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05/11/2009

Natalidade: Da opção individual ao condicionalismo político

Anselmo Dias

Recentemente vários meios de comunicação social manifestaram a sua surpresa pelo facto de as previsões relativas a nascimentos, em 2009, apontarem para uma regressão, comparativamente ao ano transacto. Quanto a nós, a maior surpresa é a existência de tal surpresa, na medida em que os fundamentos para a quebra de natalidade são, desde há muito tempo visíveis, salvo para todos aqueles que não querem ver.

Façamos, a este respeito, uma pequena retrospectiva. Comecemos pelo ano de 1900 e acabemos em 2008. Neste último século a evolução do número de nado-vivos não foi, nem linear, nem ascensional, nem decrescente. Houve altos e baixos em função, naturalmente, das opções individuais dos potenciais progenitores mas, igualmente, de factores económicos, sociais, culturais e políticos, dos quais se destacam, entre muitos outros, os conflitos armados e os processos, quer revolucionários, quer contra-revolucionários.
No início do século XX, mais precisamente no ano de 1900 nascerem 165 245 crianças, valor que sobe aos 203 943, em 1935, ou seja, antes da II Guerra Mundial.
Embora não tivéssemos participado nesse conflito armado havia, naturalmente, um instalado sentimento de medo que terá contribuído para fazer baixar a natalidade para 187 892, em 1940.
A partir de 1945 há uma evolução positiva do número de nascimentos que se prolonga até 1960.
Iniciada a guerra colonial iniciou-se uma tendência de diminuição progressiva do número de nascimentos.
Em 1970 o valor em apreço cifrou-se em
172 891.
Com a conquista da liberdade assiste-se a um aumento da natalidade, havendo, um ano após a revolução, 179 648 nado-vivos, valor que, até hoje, nunca mais foi ultrapassado.
Aliás, o que se verificou nos últimos 34 anos foi um retrocesso sistemático do número de nascimentos, motivado, em nossa opinião, por razões sociológicas de vária ordem, mas, também, seguramente, em função dos efeitos da contra-revolução. De facto, em 1975, havia o desejo colectivo de uma outra sociedade baseada em maior justiça social, não se antevendo, nesse contexto, qualquer perigo para o futuro das nossas crianças.
Hoje em dia, não há, como havia na década de sessenta, o perigo da guerra colonial, mas há o perigo de as nossas crianças nascerem numa sociedade formatada aos recibos verdes, à precariedade, ao generalizado salário médio dos 500 euros, ou seja, às condições predominantes impostas à geração com maior potencial para fomentar a natalidade.
Com tal salário, com tal abono de família - meramente simbólico - com um gritante défice em creches, com as dificuldades de acesso a casas dimensionadas a uma família com filhos, com os problemas que todos conhecem da inadequação dos horários de trabalho ao acompanhamento familiar, com as dificuldades na mobilidade e com os grosseiros erros no urbanismo, por tudo isto não é de estranhar que, em 2009, venhamos a ter um número de nascimentos inferior aos dados reportados aos últimos 100 anos.
É obra!

O retrocesso social a pretexto
da reduzida taxa de natalidade

No plano demográfico assiste-se, presentemente, a vários fenómenos, dos quais salientamos dois:
Um, positivo, resultante do aumento da longevidade, o que não deixa de constituir uma importante conquista civilizacional;
Um outro, negativo, resultante da baixa taxa de natalidade.
Correlacionando estas duas variáveis chega-se a uma conclusão muito complicada, ou seja, ao aumento do índice de envelhecimento da população.
Este índice é uma relação, calculada pela divisão do número de pessoas com 65 e mais anos, pelo número de crianças e jovens com menos de 15 anos. Quanto mais elevado for o resultado dessa divisão mais elevado é o índice de envelhecimento. Convém repetir que tal resultado emana de uma relação, pelo que não é correcto afirmar que o índice de envelhecimento resulta apenas, e só, do número de idosos.
Aliás, é possível haver muitos idosos numa sociedade com um baixo índice de envelhecimento. Para tanto basta haver uma elevada taxa de natalidade que neutralize o crescente número de idosos.
Chamamos a atenção para este aspecto porque foi em nome da mistificação do índice de envelhecimento que o governo de José Sócrates impôs, na segurança social, com o apoio do patronato e do seu apêndice, a UGT, o factor de sustentabilidade (aumentando a idade de acesso à reforma) e a nova fórmula de cálculo das pensões (baixando-as), na perspectiva de impor, aos reformados, o pagamento de uma «multa» pelo facto de, hoje em dia, se viver mais tempo que no passado.
O PS, que devia ter promovido políticas sociais tendentes a estimular a taxa de natalidade, não só não o fez, como, ao invés, penalizou a sociedade por uma opção apenas elogiada pelas confederações patronais e seus acólitos, de que os prós-e-prós e as conversas em família são, apenas, meros exemplos.
O partido que enveredou por tal caminho foi o mesmo que rejeitou a proposta do PCP no que concerne à melhoria significativa do abono de família.

Índice de envelhecimento da população

Como já demonstrámos, numa trajectória semelhante à queda do salário mínimo, a taxa de natalidade tem vindo a diminuir, constantemente, desde 1975.
Mercê do facto de não haver uma renovação de gerações assiste-se a uma dramática realidade, que é a seguinte: cerca de 82% dos concelhos têm uma população idosa superior ao número de crianças e jovens com menos de 15 anos.
As situações mais gravosas, em termos relativos, dizem respeito a pequenos concelhos do interior do País.
Há casos em que o número de idosos triplica o número de jovens, como são os seguintes exemplos:
No distrito de Castelo Branco: Vila Velha de Ródão, Penamacor, Oleiros, Idanha-a-Nova e Proença-a-Nova;
No distrito de Bragança: Vinhais, Vimioso, Torres de Moncorvo e Miranda do Douro;
No distrito de Portalegre: Gavião, Nisa, Marvão e Crato;
No distrito da Guarda: Sabugal e Almeida;
No distrito de Faro: Alcoutim e Monchique
Acrescem, ainda, os seguintes concelhos: Pampilhosa da Serra, Mação, Melgaço, Mértola, Pedrogão Grande e Mora.
Em termos absolutos as maiores concentrações de idosos localizam-se- obviamente, nos concelhos mais populosos de que se destacam: Lisboa, com 118 576 idosos, Sintra com 60 872, Vila Nova de Gaia, com 46 440, Porto, com 44 654, Cascais, com 31 791, Oeiras, com 30 774, Almada, com 30 623, Loures, com 30 286 e Amadora, com 30 068 idosos.
Correlacionando as duas listagens atrás referidas é fácil concluir que há duas situações distintas:
Por um lado, tendo em atenção os valores percentuais, o índice de envelhecimento é mais elevado nos pequenos concelhos do interior do país, designadamente em Trás-os- Montes, Beira Interior e Alentejo, ou seja, nas regiões que fazem fronteira com a Espanha;
Por outro lado, tendo em atenção os valores absolutos, o maior número de idosos está localizado nos grandes centros urbanos dos distritos de Lisboa e Porto, a que se junta Almada, no distrito de Setúbal.
No plano da acção politica não há que ter, a este respeito, uma postura redutora. Num e noutro casos há que pugnar pela melhoria qualitativa e quantitativa dos lares, centros de dia e de convívio, a par da exigência que o serviço nacional de saúde tenha um corpo médico adequado às patologias próprias dos idosos, ou seja, a especialidade de geriatria.
Esta preocupação tanto é oportuna no concelho com o mais elevado índice de envelhecimento do país que é Vila Velha de Ródão onde, em 2008, residiam 1263 cidadãos com 65 e mais anos, como em Lisboa, onde residiam 118 576 idosos.

Concelhos com menor índice de envelhecimento

Em Portugal não há nenhum concelho onde a população jovem, com idade inferior aos 15 anos, represente mais de ¼ da respectiva população.
A maior percentagem de jovens localiza-se nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a que se seguem os distritos do Porto e de Braga.
Em termos relativos, os concelhos com mais crianças e jovens são, por ordem decrescente: Ribeira Grande, Câmara de Lobos, Lagoa (Açores), Santa Cruz, Vila Franca do Campo e Ponta Delgada. Como se vê estamos a falar de concelhos localizados nos Açores e na Madeira.
Imediatamente a seguir surgem, no distrito do Porto, Lousada e Paços de Ferreira.
Em termos absolutos, o maior número de crianças e jovens localiza-se nos concelhos mais populosos, com especial destaque para duas situações muito particulares:
o concelho de Sintra, onde residiam 80 233 crianças, número que supera, de longe, o concelho de Lisboa, com 68 841;
o concelho de Vila Nova de Gaia, onde residiam 49 714 crianças, número que supera, de longe, o concelho do Porto, com 28 103.
Também aqui, no plano da acção politica, tendo em conta os valores relativos e absolutos, não há que ter, a este respeito, uma postura redutora.
Num e noutro caso há que pugnar pela melhoria qualitativa e quantitativa das creches, da escola pública, a par da exigência da melhoria significativa do abono de família e que o serviço nacional de saúde tenha um corpo médico adequado às patologias próprias das crianças e jovens, ou seja, a especialidade de pediatria.

Conclusão

A questão da natalidade é, antes de tudo e em primeiro lugar, uma opção livre de cada um dos casais portugueses. Mas é, também, por razões estratégicas, uma opção politica, ou seja, o País não pode estar condenado, no futuro, a ver reduzida a sua população e a vê-la mais envelhecida por um conjunto de factores impeditivos da renovação de gerações.
O País não pode assistir à desertificação de uma parte significativa do território nacional de tal forma que, a seguir a aldeias fantasmas, sejamos, a médio prazo, confrontados com concelhos abandonados e circunscritos, unicamente, àquilo que restou do edificado histórico.
Cabe ao Estado criar as condições materiais para que todos aqueles que desejam ter filhos, bem como àqueles que já os tendo desejam aumentar a sua prole, o façam.
O PS, à revelia de uma opção racional, resolveu, no imediato, no plano financeiro, a questão do envelhecimento da população à custa da redução de direitos na segurança social, obrigando as pessoas a trabalhar mais tempo e reduzindo o valor das pensões.
Enquanto atacava os mais fracos, o PS não beliscava os interesses instalados do grande patronato no sentido de obter os meios materiais necessários a melhorar, qualitativa e quantitativa, as funções sociais do Estado, designadamente nas áreas que potenciam a natalidade, cujo défice não faz parte do léxico socrático.
Há um badalado défice orçamental, há um repetido défice na dívida pública, há um défice disto e daquilo. Quanto ao défice da natalidade o PS está caladinho. Como lhe convém.

Avante - 05.11.09

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