Jorge Messias
«Sigilo sacramental» é a expressão usada pelos teólogos para designarem, em bom e corrente vernáculo, aquilo a que também chamam «segredo de confissão». É, sem dúvida, uma sigla a reter por entre o denso emaranhado barroco da linguagem católica dos símbolos, muitos deles vazios de sentido. Neste caso, porém, do «sigilo sacramental» a expressão pode muito bem servir para apontar um dedo a uma prática comum a múltiplos sectores da Igreja: a do silêncio.
Actualmente, quem se detiver nas colunas dos jornais raramente encontrará um texto que reuna em si as características essenciais capazes de definir claramente as posições da Igreja (sejam elas subscritas pela Igreja de Roma ou pelo Patriarcado português) acerca dos presentes problemas nacionais ou internacionais que exijam esclarecimento e mobilização da opinião pública. De vez em quando, abre-se uma luzinha nos escuros corredores do Vaticano ou nos confessionários de Lisboa, mas são curtos clarões que logo se apagam sem nada iluminarem. A Igreja cultiva o silêncio. Por atavismo, tradição ou técnicas neoliberais, apenas aborda uma pequena mão-cheia de temas requentados, como as visitas do papa, as festarolas litúrgicas ou os milagres de Fátima. Nada que ponha os homens e as mulheres a pensar.
E, no entanto, não são temas nem dilemas o que por aí falta! A riqueza opulenta e a pobreza gritante; o desemprego e a alienação social de camadas cada vez mais extensas da população; as questões de saúde das pessoas, da organização dos serviços sanitários e do preço dos medicamentos; a degradação moral das intervenções dos políticos e a corrupção pública e privada; os crimes perfilhados pelos legisladores e que atingem os jovens, os anciãos pobres e os desadaptados; os «prémios» e os salários de luxo em contraste com os salários de miséria, os salários atrasados e o trabalho instável e sem direitos.
A Igreja vê tudo isto e fecha os olhos. Tem bons ouvidos e cerra os lábios. O silêncio é uma arma suas mãos. Nisto se alinham estrategicamente com os altos magistrados que «paira» acima do comum dos mortais e com os corruptos que afirmam serem vítimas inocentes de calúnias e conspirações. São formas diferentes de atingir os mesmos fins: a impunidade do crime, a destruição dos valores morais e a humilhação e exploração do povo.
Um documento imundo: o PEC
Os trabalhadores portugueses vão prestar toda a atenção a esta injúria que é o «Plano de Estabilidade e Crescimento». Descarrega sobre o povo os custos da cupidez dos financeiros. Amarra os trabalhadores e as famílias a privações que, no mínimo, irão durar quatro anos. Foi imposto pelas altas estruturas financeiras internacionais e pelo «governo sombra» que impõe ao mundo a ditadura do poder dos mais ricos. É um atentado à democracia e ao direito das nações exercerem a sua soberania. Foi negociado nos bastidores e em silêncio entre governos corruptos, grandes patrões e especialistas na manipulação e na ocultação da verdade. A forma como foi «trabalhada» a votação final na Assembleia da República foi conhecida através de uma «fuga» e de uma incontrolável paixão pelo poder absoluto: um dos partidos – o PSD – constituiu-se como «ponteiro da balança». O seu voto seria decisivo e a maioria dos membros da sua estrutura partidária dirigente votaria «não». Mas surgiu o absurdo: a presidente em exercício subiu acima das suas tamanquinhas e impôs o «sim». «Aqui quem manda sou eu.» E o sentido de voto foi modificado. E o jugo caiu sob os pescoços de milhões de portugueses!
Tudo isto é uma vergonha. A exigir que a luta continue e se reforce, lado a lado com o povo católico que será tão duramente atingido como o povo não crente ou como os trabalhadores crentes noutros credos. Quanto à hierarquia da Igreja, a decisão é sua. As combinações de corredor nunca alteram o essencial do curso da História. E os silêncios cúmplices só resultam nos tempos bonançosos da fortuna. Alimentar a crise ou pactuar com a corrupção em nome dos interesses da fé, fez o seu tempo mas agora acabou.
A hierarquia devia reflectir sobre o futuro.
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33031&area=32
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
01/04/2010
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