À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

25/11/2010

Os conselhos de Cantona às vítimas da fome

Paula Ferreira

Que país é este que paralisa em protesto? É um país da velha Europa, no século XXI, onde há crianças com fome. É a imagem mais negra de um país: não conseguir criar condições para satisfazer as necessidades básicas daqueles que serão o futuro.
Em dois dias seguidos, duas autarquias - Vila Nova de Gaia e Porto - anunciam que vão aumentar a oferta de refeições nos estabelecimentos de ensino que estão sob a sua alçada. Primeiro Gaia. A partir de Janeiro, serão servidas quatro refeições por dia nas escolas, para mais de 14 mil crianças. Destas, metade já recebe apoios sociais. No dia seguinte, Rui Rio anuncia que, apesar das férias de Natal, quando as escolas deveriam estar encerradas, as cantinas continuam a funcionar. Neste período, está garantido aos mais pequenos que, pelo menos uma vez por dia, têm uma refeição. E talvez a medida se estenda a dia 24, dia da consoada... O Natal é "tempo de ser bom", como dizia o poeta António Gedeão.
Eis um país a olhar-nos com melancolia faminta. A mais cruel de todas. É este o país (dos brandos costumes, diziam) que protesta. Será também isto que nos separa de 1988, a última greve geral convocada pelas duas centrais sindicais. Em Março de 88, os portugueses, que aderiram massivamente à greve, contestavam o pacote laboral que Cavaco Silva, então primeiro-ministro, queria aprovar. Conseguiu-o, ainda que com algumas limitações impostas pelo Tribunal Constitucional.
Hoje outra realidade está em causa. O próprio país é outro. Para muitos, a greve nem sequer é possível - não têm emprego. Para a maioria é a contestação aos cortes salariais, aos cortes nos apoios sociais. Não nos podemos, no entanto, esquecer de uma coisa: é esta maioria que há cerca de três décadas elege os responsáveis pelo estado de penúria a que chegamos.
Um dia destes Eric Cantona, antigo jogador da selecção francesa, dizia: greves e manifestações são arcaicas. Sugeria outras formas de contestação. "Tirem o dinheiro dos bancos", desafia o ex-futebolista. Algo aconteceria a seguir, disso não tenhamos dúvidas.

http://jn.sapo.pt/opiniao

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