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02/12/2010

Para favorecer a banca - Governo penaliza poupança e endivida-se no estrangeiro

Anselmo Dias

Portugal é, como todos os nossos leitores sabem, um país altamente endividado. O Estado está endividado, cerca de 146 mil milhões de euros. As empresas estão endividadas, cerca de 177 mil milhões de euros. A banca privada está endividada, cerca de 188 mil milhões de euros. Estes dados, fornecidos pelo Banco de Portugal, reportam-se a Junho de 2010 e referem-se, exclusivamente, à divida externa bruta.
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Foto LUSA
Trata-se de uma realidade fruto de práticas políticas erradas ao longo dos anos, cujas consequências, derivadas da amortização da dívida e do pagamento de juros, vão conduzir o país a um dos maiores patamares de regressão social da nossa história contemporânea, salvo se, entretanto, não se concretizar, como se impõe, uma ruptura democrática.
As dívidas atrás referidas têm de ser regularizadas nos termos e condições draconianas impostas pelo mercado.
No que respeita ao Estado, o pagamento da dívida tem sido realizado pela contratação de novos empréstimos cada vez mais caros, o que agrava a situação do orçamento do Estado, ao mesmo tempo que coloca Portugal numa relação de maior subalternidade relativamente ao estrangeiro.
Como é que se chegou onde chegámos?
Chegámos pelos caminhos ínvios das políticas de direita que fomentaram:
- o desinteresse pelos investimentos na área produtiva, designadamente nos sectores primário e secundário da nossa economia;
- o privilégio dado a investimentos de fachada sem qualquer retorno económico e social;
- a excessiva canalização de recursos para o saturado mercado imobiliário, cujos fogos por vender significam qualquer coisa estimada em cerca de 100 mil milhões de euros parados. Uma barbaridade!
- o desvio de avultadas verbas: para auto-estradas quase vazias; para investimentos turísticos onde são praticados salários de miséria; para a renovação obsessiva de viaturas topo de gama;
- o consumo por via das importações em detrimento da produção de bens transaccionáveis com incorporação de média e alta tecnologia, adequados ao mercado interno e à exportação;
- o estímulo ideológico à ostentação e à afirmação social por via do consumismo, em vez da valorização dos valores ligados ao saber e ao civismo;
- a permissividade das autoridades face à fuga ao pagamento dos impostos por parte das empresas e das grandes fortunas;
- a gestão perdulária dos dinheiros públicos por parte dos «cavalos de Tróia» do PS, PSD e CDS-PP instalados no Governo, na administração pública e no sector empresarial do Estado;
- o uso dos dinheiros públicos na satisfação de clientelas na área do out-sourcing, das consultorias, das assessorias e no tráfico de influências;
- a apropriação de uma parte significativa da riqueza nacional por parte dos grandes accionistas das empresas dominantes do mercado na área financeira, da electricidade, dos combustíveis, das comunicações e da grande distribuição.
Esta caracterização, embora não exaustiva, tem sido abundantemente referida nas páginas do Avante! e nos vários documentos dos comunistas, caracterização sobre a qual existe um total consenso.
Há, contudo, aspectos pouco abordados e pouco avaliados, não obstante a sua importância estratégica, como a seguir se evidencia.

A questão da poupança

Em Portugal a poupança tem vindo, no rotativismo do PSD e do PS, progressivamente a diminuir sendo, de momento, cerca de metade da poupança verificada na Alemanha, tendo como referência o rendimento disponível.
Mesmo na vizinha Espanha o nível de poupança é significativamente superior ao nosso.
Porque é que associamos esta questão às malfeitorias atrás referidas?
Porque a poupança é um vector estratégico no desenvolvimento.
Deve, prioritariamente, embora não exclusivamente, ser através das poupanças que se obtêm os meios necessários ao investimento.
É evidente que o investimento pode ser feito à custa do endividamento externo. Só que neste caso gera-se uma relação de dependência, tanto maior quanto maior for o crédito externo, como actualmente se verifica em que o Estado Português está, como é público e notório, totalmente desarmado face às condições impostas pela agiotagem internacional.
Para estes qualquer pretexto serve para ganhar dinheiro. Basta um ligeiro suspiro ou um pequeno arroto do Ministro das Finanças para os compradores da dívida pública alterarem as respectivas taxas de juro.
Mas porque é que chegámos onde chegámos?
A explicação primeira reside no défice da balança comercial obrigando-nos a drenar para o estrangeiro vultuosas verbas destinadas a pagar as importações, sem esquecer o dinheiro saído do país correspondente, quer aos lucros das empresas estrangeiras, quer aos dividendos dos accionistas estrangeiros nas empresas portuguesas.
Acresce a tudo isto três outras condicionantes:
- uma pelo estímulo ao consumismo desenfreado através do crédito, em vez do consumo racional por via de melhores salários;
- outra por via da estratégia dos governos do PS e do PSD, associada aos interesses da banca privada, limitando a possibilidade do Estado recorrer directamente ao seu financiamento junto da população, por forma a que, no plano da ganância, os banqueiros tenham rédea solta na captação de recursos, quando e como muito bem lhes aprouver;
- uma outra, ainda, por parte da banca, por via do não pagamento de juros às pequenas poupanças e ao esmagamento de taxas para os depósitos mais elevados.
Com este cocktail, associado aos baixos salários e às baixas reformas, não é de admirar que a taxa de poupança seja muito baixa, obrigando o Estado a recorrer ao endividamento externo quando o devia fazer cá dentro em condições económicas mais vantajosas e sem a grilheta que nos é colocada pelo sistema financeiro internacional.
É, pois, um imperativo, no plano da racionalidade económica e numa perspectiva de independência nacional, criar condições políticas e económicas para o crescimento da poupança.
É certo que a redução salarial dos funcionários públicos e dos trabalhadores das empresas do sector empresarial do Estado, o nível de desemprego, o aumento do IRS e do IVA e as reduções das prestações sociais minimizam a possibilidade de poupança da generalidade dos trabalhadores, já de si reduzida. Há, contudo, sectores onde é possível estimular a poupança.
Referimo-nos aos nossos emigrantes.

As remessas dos emigrantes

De acordo com os últimos dados disponíveis as remessas dos emigrantes, no decurso de 2009, atingiram cerca de 2282 milhões de euros.
Este valor foi inferior ao verificado em 2008, o qual, por sua vez, foi inferior ao ano transacto.
Uma análise aos últimos 15 anos permite concluir que entre 1996 e 2001 há uma evolução positiva. Mas em 2002, por critérios impostos por Bruxelas, houve uma alteração na contabilização das remessas o que provocou uma queda estatística na ordem dos 25%.
No decurso da presente década há oscilações a evidenciar que, não obstante o aumento da emigração, o envio das remessas não acompanha esse crescimento.
Em qualquer dos casos estamos perante verbas significativas, cuja origem, cerca de 90%, provém dos seguintes países: França, Suíça, EUA, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Luxemburgo, Canadá e Bélgica.
Esta listagem, comparativamente aos últimos 15 anos, sofreu uma alteração.
Com efeito, durante muitos anos, a Alemanha ocupava o 4.º lugar no que concerne à origem das remessas, posição entretanto assumida por Espanha.
Verifica-se, igualmente, um crescendo nas remessas com origem nos países africanos de expressão portuguesa, designadamente de Angola, bem com uma evolução, embora pouco significativa, de remessas de países do Leste da Europa.
Relativamente aos restantes países, excluindo os da OCDE e os PALOP, onde se incluem os países da América Latina, o valor total das remessas são inferiores àquelas que são remetidas pelos nossos emigrantes localizados num pequeno país: o Luxemburgo.
Estas remessas têm, naturalmente, vários destinos, um dos quais é a sua canalização sob a forma de depósitos bancários.
Os dados disponíveis nos Anuários Estatísticos do INE evidenciam uma regressão no valor dos depósitos dos emigrantes, passando de 8574 milhões de euros em 2003, para 5533 milhões de euros em 2007.
Mercê desta regressão não é de admirar que o peso dos depósitos dos emigrantes, relativamente ao total dos depósitos, tenha passado de 6,5% em 2003, para uns residuais 3,5% em 2007.
Trata-se de uma realidade com consequências negativas na medida em que afecta ainda mais o já reduzido nível de poupança dos residentes em Portugal.
Haverá certamente várias explicações para essa situação, uma das quais terá a ver com a forma de remuneração dos depósitos, sem esquecer o estímulo dado pela própria banca ao encaminhamento das poupanças para os chamados paraísos fiscais, num dos quais, as ilhas Caimão, estão depositados cerca de 12 800 milhões de euros provenientes de insignes patriotas portugueses.
Embora os dados disponíveis não desagreguem os juros creditados aos emigrantes e aos residentes, nem tão pouco desagreguem os depósitos à ordem e os depósitos a prazo, a verdade dos factos é que a remuneração média é muito baixa, atingindo, por exemplo, em 2004 e 2005 um valor médio na ordem de 1,4%.
Com tal remuneração é caso para dizer aos gestores do BCP, do BES, do BPI, do Santander Totta: vão mas é roubar para a estrada.
Urge, pois, alterar este estado de coisas.
Importa estimular as remessas dos emigrantes e remunerar devidamente os depósitos bancários por forma a haver disponibilidades em Portugal que dispensem, tanto quanto possível, o recurso ao crédito externo.
Para tanto cabe ao governo dar orientações precisas à Caixa Geral de Depósitos para que assuma esse papel e que esta deixe de ser, como é, um capacho da banca privada.
______________
Fontes:
Posições de Investimento Internacional, Banco de Portugal;
Anuário Estatístico do INE;

Jornal Mundo Português, de 15/10/2010;

Jornal Expresso de 20/10/2010.

http://www.avante.pt/pt/1931/temas/111525/

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