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28/05/2011

O fim da Europa

Nuno Monteiro

"Enquanto discutimos a crise financeira - com a Grécia cada vez mais perto de sair do euro -, é fácil esquecer a ainda maior tragédia de que esta é apenas um sintoma: o fim do sonho dos Estados Unidos da Europa. Para muitos, a causa da morte anunciada está na falta de qualidade das lideranças actuais. Merkel e Sarkozy não são Kohl e Mitterrand, nem Durão Barroso é Jacques Delors. Tínhamos estadistas, hoje temos políticos, diz-se.

Não é uma boa explicação. Os estadistas que uniram a Europa também não eram imunes a pressões eleitorais. Essas pressões sempre estiveram presentes e, regra número um em ciência, não se pode explicar uma variação com uma constante.

Que mais mudou na Europa desde o início dos anos 90, altura em que o aprofundamento da união estagnou, após a aprovação do Tratado de Maastricht, que introduziu o calendário do euro?

Para percebermos o que mudou temos de compreender que, como explicou Marx, os homens fazem a sua história, mas não nas condições da sua escolha. As lideranças têm um papel importante, mas o seu desempenho depende muito do enquadramento histórico.

Ora o que de mais importante mudou na Europa desde o início dos anos 90 foi, é claro, o enquadramento estratégico. Até ao colapso da URSS, em 1991, a Europa (ocidental) tinha o desígnio comum de conter a ameaça soviética. Foi essa ameaça que levou os EUA a pressionarem França e Alemanha no pós-Segunda Guerra Mundial no sentido de formarem uma união económica - e foi essa ameaça que levou Berlim e Paris a cederem à pressão de Washington. Perante o espectro do domínio soviético, os países da Europa ocidental aceitaram partilhar a sua soberania.

Em 1991 tudo mudou. A Europa não enfrenta uma ameaça comum que produza uma convergência de interesses. Ao mesmo tempo, os EUA não têm um interesse vital na união da Europa. Para os americanos hoje, o velho continente não é mais que um bom destino turístico, que gasta em museus o que devia gastar em exércitos.

É esta ausência de um papel estratégico para a Europa que está por detrás da actual deriva, tornando possível a crise. Os países do centro europeu - com a Alemanha à cabeça, e Merkel à cabeça desta - não acham que precisam da periferia para nada. E os EUA, preocupados com mudanças no Médio Oriente e com o terrorismo, não têm interesse em pressionar a Europa no sentido de mais união.

Se a URSS ainda estivesse por aí, não passaria pela cabeça de Merkel falar como fala da periferia "preguiçosa", por mais razão que tivesse - e tem alguma. Nem passaria pela cabeça de Obama ver tudo o que se está a passar na Europa e permitir ao seu secretário do Tesouro exigir que, por exemplo, os contribuintes irlandeses se endividem até ao tutano para pagar a bancos americanos as dívidas astronómicas contraídas pela banca privada irlandesa. Não. Se a URSS ainda aí estivesse, Merkel e Obama compreenderiam que não é do interesse do Ocidente empurrar a Europa para o abismo. É pena, mas sem um inimigo comum, e sem a protecção do amigo americano, a Europa parece incapaz de superar a sua primeira crise da idade adulta.

Os russos, com o seu grande sentido de humor, resumem o caminho da URSS numa anedota que põe Estaline, Khrushchov, e Brejnev -- os três líderes soviéticos de longa duração depois de Lenine -- num compartimento de comboio. De repente, o comboio pára. Estaline, tentando resolver o problema, ordena o fuzilamento do maquinista. Sem resultados. Krushchev manda chamar os engenheiros. Nada funciona. É então que Brejnev diz, "E se fechássemos as cortinas, abanássemos o assento e fingíssemos que estamos a avançar?" Será que o fantasma de Brejnev reina hoje em Paris e Berlim?"
 
http://www.ionline.pt/conteudo/126382-o-fim-da-europa

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