À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

02/12/2010

O cerco

Henrique Custódio

Há dias, Pedro Passos Coelho afirmou inopinadamente que «estava preparado» para chefiar um Governo que «tivesse de trabalhar» com o FMI. Houve quem estranhasse estas afirmações, quem ensaiasse indignações de galeria e, até, quem descortinasse «imaturidade política» no seu autor, mas o assunto não se demorou nos noticiários nem no rumorejar dos comentadores.
Seria Francisco Lopes, candidato do PCP às próximas eleições presidenciais, quem, no início da semana, denunciaria este facto como algo nada fortuito ou ingénuo.
Após considerar «esclarecedor» que o presidente do PSD tenha aparecido a dizer que não se importava de governar com o FMI, Francisco Lopes considerou «verdadeiramente espantoso que alguém que quer ter responsabilidades políticas no país venha dizer que abdica da soberania e da independência nacional». E, sem tergiversações, atribuiu a mesma estratégia tanto ao PS como ao Presidente da República, Cavaco Silva (e «recandidato» ao cargo), acusando: «Até aqui, todos eles queriam o Orçamento aprovado para nele terem todas as malfeitorias. Agora estão a preparar-se para a etapa seguinte e querem tomar medidas ainda mais drásticas, mas dizer que a culpa não é deles».
Portanto, no caso vertente Passos Coelho apenas está a desempenhar o seu papel no entremez, cujo enredo central consiste em inocular no País a ideia de uma nova «inevitabilidade» - a de que o próximo ano «vai ser muito duro» -, o que abre caminho a duas «evidências»: uma, que a crise e respectivas exigências «vêm de fora» (portanto, esta gentinha que nos desgoverna ou quer desgovernar não tem culpa de nada), outra, que temos de «nos preparar» para mais sacrifícios que – azar – até podem «passar» pela entrada do FMI.
O Governo de Sócrates e respectivo PS também têm produzido as performances que lhes cabem no entremez. E aproveitam para lançar «propostas estratégicas», as tais que, invariavelmente, significam novos e violentos retrocessos sociais para os trabalhadores e a generalidade da população. 
É o caso desta elucidativa frase do ministro das Finanças, Teixeira dos Santos: «Portugal precisa de reformas que melhorem o funcionamento do mercado de trabalho, que promovam o seu mais rápido ajustamento às condições económicas e estimulem o mais rápido retorno à vida activa por parte dos desempregados».
A sentença tresanda a desregulamentação laboral, mas o ministro Teixeira não está só, neste desmando: José Sócrates anunciou, também, que vai iniciar um debate com os parceiros sociais com o objectivo de «melhorar as condições do nosso mercado laboral».
Como sopa no mel, estas «melhorias» agora ansiadas por Sócrates e Cia. vão ao encontro dos também recentes ataques do FMI à legislação laboral portuguesa (demasiado «rígida», dizem eles) e do presidente do Eurogrupo, Claude Juncker, que voltou a exortar Portugal a «suprimir a rigidez no mercado de trabalho».
O cerco capitalista aperta-se, visando, já, o que de mais progressista e evoluído resta da Revolução de Abril – os direitos socio-laborais.
Os títeres que nos governam ou querem governar, não passam disso mesmo – títeres a dançar nas mãos do dono.

http://www.avante.pt/pt/1931/opiniao/111558/
 

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