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02/11/2009

Anulação de inscrições de desempregados coincidiu com períodos eleitorais

João Ramos de Almeida

A direcção do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) recusa dar números. Mas cálculos do PÚBLICO mostram correlações em três eleições.

Nos meses anteriores a três eleições legislativas, os centros de emprego anularam inscrições de desempregados a um ritmo semelhante ao da entrada de novos desempregados. O resultado foi a contenção da subida do desemprego registado. Os responsáveis do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) negam qualquer manipulação.
A questão ilustra-se bem. Só em Setembro passado, verificou-se uma inscrição recorde de 72,6 mil novos desempregados, mas o desemprego registado subiu menos de 9 mil pessoas (de 501,6 mil para 510,4 mil pessoas). O que se passou nesse mês com dezenas de milhares de pessoas?
Essa é a pergunta que o PÚBLICO tem feito, meses a fio, ao IEFP, a entidade pública responsável pela política de emprego. E a resposta é a de que esses valores não são divulgados porque só o pedido "revela um preconceito inaceitável" (ver caixa).
Na falta deles, o PÚBLICO compilou várias séries de números divulgados pelo IEFP. Esses números reconstituem a evolução do desemprego efectivamente entrado nos centros de emprego (reduzido apenas das colocações em empregos). E, comparando-o com o desemprego oficial registado, permitem calcular as anulações feitas pelos serviços do IEFP.
Os números obtidos pecam por excesso, já que o total de anulações se deve a diversos motivos. De acordo com os dados facultados pelo IEFP (dados anuais e não mensais), entre 2003 e 2008 metade de uma média anual de 500 mil anulações deveu-se à falta do desempregado à convocatória e um quarto porque os desempregados encontraram sozinhos emprego. O restante quarto reparte-se, entre outras razões, por formação profissional, porque foram alvos de medidas activas de emprego, suspenderam o subsídio de desemprego, emigraram ou reformaram-se.
Por si só, estes elementos revelam que as actividades de controlo pesam nas anulações. Mas não se conhece o motivo efectivo ao longo dos meses e se houve uma concentração de um deles antes das eleições.
Membros do Governo consideram, porém, que esse é um método de - sem violar a lei - gerir o volume de anulações. Mas se a anulação se deveu a políticas activas de emprego esse facto até é positivo (ver texto ao lado).
Por outro lado, pode ser sintomático que as convocatórias por correio sejam a maior causa de polémica e de recurso de anulação de inscrição. Igualmente importante é o facto de a comissão de recursos ter dado razão a 25 por cento das queixas dos desempregados (ver texto ao lado).
De qualquer forma, a análise terá de ser mais cuidada quando o IEFP disponibilizar os valores que recusa fornecer.

O que mostram os números
Para já, os números mostram uma correlação entre a inscrição em cada mês de novos desempregados e a anulação de outros desempregados inscritos num ritmo semelhante. Quando há mais desempregados inscritos, as anulações sobem. Quando há menos, as anulações descem. E essa correlação apenas se verifica nos meses anteriores a processos eleitorais. Foi o caso dos últimos meses dos governos de António Guterres, de Santana Lopes e, mais intensamente, do primeiro Governo José Sócrates.
Atente-se aos gráficos. Apesar do carácter grosseiro dos números, o paralelismo entre a entrada de desempregados e a anulação é visível.
Comparando os dados do IEFP para o desemprego sem anulações ("desemprego potencial") com os do único organismo estatístico nacional - o Instituto Nacional de Estatística - fica patente que os dados do IEFP são sempre superiores aos do INE. Mas, nos períodos próximos das eleições, as duas linhas aproximam-se. Em 2008/2009 coincidem mesmo e, nalguns meses, os dados do INE ultrapassam mesmo os do IEFP.

Três eleições legislativas
Outra coincidência é o facto de os processos eleitorais em causa terem sido fases de subida do desemprego e de forte campanha política.
O primeiro período começa no Verão de 2001. O primeiro-ministro António Guterres demitira-se após o desaire eleitoral autárquico de Dezembro de 2001 e as eleições legislativas antecipadas foram marcadas para 17 de Março de 2002. O fluxo de novos desempregados começa a subir em Julho e atingiu valores elevados em Janeiro e Fevereiro de 2002. A correlação entre as anulações e a entrada de desempregados é de 70 por cento desde Julho de 2001 a Março de 2002. Apesar da anulação de desempregados inscritos, o desemprego registado subiu de 312 mil para 339 mil pessoas e o PS perdeu as eleições.
O segundo caso parte de Junho de 2004, no rescaldo da crise de 2003. A entrada de desempregados começou a acentuar-se. O Governo PSD declarou o fim da recessão, enquanto a oposição olhava para a subida do desemprego. Nesses meses, o ritmo das anulações seguiu o das novas entradas, mas há apenas uma correlação nos últimos sete meses do mandato (78 por cento). O desemprego registado subiu de 446 mil para 487 mil até Fevereiro de 2005, antes das eleições legislativas antecipadas. E o PSD de Santana Lopes perdeu as eleições.
No terceiro caso, o desemprego começou a crescer sustentadamente em Setembro de 2008, atingindo valores recordes desde o início de 2009. Se o perfil das duas curvas é elucidativo, a maior sintonia verificou-se a partir de Março de 2009 até antes das eleições. Nesses meses, a correlação é de 73 por cento por cento. De Setembro de 2008 a Fevereiro de 2009, a diferença entre os novos desempregados entrados e os anulados foi de 110 mil pessoas. Mas de Março a Setembro de 2009 - um período mais acirrado de desemprego - o saldo líquido foi ainda assim inferior - 81 mil pessoas. Ou seja, no total desses meses, inscreveram-se 786 mil novos desempregados e foram anuladas 595 mil inscrições.
Público.pt - 02.11.09

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