À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

15/05/2009

"Já fui aos contentores do Pingo"

Maria do Céu não tem vergonha de confessar publicamente que chegou, "durantes dias seguidos", a "ir aos contentores do Pingo Doce" buscar a comida, no limite do prazo de validade. Até conhecer o "Coração da Cidade", uma instituição de solidariedade social do Porto com 13 anos, que ajuda 3500 pessoas e que está a passar por enormes dificuldades financeiras e falta de comida.

"Cheguei a ir aos contentores do Pingo Doce durante um ano em que não tive qualquer subsídio. Cheguei a ir dias seguidos. Senão era obrigada a ir roubar para dar de comer aos meus filhos", confessa. Maria do Céu tem sete filhos. É mãe solteira. Mora num bairro social. E, além de desempregada, deve dinheiro do aluguer e da água. O subsídio de 600 euros que recebe do Estado não chega para pôr comida na mesa. Há oito meses, ficou a conhecer o "Coração da Cidade", através de uma vizinha. Quinzenalmente, lá está no supermercado da instituição a levar tudo a que tem direito. E não tem faltado nada, nem fraldas para o netinho de dois meses. "Tenho levado de tudo um pouco", diz, sublinhando que tem sido graças a essa ajuda que está "a abater a dívida".

Mas a maior parte das pessoas que procura o "Coração da Cidade" não dá a cara como Maria do Céu. "São pessoas que estavam habituadas a trabalhar e a custear todas as suas despesas. Não estavam habituadas a pedir", explica La Salete Piedade, a presidente daquela instituição do Porto, referindo-se aos casos de desemprego por causa da crise.

Aliás, a crise já fez "triplicar" os pedidos de ajuda, face ao passado. Actualmente, chegam ao "Coração da Cidade" 1600 pedidos por mês. São já 3500 as pessoas auxilidas por aquela instituição, das quais 500 famílias que, quinzenalmente, podem rechear a sua despensa com alimentos fornecidos gratuitamente. Ao todo, são entre 50 a 60 toneladas de alimentos distribuídos mensalmente. "Se não fossemos nós, muitas crianças iam para a escola em jejum. São os professores que se apercebem da falta de rendimento e nos trazem as famílias", revela.

Todos os dias, são servidas mais de 400 refeições, o dobro do ano passado. "Estamos nove horas por dia a funcionar, sempre a cozinhar. Não temos mais por onde alargar", refere La Salete.

A instituição, criada em 1996, apenas oferece sopa. Mas procura que a refeição seja o mais completa possível. "Tentamos meter sempre carne, feijão, muitos legumes", evidencia a sua presidente, que diariamente ajuda a preparar muitas dessas refeições.

Mas não está a ser fácil para o "Coração da Cidade" cumprir com a sua missão. É que a crise fez com que diminuissem os donativos em dinheiro e géneros. "O que nos vai ajudando são as quatro lojas que temos na cidade. Mesmo assim, este mês as contas estão atrasadas", revela La Salete, adiantando que, em termos alimentares, o "Coração da Cidade" precisa sobretudo de leite, óleo alimentar, arroz e enlatados como feijão.

J.N. - 15.05.09

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