Anabela Fino
Um dia depois de terem ouvido Angel Gurría, secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentar em Lisboa a «receita» para a redução do défice e consolidação das contas públicas nacionais, os portugueses foram confrontados com duas notícias que, embora não directamente associadas com o relatório da OCDE, são elucidativas das opções dos que nos (des)governam. A primeira fez manchete no Diário de Notícias e dava conta de que o «Estado gasta cinco milhões de euros sem concurso» para a PSP adquirir equipamento e material para fazer a segurança da cimeira da NATO que se realiza em Novembro em Lisboa. A segunda foi divulgada pelo jornal i e informava que o Ministério da Educação está a oferecer contratos a prazo e a tempo parcial para suprir 75 lugares para auxiliares e educação ou assistentes operacionais, com um salário bruto de três euros por hora e um horário de trabalho de três a quatro horas por dia. Os avisos, publicados esta segunda-feira em Diário da República, informam sobre a abertura de concursos para pelo menos cinco escolas ou agrupamentos espalhados pelo país. Não se percebe se para o mesmo lugar será admitida mais do que uma pessoa, para cobrir as necessidades diárias, ou se também as necessidades se equacionam já apenas a meio tempo...
Se se tiver presente que o sr. Gurría veio a Portugal apresentar um relatório elaborado com a participação activa do Ministério das Finanças, ou seja devidamente negociado com o Governo, torna-se por demais evidente que as «recomendações» feitas vão ao encontro das medidas que Sócrates se propõe incrementar, por mais que diga o contrário. E que medidas são essas? Aumentar impostos, congelar salários, cortar nos benefícios e deduções fiscais, restringir o acesso e o subsídio de desemprego; aumentar a precariedade, reduzir as contribuições para a Segurança Social.
Esta é, no dizer de Gúrrria, a «chave para a rápida recuperação das finanças públicas» portuguesas, coisa que, como se sabe, muito preocupa o Governo, embora não ao ponto de ficar cego e surdo aos interesses dos aliados – leia-se a NATO – que fazem o favor de vir reunir a Lisboa e esperam ser bem recebidos ou, dito de outro modo, esperam ter garantida a sua segurança, pois apesar de se dizerem os guardiões da paz borram-se de medo dos povos que não vêem com bons olhos a sua política belicista. Por isso Sócrates e o seu Governo, apesar da crise, vão gastar os tais cinco milhões em material que inclui seis veículos antimotim, blindados, antibomba, antifogo, antiminas e... norte-americanos. E ainda material de informação e contra-informação, bloqueio de telemóveis, escudos, viseiras, gás-pimenta, etc., etc.
Como se torna evidente, nesta panóplia de interesses, qual sandes a que é indispensável juntar conduto muito bem espalmado, com as recomendações do sr. Gurría e os supremos interesses da NATO a servir de rolo compressor, cabe o papel de mexilhão ao Zé povinho, ou para usar a notícia do i, aos auxiliares de educação, a quem cabe vigiar, limpar, arrumar e assegurar a «boa utilização das instalações» escolares pela módica quantia de três euros à hora. Brutos.
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