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17/09/2009

Segurança Social: Ora agora destruo eu, ora agora destróis tu

Anselmo Dias

Este podia ser muito bem o estribilho da cantilena do PS e do PSD ao afinado coro da política de direita e da direita política, à destruição do sistema público de Segurança Social. O PS levou a cabo um comprovado retrocesso nos direitos dos beneficiários, por via do factor de sustentabilidade, a pretexto do aumento da longevidade, e pela fórmula de cálculo da actualização das pensões, a pretexto de que as mesmas deviam estar indexadas à evolução da economia, incluindo a economia «beduína», e não, como socialmente devia ser, à situação económica e social dos reformados e pensionistas.

O ataque do PS, centrando-se, sobretudo, nos direitos dos beneficiários, obteve, por essa via, os meios financeiros suficientes para reduzir o défice orçamental, pelo que a Segurança Social foi um instrumento económico do Governo para compatibilizar o Orçamento do Estado aos ditames da União Europeia.
O PSD, que havia rejubilado com tais medidas, deseja, agora, segundo o programa tornado público para a próxima eleição de 27 de Setembro, atingir um novo patamar quanto, não só à secagem do sistema público de Segurança Social, como à privatização daquilo que garantirá lucro ao sistema financeiro.
O ataque do PSD, copiando os objectivos do PS quanto à redução de benefícios, vai num duplo sentido.
Por um lado, vai beneficiar as empresas, aumentando-lhes o lucro, por via da redução da taxa a que o patronato está obrigado quanto ao financiamento da Segurança Social.
Por outro lado, em consonância com o CDS, vai ressuscitar o famigerado «plafonamento» em benefício despudorado do sistema financeiro.
A Dr.ª Ferreira Leite invoca «a bondade» tais medidas em quatro planos:
– o primeiro, em nome da competitividade, omitindo, em nome da sua postura ideológica, que a competitividade das empresas passa pela introdução de adequadas medidas de gestão, a par da redução dos factores de produção, de que se destacam o preço da gasolina, do gasóleo, da electricidade, das comunicações, das taxas de juro, sem esquecer os efeitos devastadores derivados quer da burocracia quer da corrupção, fenómeno para o qual a chefe do PSD devia estar atenta;
– o segundo, em nome quer da pretensa liberdade de escolha quer da pretensa exigência que a cada um cabe na formação do valor da sua pensão de reforma, lenga-lenga para ocultar a pretensão da direita de transferir para os bancos e companhias de seguros uma parte dos descontos que actualmente são canalizados para a Segurança Social, ou seja, desviando-os para que o sistema financeiro maximize as suas reservas para os negócios exemplarmente tipificados na prática levada a cabo, entre outros, pelo BCP, BPN e BPP;
– o terceiro, em nome desse imenso logro designado de «voluntariado» como se o voluntariado fosse uma actividade constante, estruturada e consequente, a quem pedíssemos responsabilidades e tivesse meios financeiros, técnicos, humanos e logísticos para resolver as carências financeiras, sociais e vivenciais das crianças, dos deficientes, dos idosos, pensionistas e reformados. (Nota: há, pontualmente, excepções a confirmar a regra e cuja actividade militante deve, sem ambiguidade, ser reconhecida);
– o quarto, em nome das IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), como se estas entidades fossem autónomas e dispusessem de meios próprios suficientes para levar a a cabo uma actividade estratégica nas áreas já atrás referidas quanto ao voluntariado.
O PSD omite que o Estado irá transferir, este ano, cerca de 1200 milhões de euros para tais organizações, o que representa cerca de 43% dos custos reais das instituições sem fins lucrativos. Se acrescentarmos a tal verba a comparticipação dos utentes, não deixaremos de concluir que com o dinheiro dos contribuintes podemos nós fazer boa figura. (Nota: também aqui queremos salientar o exemplo militante de várias organizações, envolvendo muita generosidade pessoal em minorar as carências de muitos dos nossos concidadãos. Mas, atenção, as IPSS devem estar inseridas numa actividade complementar e não estratégica, pelo que não concordamos que reclame, para si, em nome da caridade e do assistencialismo, aquilo que resulta do direito de cidadania expresso na nossa Constituição).
Quanto a tudo isto a Dr.ª Ferreira Leite nada diz porque os grandes interesses económicos vigentes coincidem com os grandes interesses do PSD.
A este mutismo correspondeu um exuberante conjunto de medidas extremamente gravosas para a Segurança Social como a seguir se demonstra.

A contribuição do patronato para a Segurança Social

Como é sabido, salvo várias excepções (muitas delas absurdas) o patronato é, legalmente, obrigado, sobre o ordenado dos seus empregados, a entregar na Segurança Social, para além da quotização que cabe ao trabalhador, uma contribuição de 23,75% sobre o valor do salário.
A Drª Manuela Ferreira Leite pretende reduzir em 2 pontos percentuais aquela contribuição.
(Atenção: 2 pontos percentuais é diferente de 2%. Não são coisas iguais. Os 2 pontos percentuais correspondem a uma diferença de 8,42%. É, pois, este valor que sugerimos que os nossos leitores transmitam aos seus familiares, amigos, vizinhos, colegas e camaradas quanto às malfeitorias propostas pelo PSD).
Para se perceber estas contas tomemos o seguinte exemplo:
U m trabalhador tem um ordenado mensal de 1000 euros. Actualmente o patrão é obrigado a entregar à Segurança Social 237,50 euros. Caso o objectivo do PSD venha a ter vencimento a comparticipação desse patrão passa a corresponder a 217,50 euros, o que, mensalmente, significa menos 20 euros, ou seja, menos 8,42%. Se multiplicarmos este valor por 14 mensalidades estaremos perante uma verba anual de 280 euros que, multiplicada por milhares de trabalhadores, dá bem a ideia da dimensão do ataque que o PSD pretende fazer à Segurança Social por via da redução das suas receitas.
Perante tal redução, que consequências haveria para a sustentabilidade da Segurança Social?
As consequências seriam muitas e gravosas.

Orçamento da Segurança Social

De acordo com os dados disponíveis, reportados a Julho, as receitas correntes do sistema público de Segurança Social totalizaram cerca de 12 872 milhões de euros.
Qual a origem dessa receita? Foi a seguinte:
– 1 Contribuição e quotização (empresas e trabalhadores): 7509 milhões de euros;
– 2 Transferências do Estado: 4166 milhões de euros;
– 3 Outras receitas correntes: 491 milhões de euros;
– 4 Proveniente do IVA: 402 milhões de euros;
– 5 Transferência do Fundo Social Europeu: 304 milhões de euros.
Como se vê, cerca de 58,3% das receitas provêm da actividade laboral, enquanto que cerca de 32,4% têm como origem o Orçamento do Estado.
(Nota: abre-se aqui um parêntesis para denunciar muitos dos comentadores que, nos meios de comunicação, hipocritamente, consideram que a totalidade das despesas com a Segurança Social derivam do Orçamento do Estado, quando de facto essa percentagem anda à volta de 1/3).
A maior parcela das receitas diz, pois, respeito à parte patronal, cujo montante no decurso de 2009, caso se mantenham até final do ano as verbas entretanto arrecadas, deverá rondar os 10200 milhões de euros.
Pois bem, como a Dr.ª Manuela Ferreira Leite quer baixar tal contribuição em 8,42% (ou seja, menos 2 pontos percentuais), isso significaria qualquer coisa como 860 milhões de euros, valor a ir direitinho para o lucro empresarial à custa do empobrecimento dos beneficiários do sistema público de Segurança Social.
Se tal verba não fosse para a algibeira do patronado e revertesse para os reformados ela possibilitaria um aumento mensal de cerca de 60 euros para 1 milhão de reformados, o que tipifica, claramente, as opções de classe do partido em questão.
Mas esta malfeitoria não é a única constante do programa do PSD para as próximas legislativas.
Há uma outra que este partido, em aliança com o CDS, quer introduzir. Qual é? É o «plafonamento». Vejamos do que se trata.

A privatização prevista pelo PSD

O que é o «plafonamento»?
É um tecto, estabelecido ao valor do salário, a partir do qual o sistema público deixa de receber contribuições, o que acarreta uma diminuição nas suas receitas.
Por exemplo, vamos admitir, como mera hipótese, que um trabalhador ganha 5000 euros por mês.
Vamos admitir que um qualquer Governo estabelece o tecto de 2500 euros, valor a partir do qual deixa de haver descontos para o sistema público de Segurança Social. (Nota: O CDS quer estabelecer um tecto correspondente a seis salários mínimos).
O que acontece aos restantes 2500 euros?
O tal Governo pode decidir que a totalidade dos descontos (23,75% da entidade patronal e 11% a cargo do trabalhador) sejam entregues a um banco ou a uma companhia de seguros no sentido de rentabilizarem esse dinheiro até o respectivo trabalhador atingir a idade de reforma.
Atingindo tal idade o trabalhador pode, em teoria, receber de uma só vez o capital entretanto investido, bem como os respectivos juros, se o investimento tivesse sido em depósitos a prazo, ou mais valias, caso o dinheiro tivesse sido investido em acções ou produtos financeiros similares.
Pode, também, passar a receber em mensalidades, em função da natureza do contrato assumido pelas partes.
Há, pois, em relação ao «plafonamento», uma infinidade de hipóteses, tantas quantas os banqueiros impuserem ao PSD e ao CDS, os paladinos deste tipo de negócio.
Dessa infinidade de hipóteses há certezas a ter em conta:
– 1.ª certeza: o sistema público de Segurança Social iria ter as suas receitas diminuídas, pelo afastamento do seu financiamento dos trabalhadores com os mais altos salários que, por essa razão, contribuem para financiar as prestações sociais das camadas da população com os mais baixos rendimentos;
– 2.ª certeza: o sistema financeiro iria ter, em contrapartida, por via do «plafonamento», um aumento de recursos e, reflexamente, podia potenciar os seus lucros;
– 3.ª certeza: os estudos disponíveis confirmam que as verbas sujeitas a «plafonamento», em casos de rentabilidade média, geram pensões mais baixas, comparativamente àquelas garantidas pela fórmula de cálculo da Segurança Social;
– 4.ª certeza: caso se venham a repetir, como certamente irá acontecer, crises semelhantes à recentemente verificada, todos aqueles que canalizaram, por imperativo do «plafonamento», as suas poupanças para o sistema financeiro irão chuchar no dedo com aconteceu recentemente a milhões de cidadãos quando o valor das acções caíram em flecha;
– 5.ª certeza: trocar o regime do sistema público de Segurança Social pelo «plafonamento» é trocar o certo pelo incerto.
Trocar o certo pelo incerto porquê?
Porque, no sistema público, sabe-se de antemão, pela fórmula de cálculo vigente, o valor da reforma, em função do salário, do período contributivo e do coeficiente tendo em conta o salário de referência.
Porque no «plafonamento» sabe-se o que se investiu mas não se sabe o que se vai receber porque desconhecemos quer as taxas de juro quer a evolução do valor das acções, caso as poupanças tenham sido investidas na «economia de casino».
E sobre isto quem ainda não se lembra das lágrimas vertidas por milhares de cidadãos dos EUA que, de um dia para o outro, assistiram à transformação dos títulos que sustentavam os fundos de pensões em papéis de forrar paredes?
É claro que, sobre tudo o que atrás dissemos, o PSD vai argumentar que o «plafonamento», caso vença as eleições, vai ser implementado de uma forma progressiva «...sempre com integral respeito pelo princípio de segurança».
Segurança?
Não era esta palavra invocada pelo BPN e BPP, onde pontificavam conhecidos e reconhecidos militantes e dirigentes do PSD?
__________
Fontes:
- Execução Orçamental, Julho de 2009, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;
- Programa Eleitoral do PSD, 2009/2013;
- Diário Económico de 7/8/2009.
Avante - 17.09.09

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