John Catalinotto
A Crise capitalista, que surgiu com o rebentamento da bolha imobiliária e a subsequente ameaça de bancarrota nos Estados Unidos, estendeu-se a todo o mundo. A Europa e o Japão imperialistas estão igualmente metidos num declive económico. A menos que sejam capazes de efectivamente resistir, espera-se que os povos do «Sul» sejam os que mais sofrerão com a redução do comércio, dos preços das matérias-primas e do encerramento das fábricas. Esta comunicação, no entanto, centra-se nas alterações que acontecerão nos Estados Unidos, no seu impacto sobre os trabalhadores e as nações oprimidas que vivem na prisão estadounidense das nacionalidades. Também examinaremos como a crise cria a possibilidade de um ressurgimento da luta dos trabalhadores nos Estados Unidos, como não acontecia há quase 70 anos. Esta luta exigirá uma mudança drástica nas lideranças dos sindicatos, uma alteração que teria impacte em todo o mundo. Os afro-americanos, os trabalhadores e os trabalhadores latinos, os imigrantes e as mulheres trabalhadoras terão um papel essencial na nova liderança.
Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, as economias do Japão, da Europa Ocidental e Estados Unidos estão a sofrer recessões simultâneas, isto é, vão acontecer sucessivas e periódicas diminuições da produção. Todos os dias, um qualquer grande monopólio anuncia novos despedimentos ou o encerramento de fábricas à escala internacional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), com sede em Genebra (Suiça), prevê que mais 18 a 30 milhões trabalhadores em todo o mundo perderão o seu emprego até finais de 2009.
Depois da semi-derrocada financeira de Setembro de 2008, os bancos centrais dos três centros imperialistas abandonaram o mito neoliberal de que o mercado solucionará todos os problemas. Mas, ao contrário, o sistema bancário recebeu uma injecção de fundos governamentais em dólares, euros e yenes. Enquanto aparentemente evitavam o desastre financeiro, depois da «salvação», os bancos pediram mais fundos. Apesar dessas ajudas, os bancos continuam a recusar emprestar dinheiro. Isto não foi uma simples crise financeira ou especulativa, mas uma crise capitalista de sobreprodução à escala global.
Cada dia que passa fica mais claro que a classe dirigente dos grandes poderes imperialistas não tem solução para a crise actual, quer a curto quer a longo prazo. Peritos latino-americanos analisaram profundamente a crise e alguns deles já afirmaram que só «estando preparados para enfrentarmos o desemprego e a pobreza e através da expropriação dos bancos, a suspensão do pagamento da dívida e a nacionalização dos recursos naturais» poderão os povos da região evitar as enormes carências (Claudio Katz, «América Latina frente a la crisis global», http://www.lahaine.org/index.php?p=36195).
Para os trabalhadores dos Estados Unidos, a sua precária situação e as alterações no seu nível de vida são drásticas e requerem um nível de luta correspondente para evitar as piores consequências. A questão é se depois de anos de derrotas do movimento sindical, de decréscimo da filiação sindical e da perda da consciência de classe desde há décadas, os trabalhadores dos Estados Unidos poderão levantar-se em luta. A resposta a esta pergunta é importante não só para os 155 milhões de trabalhadores estadounidenses, mas para o mundo inteiro.
A situação nos Estados Unidos
Mesmo antes da pancada da última crise, as condições dos trabalhadores nos Estados Unidos há já cerca de 35 anos que estavam a piorar ou estagnadas. Paul Krugman, economista e colunista do New York Times, escreveu que durante todo esse período os trabalhadores nunca conseguiram superar o seu melhor salário/hora alcançado em 1973. Jeff Faux escreveu que os «gastos fixos de uma família – coisas que legalmente ou de forma simplista não se podem eludir, como o pagamento da hipoteca da casa, os gastos em farmácia, os colégios dos filhos, os transportes e o seguro médico, constituem agora 75 por cento das receitas de uma família, em contraposição com os 50 por cento da década de 1970» (The Global Class War, pág. 197). Ainda que, até há pouco tempo, muitas famílias da classe trabalhadora estadounidense se desunhassem para manter um nível de vida da «classe média», isto era feito através de créditos sobre a hipoteca só concedidos devido à bolha imobiliária, ou através do recurso a cartões de crédito para comprar os bens imprescindíveis. Agora, dois ou mais membros de uma família trabalham, e frequentemente trabalham mais horas por semana do que trabalhavam, enquanto há 30 ou 40 anos só trabalhava um membro da família.
Durante estes 35 anos, perderam-se milhões de postos de trabalho na indústria, a maioria deles em locais com delegados sindicais. Os patrões substituíram os trabalhadores e trabalhadoras por tecnologia ou deslocalizaram as empresas para outras zonas do mundo onde os salários são mais baixos. A deslocalização do trabalho acelerou na década iniciada em 1990, quando a quase totalidade dos três mil milhões de trabalhadores do mundo passaram a fazer parte do mercado de trabalho capitalista. A filiação sindical caiu desde cerca de 30% desde 1960 até cerca de 12% nos dias de hoje (Low Wage Capitalism, Fred Goldstein, capítulo 7, «Globalizacion and Low Pay».)
A partir da última queda do nível d emprego, que começou em Dezembro de 2007, a situação agravou-se. As estatísticas oficiais calculam em 7,6% a taxa de desemprego em Janeiro, e 8% em Fevereiro de 2009. É expectável que continue a aumentar no futuro próximo, e seguramente continuará em 2009 e 2010. «O desemprego total» - um número oficial que inclui os que ficaram fora do mercado de trabalho desmoralizados por já não encontrarem trabalho e os que trabalham a tempo parcial – situa-se em 14% ou mais. Este número significa que mais de 24 milhões de pessoas estão desempregadas ou sub-empregadas. Em 26 de Fevereiro, o número de desempregados que recebem subsídio é de cinco milhões, o que deixa quase 20 milhões de desempregados ou sub-empregados sem qualquer tipo de ajuda.
A situação só pode piorar. O número de desempregados ultrapassa em muito os planos de Washington para a criação de emprego, Pela primeira vez desde 1939, o número de desempregados cresceu mais de meio milhão por mês, e durante um período de 4 meses sucessivos.
O pacote de medidas de Obama
A eleição de Barack Obama no passado mês de Novembro foi um facto histórico nos Estados Unidos. É difícil exagerar a importância simbólica que foi a eleição de um afro-americano, o que parecia impossível apenas 15 meses antes. Obama obteve não só o apoio praticamente unânime da comunidade negra, mas o voto de dois terços da comunidade latina e uma maior proporção de votos dos brancos e brancas, especialmente dos jovens, do que a que obtiveram Bill Clinton, Al Gore ou John Terry quando se apresentaram como candidatos à presidência. A sua vitória demonstrou a rejeição do programa de direita de George Bush. Mas Obama também ganhou o apoio de um grande sector da classe dominante estadounidense, que esperam que ele seja um presidente mais eficaz do que BUsh nunca podia ter sido, como representante do imperialismo estadounidense.
O novo governo introduziu o chamado pacote de medidas de estímulo económico com intenção de salvar e restaurar a economia capitalista. Mesmo que se preveja que o plano criará 3,5 milhões de postos de trabalho nos próximos dois anos, só desde o início da crise em Dezembro de 2007 foram destruídos 4,2 milhões de postos de trabalho. Isto significa que, ainda que o plano de estímulo económico crie o número de postos de trabalho previstos, continua a haver um crescente e generalizado desemprego.
Além disso, o governo planeia injectar mais dinheiro nos bancos que estão à beira da falência. O plano do governo para resolver os problemas da banca delapida 2,5 mil milhões de dólares, três vezes o montante do plano de estímulo económico. A desculpa para executar este plano é «agilizar o mercado creditício». Este dinheiro está a ser retirado do pacote de estímulo económico; está a ser tirado dos fundos necessários para conservar as casas das pessoas. Este dinheiro deve ser utilizado na criação de programas de empregos reais. A classe trabalhadora do mundo necessita de programas concretos de emprego. Inclusive, quando os trabalhadores têm direito a subsídio de desemprego, este tem uma duração limitada e não é suficiente para viver. Agora, o que os trabalhadores mais necessitam é de postos de trabalho com salários dignos e uma casa que possam pagar.
O potencial para a luta de classes
Só preparando e levando a cabo uma intensa luta de classes a classe trabalhadora dos Estados Unidos poderá evitar ser atirada para a pobreza. Para todos os que de fora observaram os Estados Unidos durante o meio século anterior, devem pensar que essa luta é impossível. Grandes sectores da classe trabalhadora sindicalizada, pelo menos os trabalhadores de origem europeia, desfrutaram de uma posição relativamente privilegiada em comparação com os trabalhadores do «Sul». O resultado desses privilégios, durante os últimos cinquenta anos, foi confiarem num modelo de dirigismo sindical conservador. Em contrapartida, este dirigismo conservador travou todas e cada uma das lutas sindicais decisivas desde que o governo de Ronald Reagan lançou, em 1981, a ofensiva contra o sindicato dos controladores aéreos (PATCO, na sua sigla em inglês).
Estes dirigentes confiaram no Partido democrata que os defraudou de forma sistemática. A Federação dos Sindicatos (AFL-CIO nas sua sigla em inglês) também sempre recusou alargar a luta de uma fábrica ou de um sector industrial ao resto da classe trabalhadora, mesmo onde os seus filiados estavam prontos para o combate. Tudo isto, enquanto os empresários se uniam ao poder do Estado capitalista para castigar os sindicatos e prender ou perseguir os e as dirigentes das greves (Low Wage Capitalism, capítulo 11, «Decades of rank-and-file fight-back»).
Em Janeiro de 2009, a greve geral da França demonstrou – ainda que o número de sindicalizados em França tenha diminuído para metade, ou menos, do que eram inicialmente – que os sindicatos podem transformar-se no foco de uma luta muito mais ampla da classe trabalhadora. Mas a luta pode ser mais militante, prolongada, e mesmo revolucionária, onde quer que haja uma luta contra o racismo ou pela autodeterminação, como aconteceu durante as lutas de Guadalupe e da Martinica e que, em 26 de Fevereiro de 2009, continuam por resolver.
A luta dos trabalhadores deve ligar-se à luta mais ampla das comunidades, o que nos Estados Unidos significa ligarem-se à luta da oprimida comunidade afro-americana e da comunidade dos imigrantes do Sul, incluindo dos 12 milhões indocumentados, à luta das mulheres pela igualdade, às lutas das lésbicas, dos gays e transsexuais pelos seus direitos. É a partir desses sectores da classe trabalhadora – definida nos seus termos mais amplos por Ricardo Antunes no seu livro Os Sentidos do Trabalho como aqueles que vivem do seu trabalho - que surgirá nos Estados Unidos a maioria dos trabalhadores com consciência de classe. Eles encontrarão uma nova liderança para a luta dos trabalhadores (Low Wage Capitalism, capítulo 14, “Building a broad working class movement”).
Os primeiros sinais da luta que se avizinha já surgiram. O dia do imigrante naquele Maio de 2006, que provocou uma greve geral contra as leis repressivas da imigração foi o exemplo mais poderoso. Mas em Dezembro de 2008, a acção de uns 270 trabalhadores da fábrica Republica Windows y Doors de Chicago, surpreendeu o movimento dos trabalhadores. Esses trabalhadores (que lutavam pela indemnização numa empresa que estava prestes a fechar) cercaram a fábrica e exigiram o seu dinheiro ao Bank of América, o banco que se recusava a fazer empréstimos à administração de Republica Windows. Como se pode imaginar, nesta altura os bancos não são muitos populares nos Estados Unidos.
Os trabalhadores ganharam. O motivo por que esta luta atraiu tanta atenção foi por ter recordado as dramáticas greves de ocupações de 1937, que originaram, por todo o país, uma onda de organização dos trabalhadores industriais. Muitas pessoas nos Estados Unidos pensam que já se iniciou um período com muitas semelhanças com a Grande Depressão, e existe a esperança de que semelhantemente, traga grandes lutas. Os líderes sindicais de Republica Windows – o Sindicato dos Trabalhadores de Electricidade, um dos sindicatos mais progressistas dos Estados Unidos – percorreram o país a falar com os seus filiados sindicais e outros militantes sindicais sobre a sua luta. São uma fonte de inspiração.
O ódio contra os bancos alarga-se à solidariedade para com os trabalhadores que estão ameaçados com despejo das suas casas, e que são milhões de pessoas. Em determinadas zonas do país, uma em cada dez famílias confronta-se com execuções hipotecárias das suas casas, por não poderem pagar as prestações. Com o aumento do desemprego, cresce o perigo de ficar sem casa.
Fizeram-se mobilizações para parar as execuções hipotecárias das casas das pessoas que estão incapacitadas de pagar, que começaram por Michigan e o sul da Califórnia e se estenderam a muitas outras zonas do país.
Também aconteceram episódios de resistência aos despejos das suas casas. Nalgumas cidades, as autoridades governamentais responsáveis pelos despejos recusaram mesmo executá-los. Esses funcionários temem ser considerados inimigos do povo. Num futuro imediato é possível que aconteçam protestos idênticos em defesa dos postos de trabalho. Podem abrir-se outras frentes para exigir o acesso universal à saúde, à educação e uma maior defesa do meio ambiente.
Esperamos mobilizações nos próximos meses. No próximo dia 3 de Abril, em Wall Street, os manifestantes exigirão que o governo dê o dinheiro às pessoas e não aos bancos. No Primeiro de Maio haverá outra mobilização dos imigrantes, mas esperamos que outros sectores da classe trabalhadora se manifestem solidariamente com eles.
Confrontados uma profunda crise, os banqueiros, os correctores da bolsa e os empresários começam a constatar que estão à beira do abismo. A força de uma prolongada queda económica afastou a possibilidade da sua recuperação. Cada estímulo económico ou medida salvadora anunciada pelo governo parece ficar imediatamente empequenecida pela magnitude da crise.
O que isto significa para os trabalhadores é que não é apenas necessário prepararem-se para a luta, é necessário prepararem-se para acabar com o sistema capitalista. Com os anteriores sofrimentos da classe trabalhadora desde 1989 até 1991, e o posterior recuo ideológico, este é um problema a longo prazo para o movimento mundial da classe trabalhadora.
Nos Estados Unidos, os trabalhadores estão a sofrer a crise mais profunda – como não aconteceu em 80 anos, desde a Grande Depressão de 1929. A situação deteriora-se drástica e rapidamente. Como materialistas, acreditamos firmemente que, a longo prazo, o ser social determina a consciência e que as condições de profundas mudanças abrirão o caminho a uma transformação da consciência e da luta. Enquanto os trabalhadores lutam para sobreviver, os dirigentes comprometidos com a luta que está para chegar nunca devem abandonar os ideais do objectivo final – um mundo socialista.
ODiario.info - 19.03.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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