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12/05/2009

Bela Vista: "O maior problema não é a insegurança, é a tristeza"

O bairro da Bela Vista começa a regressar à tranquilidade. Os moradores parecem habituados à presença da Polícia armada a rigor. Os problemas sociais assomam a cada esquina, mas também se ouve música e fazem-se planos para o futuro.

José Duarte tem 52 anos e às sete horas da manhã já está fora de casa rumo ao emprego. "Trabalho na Câmara Municipal", diz com orgulho quem ajuda a pavimentar as ruas da cidade sadina. Vive na Bela Vista há mais de 30 anos e lamenta que o "seu" bairro só seja falado "pelas coisas más". Diz que há muita gente boa e os "bandidos são uma minoria". E insegurança? "Sim, existe. A partir das nove da noite é mais complicado andar na rua. Mas o maior problema deste bairro não é a insegurança... é a tristeza", remata o cabo-verdiano, apontando os diversos problemas sociais que pautam a vida do bairro: "Desemprego, pobreza, degradação, miséria até...É muito triste viver assim".

Ao longe, uma mãe conduz um carrinho de bebé por entre duas carrinhas do Corpo de Intervenção, junto à esquadra. As fardas e as armas parecem-lhe indiferentes. Passa e nem olha. Mais atento está o Paulo, de mochila demasiado carregada para o seu franzino corpo. Tem 13 anos e um sonho: "Quando for grande vou ser polícia", diz de pronto, perante o sorriso de um agente. O Paulo olha-o com atenção e estuda todos os pormenores da farda. "Eu vou ser assim e vou ajudar as pessoas", diz.

Florinda e Maria são vizinhas e ambas de etnia cigana. Assomam discretamente à porta de suas casas. "Nos últimos dias a Polícia nem nos deixava vir à janela. Mandavam-nos logo recolher. Um exagero", desdramatiza Maria, mãe de três filhos e a viver do subsídio de reinserção social.

"Não temos queixas de ninguém e damo-nos todos bem. Há por aí alguns jovens que se metem em confusões, mas isso é só de vez em quando. Eu nunca tive problemas", realça Florinda, que aponta o dedo à Câmara Municipal de Setúbal para justificar os "desvios". "Já olhou bem para este bairro? Todo sujo, tudo degradado. Quem é que vive feliz assim? E as casas? Até ratos há... A câmara não quer saber, deixa-nos para aqui e depois é o que se vê", atira.

Contactado pelo JN, o vereador do Urbanismo da edilidade sadina garantiu que a requalificação daquele espaço é um objectivo premente da câmara. "Essa intenção existe e só ainda não foi concretizada porque a candidatura que fizemos ao Prohabita não foi aprovada. Isso porque esse projecto só contempla situações em que todos os inquilinos participem com alguns custos e neste bairro onde existem tantos problemas sociais, muitas pessoas não conseguem, sequer, pagar a própria renda", destacou, lançando um repto ao Governo. "Já transmitimos às entidades competentes a necessidade que existe em requalificar este e outros bairros problemáticos. A intervenção é urgente, mas tem de ser uma intervenção planeada e estruturada a nível governamental. A câmara aqui não pode fazer tudo", salientou.

No interior de um café baptizado com o nome do bairro escuta-se uma música animada. É quase hora de almoço e as panelas já estão ao lume. "Hoje há feijão com carne ao sal", diz, bem disposta, Antonina Semedo, uma cabo-verdiana, em Portugal há 25 anos. "Medo? Eu não tenho medo. Isso é coisa de miúdos que não têm ocupação. Aqui também há gente boa", lança, justificando os distúrbios dos últimos dias. De colar e brincos de ouro, só lamenta a "má fama" do bairro que lhe traz cada vez menos clientes. "Já fui assaltada duas vezes, mas isso acontece aqui e em todo o lado. E quem foi? Foram pessoas daqui ou estavam só de passagem?".

J.N. - 12.05.09

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