Assis ameaçou demitir-se se a sua bancada decidisse apoiar projecto do PCP. Seguro acatou, mas endureceu críticas
António José Seguro, o deputado socialista que todo o PS vê como candidato à sucessão de José Sócrates quando este deixar a liderança do partido, reagiu ontem com uma dureza que não lhe é habitual ao facto de a sua bancada parlamentar ter ajudado a inviabilizar a tributação extraordinária da antecipação da distribuição de dividendos por algumas empresas.
Um diploma do PCP ontem discutido e votado no plenário visava isso mesmo: travar manobras fiscais de algumas empresas que estão a distribuir os seus dividendos ainda este ano para evitar a fiscalidade criada pelo OE 2011 (que só entra em vigor a 1 de Janeiro próximo).
Seguro votou disciplinadamente contra o projecto comunista, mas apresentou uma declaração de voto onde afirma que o que foi decidido [no seu partido] "não corresponde à matriz do PS" e está a "contribuir para aumentar as desigualdades sociais".
"Desistir da tributação de um imposto extraordinário sobre os dividendos antecipados é contribuir para aumentar as desigualdades sociais, num país que já por si apresenta um enorme fosso entre mais ricos e mais pobres. O que foi decidido não corresponde à matriz do PS", escreveu, no último parágrafo da sua declaração de voto.
No primeiro parágrafo, Segurou explicou-se: "O País, no estado em que está, pede sacrifícios aos portugueses, e esses sacrifícios têm de ser partilhados por todos de forma justa. Ninguém pode ficar excluído desses sacrifícios, todos devem dar contributos nesse sentido, em particular os que têm maiores rendimentos."
Assim, acrescentou, o PS deveria ter tido uma iniciativa própria, já que o projecto de lei do PCP era "portador de normas de duvidosa eficácia". Tinha sido essa, recordou, a sua sugestão numa anterior reunião da bancada do PS.
Na que decorreu ontem de manhã (com extensão para o princípio da tarde), as divergências entre os socialistas atingiram novos máximos.
Francisco Assis viu crescer as críticas a tal ponto que pôs a sua liderança à consideração dos deputados, ameaçando demitir-se se a bancada decidisse não inviabilizar o projecto do PCP: "Não admito que seja colocada em causa a linha de orientação do partido. Não contem comigo!"
A reunião tinha começado a meio da manhã, teve uma ligeira interrupção para almoço e retomou às 14.45, para os deputados decidirem o seu sentido de voto (de braço no ar), e só terminou perto das 15.00, hora a que se iniciaria no plenário o debate do projecto comunista.
Assis venceu: 72 deputados consideraram que se deveria votar contra o projecto do PCP (ou seja, a favor da manutenção de Assis na liderança da bancada); quatro abstiveram-se: Miguel Laranjeiro, Miguel Vale de Almeida, João Galamba e Marisa Macedo. Seguro faltou a esta votação, alegando deveres académicos.
Ao fim da tarde, o projecto do PCP foi votado no plenário. Chumbado, como se previa, pela conjugação de votos contrários do PS, PSD e CDS (a favor só os proponentes, o BE e o PEV). Contudo, houve na bancada do PS quem violasse a disciplina de voto: ou abstendo-se (os independentes Miguel Vale de Almeida e João Galamba), ou votando ao lado do PCP e do BE (o candidato presidencial Defensor de Moura). Além de Seguro, uma dúzia de outros deputados do PS disseram no plenário ter declarações de voto.
No debate em plenário, o líder parlamentar do PCP, Bernardino Soares, admitiu que o diploma da sua bancada era "um teste para saber se há ainda um resto de independência do poder político face ao poder económico". "A quem interessa que este projecto chumbe?", perguntou.
Com o Governo ausente, Sónia Fertuzinhos (PS) e Paulo Baptista Santos (PSD) explicaram o voto contra das suas bancadas ao projecto do PCP: "Não se mudam as regras a meio do jogo, sob pena de se verificar uma fuga de capitais". Já o CDS acusou o Governo e o PS de fazer "o discurso dos sonsos". Assunção Cristas explicou ser contra a proposta do PCP porque "viola o princípio da retroactividade fiscal". Mas não deixou de lembrar que José Sócrates e Teixeira dos Santos se tinham mostrado disponíveis para tributar já em 2010 os dividendos.
As críticas do BE também foram fortes, com José Gusmão a acusar o Executivo de ter mentido.
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