 598,7 milhões €; a educação receberá menos 803,2 milhões €; e o Ensino Superior e Acção Social receberão menos 113 milhões €. Somando, estes quatro pilares de qualquer Estado Social receberão do Orçamento do Estado em 2011 menos 2499,2 milhões do que em 2010. Se entrarmos em conta com o efeito do aumento de preços, a Segurança Social, o SNS, a Educação e o Ensino Superior receberão menos 2981,5 milhões € do que em 2010. E a situação ainda é mais grave se se tiver presente que, em 2011, os serviços serão obrigados a contribuir para a ADSE com um valor correspondente a 3% das remunerações que pagam (pág. 113 do Relatório do OE2011), o que não acontecia anteriormente.
O objectivo claro desta política é estrangular financeiramente e destruir o Estado Social. E Sócrates ainda diz que defende o Estado Social, e afirma que o objectivo do seu Governo é tornar obrigatório e gratuito o ensino até ao 12.º ano, ao mesmo tempo que reduz as verbas para a educação em 803,2 milhões €.
A política do Governo de Sócrates em relação à Segurança Social vai ter certamente consequências dramáticas. As transferências do Orçamento do Estado ao abrigo da Lei de Bases da Segurança Social visa apenas o combate à pobreza, já que as pensões dos trabalhadores que descontaram para a Segurança Social assim como o pagamento do subsídio do desemprego não são financiadas por estas transferências, mas sim pelas contribuições dos trabalhadores que estão no activo. A redução das transferências do OE para a Segurança Social em 984,3 milhões € vai determinar que a pobreza aumente em Portugal ainda mais, quando já hoje é muito grande.
A juntar a tudo isto há ainda a referir que o art.º 64 da proposta de Lei do OE, se for aprovado, suspende o regime de actualização do valor do IAS, das pensões e outras prestações sociais (Decreto Lei 323/2009, e as Leis 53-B/2006, e Lei 52/2007), o que leva à conclusão que é intenção do Governo não actualizar as pensões quer da Segurança Social (incluindo as sociais cujo valor actual é apenas de 187€), quer da CGA em 2011. E a inflação aumentará no próximo ano pelo menos 2,2% segundo as previsões do Governo. Será este o Estado Social de que fala Sócrates? – Que cada leitor responda por si e tire as suas conclusões.

http://www.avante.pt/pt/1927/temas/111111/

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